sábado, 30 de março de 2019



              enquanto a hora não chega 






Enquanto a hora não chega, tomo meu vinho,
bebo minha cerveja,
um cigarro de vez em quando para relaxar.

Enquanto a hora não chega, faço as coisas de sempre,
como se o tempo não tivesse passado. Mas passou,
e logo me dou conta disso.

O corpo alquebrado, o rosto vincado, a alma embotada.
E, sobretudo, a solidão, o isolamento.
O sentimento de perda. Amargura, desencanto.

Quando minha hora chegar, ninguém vai notar.
Passarão dias, meses, talvez anos, para que sintam
minha falta.
Me deem algum valor. 
Por isso, tomo meu vinho, bebo minha cerveja,
até um cigarrinho ando fumando. 
Estes e outros pequenos prazeres, 
enquanto a hora não chega.







  


                  a exaustão do amor




                         
                 


Gozo sem gemido.
Riso contido.
Carinhos sonegados.
Aconchego, nem pensar.
Tampouco atenção, interesse, 
tudo aos poucos suprimido.
O amor assim resumido,
nem sombra do que foi outrora.
Inútil procurar explicações.
Tentar entender.
Simplesmente acaba, como tudo acaba.
Em indiferença, mágoa, ódio, 
se transforma.

Por que será que as pessoas que mais amamos, 
mais nos doamos,
são as que mais nos machucam e magoam ?
As que mais nos cobram ?
As que mais nos odeiam ?

É um erro crasso
supor que o verdadeiro amor tudo perdoa, 
tudo supera.
Não supera, não perdoa,
quando muito releva.
Mas não esquece, enfraquece,
vai desmilinguido.
Até acabar na vala comum dos desamores. 

Sexo sem beijo.
Falta de assunto.
Desinteresse.
A ausência das pequenas gentilezas.
Sinais sutis de exaustão do amor.
Daí às ofensas e agressões, não falta muito.

A grandeza do amor está, também,
em saber a hora de sair de cena. 
Perder os anéis, para salvar os dedos.






 



quinta-feira, 28 de março de 2019





            para poder entender




Precisava ter a indiferença dos psicopatas.
Precisava ser a serpente que atenta e desvirtua.
Precisava ser o verme que corrói as entranhas.
O vírus que infecta o organismo.
O ranho das crenças e práticas delituosas.
O lodo em que chafurdam os criminosos do regime 
mais corrupto de nossa história.
Precisava ser igual a eles, os idólatras adestrados 
e contestadores,  
as bestas empanzinadas que seus próprios filhos
à crenças profanas consagram.
Adeptos e defensores de valores apodrecidos, que pregam
o fim da família, da religiosidade, da moralidade. 
Para então,
e só assim,
poder entender que merda se passa na cabeça 
dessa gente.





quarta-feira, 27 de março de 2019


                      VÍCIO


       

       bebida vicia
cigarro vicia
       cocaína vicia
sexo vicia
       meu vício é ela
tudo que é bom ou ruim vicia. 
       

 

                                  a lei do retorno







Muitas coisas que não sabemos, melhor
não saber.
Para não sofrer em vão.
Não saber as verdadeiras razões.
Disto e daquilo.
Por que acabou, se valeu a pena,
ou foi tudo enganação, uma grande ilusão ?

Há coisas que é melhor não saber.
Simplesmente esquecer.
Superar.
Ainda mais se ficaram sequelas.
Mágoas, ressentimentos.
Vingança é um prato que se come frio,
dizem os entendidos. 
O dia da prestação de contas sempre chega.
Mais cedo ou mais tarde, a vida cobra.
Aqui se faz, aqui se paga.
De uma forma ou de outra, ninguém fica impune,
ninguém está imune às mais variadas vicissitudes.
Segredos, trapaças, sacanagens, um dia vêm à tona.
Quando não descobertas, 
em infortúnios pessoais se revertem,
conforme a implacável lei do retorno.

