Tua beleza é um pedaço de mau caminho.
Oasis em que faço o meu ninho.
Tão dependente do teu carinho
como um filhote de passarinho.
O LEGADO
Esse legado não te pertence, Hades.
Arquiteturas febris queimam no peito.
Rudes teclados da velha máquina onomatopaica
burilam palavras.
A nódoa congênita exalta o sistema.
O papel aceita qualquer baboseira, como se sabe.
Mesmo que seja só um disfarce.
Todo cuidado com o nada é pouco.
Liberdade só no âmbito do permitido.
A memória em fúria, pira.
Filhos das ruas, vira-latas da madrugada silenciam.
Frágeis como passarinhos.
Mãos fúteis afagam toda esperança.
Recém-nascidos herdam o mundo corrompido.
Em que bocas se calam, sem saliva.
o acordo
Você tem isso de não ter papas na língua.
Não se importa de machucar.
Dá uma de louca e depois chora.
Apronta e depois diz que pensa em se matar.
Diz viver no inferno mas não sai de lá.
Diz que me ama mas condiciona tudo ao dinheiro.
Tudo bem, esse é o acordo.
Quem mandou eu me apegar ?
Para você é tudo normal.
Diz não querer ninguém no pé.
Você tem isso de querer tudo e não dar
nada em troca.
Nada além do que você melhor sabe fazer.
Dar.
a realidade recriada
Na realidade recriada, mentindo para nós mesmos,
a verdade é o que menos importa.
Tudo se resume a um jogo de aparências.
O caminho de pedras e espinhos fortalece.
As perdas e privações rompem amarras.
A tudo se incorpora a realidade recriada.
A única possível. A única suportável.
Compatível com fim dos prazos, dos laços compulsórios.
Na migração de asas desvairadas, renascem
espaços não preenchidos, novas condições.
Diante de uma vida que já é outra vida.
a porta do inferno
A/D.
D/D.
As novas siglas divisoras de águas
do mundo moderno.
Antes das drogas.
Depois das drogas.
A guerra das guerras.
Guerra sem trégua. Em que todos perdem.
Mesmo quem trafica, vendendo a alma ao diabo.
Nada pode ser pior.
Mais destrutivo.
Flagelo invencível, incontrolável.
Presente nos morros, nos guetos, nas altas rodas,
à disposição em qualquer esquina das grandes cidades.
Panaceia ignóbil de um mundo distópico e hedonista.
Paira sobre a humanidade como a porta do inferno.
o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz. Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...