Filosofia barata ? Pode ser. 
Cada um sabe de si, 
cada um que arque com o peso de seus atos.












terça-feira, 26 de março de 2019



             CHUTANDO O PAU DA BARRACA


Reza a lenda que certa feita, num acesso de fúria, o grande Genghis Kahn decepou a cabeça da criatura de seu maior apreço, um falcão que o acompanhava em suas longas jornadas e intermináveis batalhas. Até aí, nada demais, em se tratando de um dos maiores sanguinários da História. As circunstâncias é que foram de lascar. 

Marchava ele e seu exercito de mongóis há semanas por um deserto, cansados e sedentos, quando a ave os conduz a um pequeno oásis, onde se regojizam com a maravilhosa visão de um córrego se precipitando do alto uma cachoeira. Como de praxe, coube ao chefe a primazia de primeiro matar a sede, mas eis que para surpresa de todos, num voo rasante, o falcão o impede de beber, afastando o vasilhame com as garras. 

Mais pasmo do que irado, Genghis Kahn brincou com seus comandados que o provavelmente o calor havia afetado os miolos do bicho. Mas ficou possesso quando ao repetir o gesto, o falcão volta a impedi-lo de beber. Ao que saca da espada e ameaça matá-la, caso insista no que lhe parece uma afronta injustificável. Dito e feito : ao ver o pássaro aproximar-se em nova investida, decepa-lhe a cabeça num golpe certeiro.   

Após sacrificar assim, impulsivamente, o companheiro de tantas jornadas, o qual estimava mais do que a todos, agachou-se para enfim recolher o precioso líquido, quando do alto do penhasco de onde despencava a cachoeira, um de seus guerreiros gritou para que não o fizesse, chamando-o para ver o que havia encontrado na nascente do córrego : uma imensa cobra, já em adiantado estado de putrefação. 
Ou seja, a água estava envenenada, e se dela bebesse, ele e seu exercito provavelmente morreriam. E a história da humanidade seria outra.    

Verídica ou não, a passagem embute uma lição muito óbvia : a de que jamais devemos tomar decisões radicais levados por impulso ou emoções exacerbadas. Pois elas afetam o juízo, induzem a erro, equívocos, injustiças muitas vezes irremediáveis.

O que não significa que todas as explosões e reações intempestivas sejam maléficas. Há situações-limite que não só justificam como exigem tomadas de posição à altura. É quando o famoso chutar o pau da barraca se torna imperioso, uma questão de moral, dignidade. Diferentemente do primeiro caso, as perdas aqui são saneadoras, benéficas, ainda que sujeitas a naturais dúvidas e questionamentos. Principalmente quando se trata de rompimentos de cunho afetivo, em que as boas recordações tendem a causar surtos de arrependimento e auto-flagelação. 
   
Faz parte do processo assumir culpas e responsabilidades, hiper-valorizar o que foi supostamente perdido, mitigar as reais causas da ruptura, esquecendo-se do que antes era motivo de crescente e insuportável insatisfação. Coisas como o distanciamento, a indiferença, a falta de interesse sexual, e uma série de outros problemas daí decorrentes, protelados ao extremo de ensejarem desfechos radicais e traumáticos. Sentimentos represados que quando transbordam, às vezes do nada, posto que já no limite, causam estragos gigantescos e irreparáveis. 

Nada é mais desafiador para o ser humano do que controlar seus instintos e emoções. Mesmo quando justificáveis, tais rompantes sempre deixam sequelas. Quase sempre dolorosas. Mesmo quando benéficas. 













segunda-feira, 25 de março de 2019


                FRACASSOS QUE HUMANIZAM






Coleciono fracassos,
mas continuo de pé.
Lambo as feridas
e parto para outra.
Outras cabeçadas, off course.

Tudo bem, convém não abusar.
Há fracassos e fracassos.
Há os que ensinam, somam;
e há os caminhos sem volta.
Há os fracassos que nos humanizam,
e há os que nos derrubam.
Um fio tênue os separa.
Porque às vezes, uma perda pode se reverter
num ganho que a dor da perda escamoteia.
Uma relação exaurida, por exemplo.
Viver de aparências.
Obrigações, responsabilidades, comodismo.
Às vezes as rupturas são necessárias.
São bem-vindas.
Não há demérito em fracassar.
Pior é não tentar.






domingo, 24 de março de 2019



                        REFÚGIO




Vivemos, envelhecemos, adoecemos
a qualquer tempo, 
a qualquer momento tudo muda.
Nada temos, a não ser a ilusão de termos.
O amor nada mais é do que a inconsciência 
de que nada nos pertence.
O amor no desamor se esgota. 
Resiste o tempo de ao outro conhecermos, 
de nos mostrarmos tal qual somos. 
Dizer "eu te amo" e não demonstrar com ações, 
honestidade de propósitos, 
o amor corrói, o fim apressa. 
A imaginação nos trai.
Os pensamentos conspiram. Nada nos satisfaz.
Até perdemos aquilo que não nos bastava : tudo.
Como Fausto, 
vendemos a alma ao diabo para saber.

Vendi a minha à troco de nada.
Onde me encontro é onde não queria estar.
Vida vulgar, vida sem nexo, 
sem ter para onde ir, para onde fugir.
Quero voltar mas não tenho para onde voltar.
Todas as portas se fecharam.
A impossibilidade de um novo existir me subjuga.
Não me concebo mais amando. 
Ferido, acuado, vejo o tempo passar 
como o caçador espera a caça - a morte.
A morte, o caçador.
Eu, a caça.
Haverá refúgio para mim ?











                      VERDADES







O que escrevo, sinto-o de verdade.
O que não significa 
que o que escrevo é verdade.
Pode ser como pode não ser.
Depende do momento.
Depende de como me sinto.
Cada dia com suas verdades,
cada dia com pensamentos diferentes.

O que eu sinto é muito conflitante,
um querer e não querer que não se sustenta,
baseado na certeza de nada.
Baseado em falsas premissas,
em coisas enganosas, em mentiras, trapaças
inimagináveis.
Como ter certeza de alguma coisa, sem poder 
acreditar em ninguém, em nada ?

O que escrevo, sinto-o de verdade, são as
minhas verdades.
Infelizmente precárias, 
sujeitas a reparos, às vezes ferinas, 
quase sempre recalcitrantes. 
De qualquer forma, cumprem sua função.
Escrevo para mim mesmo, 
ainda que inspirado em outras pessoas, 
evocando coisas mal-resolvidas
que me infernizam a vida.

São desabafos e libelos sinceros, mas
que não servem para nada.
Pois não mudam nada.
Ao contrário, incomodam, ferem.
Mais prejudicam do que me ajudam.
na medida em que me exponho, 
especulo, tateio no escuro.
Deixam entrever o que há de pior em mim.
Quem precisa de inimigos quando seu maior
inimigo é você próprio ?

Alguém que se auto-sabota.
Queima pontes.
Põe fogo nas vestes.
Se imola, se isola, 
um caso perdido.
Não obstante, 
escrever é só o que me faz sentido.
O que me mantém vivo.












sábado, 23 de março de 2019









 



O AMOR QUEBRA








Matar o amor é muito fácil.
Tão simples que nem sentimos.
Eis o problema.

Matamos o amor todos os dias
Falando, fazendo, deixando de fazer.
Tudo ajuda a matar o amor.

O erro está em negligenciar o amor.
Achar que tudo aguenta, tudo suporta.
Sim, até aguenta, suporta,
mas só por um determinado tempo. 
Sem manutenção, sem cuidado, 
como um carro, quebra. 
Te deixa na mão.
Vê se aprende a lição.





sexta-feira, 22 de março de 2019





                        O ESPELHO





O espelho reflete o que teimamos em não ver.
O que não queremos aceitar.
Tentamos inutilmente negar.
Marcas do tempo, rugas, imperfeições que
nos incomodam, 
que fazemos de tudo para disfarçar.
O tempo é implacável, o espelho é cruel.
Um jogo perdido.
Melhor com ele fazer as pazes.
  
                      
                             FERIDAS





Não sofra, não se martirize 
com o que não pode resolver.
Com pessoas que não valem a pena.
Que não lhe querem por perto.

Não se sinta responsável por tudo. 
Não é justo assumir culpas reais 
e de quebra, as que lhe imputam.
Ninguém erra sozinho, ninguém tem 
o monopólio da verdade.

O que está feito, está feito, não tem jeito. 
Curar as feridas, dar tempo ao tempo.
Eis o que deve ser feito. 






  







terça-feira, 19 de março de 2019




                       amor e paixão




A paixão chega antes do amor.
O tempo passa, a paixão arrefece,
o amor fica. 
Mas sem fogo, sem motivação, aos poucos
o amor também definha, 
como tudo que é grande e nada.

A paixão não precisa do amor,
mas o amor não sobrevive sem a paixão.
A paixão é explosão e arrebatamento, mas de voo curto.
Já o amor voa tão alto, tão longe, 
que um dia cansa.
E esquece de voltar ao ninho.
  


   

   

segunda-feira, 18 de março de 2019


                  
          UMA CERTA MANHÃ DE DOMINGO


Não foram poucas as vezes em que pensei seriamente em parar com esse blog. Não digo de escrever, porque não consigo. Não só porque gosto, mas porque preciso. Hoje em dia muito mais como antídoto e terapia do que hobbie. Adoraria ganhar a vida escrevendo, mas nem em sonhos. Para começar, nem sei se o que escrevo tem algum mérito ou qualidade literária.
Escrevo para extravasar o oceano de sentimentos e emoções que me acorrem constantemente. Tanto que às vezes receio que o coração não aguente. Às vezes acordo de madrugada com as ideias  martelando na cabeça. Lembranças, insights, até cheiros eu sinto, imagina, um dia acordei sentindo um aroma de mato de quando ainda era molecote, e vivia solto como bicho pelos arrabaldes de minha cidade natal, Cachoeira do Sul.
São tantas coisa que me vêm à cabeça que se não pudesse por para fora, não sei o que seria de mim. E como praticamente não tenho amigos com quem conversar, nenhuma outra distração que não seja andar, andar, andar, escrever é só o que me mantém são. 
Criei o blog há 4 anos, depois de muita relutância e adiamentos, e até mesmo porque à época era colaborador assíduo do site Observatório da Imprensa, do conceituado Alberto Dines, tendo quase 100 artigos lá publicados. Com o afastamento do velho mestre e a mudança da linha editorial, parei. Foi quando apelei para um blog. 
A princípio, sem saber qual o formato e conteúdo. Se na mesma velha linha jornalística ou algo mais pessoal, onde pudesse resgatar o antigo gosto pela poesia, por exemplo. 
A segunda opção veio ao natural, principalmente depois que minha vida sentimental entrou em colapso. Um drama silencioso, que fui remoendo, que foi me consumindo por dentro, a medida que via o barco afundar, indiferentemente a meus gritos de socorro e alerta. E deu no que deu, prefiro não entrar mais em detalhes, mesmo porque meus escritos falam por mim.
Escritos, como já disse, que volta e meia ainda penso em parar de postar, deixá-los apenas como rascunho, para não me criar mais problemas, machucar as pessoas, principalmente uma certa pessoa, que inspirou grande parte do que escrevi. E que pelo visto jamais me perdoará. Mesmo não entendendo que jamais quis ofender, e sim, abrir os olhos, chamar a atenção. Mexer com o coração. Infelizmente não consegui, o que me leva a questionar ainda mais a validade de manter esse blog aberto ao público.

Mas há compensações. Poucas mas lindas compensações. Quando eventualmente consigo despertar alguma emoção, mexer com os sentimentos, tocar o coração de alguém. 
Como aconteceu ainda ontem, com alguém que eu jamais esperaria, pela pouca idade, pela natural incapacidade de entender escritos nem sempre inteligíveis, de fácil compreensão. Meu filho Breno, de 12 anos, que veio passar mais um adorável fim de semana comigo.
Enquanto ela dormia até mais tarde, e eu escutava música, senti um impulso irresistível de botar no papel - e digo botar no papel porque é onde primeiramente esboço as ideias -, algo que nem eu tinha noção no que iria dar. E que, por isso mesmo, começou de um jeito, e foi dar em outro totalmente diferente. E surpreendente até para mim.
Uma homenagem, um tributo, uma evocação antiga e dolorida à meu pai, falecido há dez anos. Escrevi como se estivesse psicografando. Sem maiores preocupações com estilo, formato. Fui escrevendo até sentir que tinha posto para fora tudo o que me agoniava. Que me machuca muito, desde que ele se foi.
Meu filho acordou, ficamos vendo um jogo na TV, ele mexendo ao mesmo tempo com o celular e computador - incrível esse geração multimídia -, foi quando num estalo pedi sua opinião para o texto sobre meu pai. 
"Lê aí, é sobre o vô Berger, e me diz o que acha".
"Ok".
Deixei-o na sala por alguns instantes,  fui à cozinha passar um café, e dali há pouco ele passa rapidamente em direção ao banheiro. Ri intimamente do repentino aperto. Já estava estranhando a demora quando voltou. Sentou-se sem dizer uma palavra, disfarçou, mas com uma evidente carinha de choro, vi que tinha algo errado. 
"O que houve, filho ? Tá sentindo alguma coisa ? Foi o que escrevi ?"
Foi só falar e ele desatou a chorar convulsivamente, como nunca havia visto. Nem preciso dizer que cai na choradeira também. Os dois abraçados ali, em plena manhã de domingo, nunca fomos tão pai e filho. Nunca o senti tão próximo. Posso jurar que senti o espírito do meu pai ali com a gente. 
Obrigado meu velho, te devo mais essa. 













domingo, 17 de março de 2019




                    PERDÃO, MEU PAI


Tudo bem, aqui se faz, aqui se paga.
Colhemos o que plantamos. 
Mas o problema é que nem todas as sementes vingam.
A terra tem que ser boa.
Plantar no tempo certo.
E dar sorte.

Meu pai, não por ser meu pai, 
a melhor pessoa que já conheci,
começando a vida, lá pelos idos de 50, 
arrendou terras no interiorzão gaúcho, 
fez empréstimo no Banco do Brasil. 
Recém casado, cheio de gás, 
nos seus 20 e poucos anos, foi plantar arroz.
Meses de trabalho, no cu do mundo, a bem dizer,
morando num casebre, com minha mãe e este que vos fala,
com 2 ou 3 anos, 
incrível que ainda lembre de tantas coisas.
Como quando o rio Jacuí que tanto amávamos, 
em que pescávamos e nos banhávamos, 
subiu da noite para o dia.
Chuva que não parou por dias à fio,
invadiu nossa casa.
Acabou com alqueires e mais alqueires de plantação.
Tudo debaixo d'agua.
Ainda lembro perfeitamente,
ainda sonho com o barulho da chuva intermitente
no telhado de zinco do galpão em que ficamos ilhados.
No alto da coxilha, tendo trator, arados, colhedeiras, 
sacos de sementes, sapos e grilos como companhia. 
Ah, sim, e de um casal de corujas 
encarapitadas no alto do telhado,
e cujo lúgubre piado à noite era a única coisa 
que me metia medo.
Impressionante ainda lembrar disso e de tantas outras coisas,
relacionadas ao trabalho incansável,
às andanças do meu pai. 
Sem nunca abandonar a família, embora as constantes ausências,
por conta do ofício de vendedor que acabou abraçando,
depois do fracasso como agricultor.

Fracasso ? Retiro o que disse. 
Nunca, jamais, em tempo algum meu pai conheceu algo parecido. 
Honesto até o último fio de cabelo.
Ativo, sempre de bom humor, não havia quem dele não gostasse.
Ajudou um monte de gente, como vendedor de uma grande empresa de material de pesca, 
avalizava ele mesmo as compras daqueles que estavam sem crédito, 
Algo comum num ramo filho da puta como a pesca. 
Em que, igual a agricultura, um dia se tem, outro dia a própria natureza leva tudo.

Ah, meu pai, como me dói te-lo incentivado a entrar no ramo da pesca,
e comprar um barco, o imponente Asa Branca.
Que logo na primeira viagem, bateu num navio no porto do Rio Grande...
E nunca mais as coisas foram as mesmas.
Me perdoa, porque eu nunca consegui me perdoar.
Tanto que mesmo depois que partiste, 
ainda penso nisso, ainda me remoo por dentro.
Como agora,
que comecei a escrever uma coisa
e acabou dando nisso : um incontido
desabafo de remorso e culpa.
Um tardio pedido de perdão.






            
                      
                  TCHAU, QUERIDA


          

EU TENTO
          ELA FINGE
EU FAÇO
          ELA ENGANA
EU ABRO O JOGO
          ELA ESCONDE
EU ACREDITO
          ELA MENTE
EU PEÇO
         ELA NEGACEIA
EU QUERO
         ELA ENROLA
EU INSISTO
         ELA TAPEIA
EU FALO
         ELA INVENTA
EU OTÁRIO
         ELA TRAPACEIRA
EU DESISTO     
               ELA ME ENFEITIÇA
EU VOLTO
        ELA NÃO MUDA
TCHAU, QUERIDA,
        DESSA VEZ, CHEGA !


sábado, 16 de março de 2019




                    A SINOPSE DO ABSURDO





A impressão                         A compressão
A imprecisão                        A pressão
A catalepsia                         A sinestesia
O destampatório                  O crematório          
O espavento                         O catavento
A tormenta                           O firmamento
A alegoria                             A teogonia
A vaca fria                            A supremacia
O escaninho                          O descaminho
O saci-pererê                        A matita-terê
A rapadura                            A sinecura
A cicuta                                 O filho da puta
A limonada                            A presepada
A sucata                                O vira-lata
A truta                                   A fruta
O semáforo                            O fósforo
O caramanchão                     A tesão
A sesmaria                             A Ave Maria
O pífaro                                 O pássaro

Pássaro com o ramo no bico
De onde vieste
Porque voltaste
E sinal de vida trouxeste
Porque ? 
Melhor seria à Arca não retornar
À deriva deixar
A Criação à sua origem voltar
Tudo zerar
Para Deus repensar
A merda que fez
Quando o homem criou

Lúgubre pássaro noturno
Espantalho de sonhos
Não grasna, não pia, furtivo
Apenas espia
Na noite fria
Predador e vigia
Do nada bate as asas
Do nada, tudo às avessas
Onde havia vida, pouso
Desconsolo, ferida
Ora longe, ora perto
Sem repouso, sem guarida 
No bico do pássaro soturno
A desonra, o descaminho.

Corvo, abutre, mensageiro do além
Há que ler os presságios
As más ações um dia retornam
Em noites insones
Dias tenebrosos
O negrume tudo cobre
O sol    eclipse     liturgia     sinopse     carma 
                                the end      






                  SOB FOGO CRUZADO







Os vídeo-games, febre da mocidade,
simulam tiroteios, guerras, 
matanças - quem mata mais, ganha.
De repente, vítimas de verdade.

Nos meios de comunicação, 
a televisão em particular,
fake news, baixaria. 
Verdade é mentira, mentira é verdade.

Nas onipresentes redes sociais, baixo nível e promiscuidade.
Real e imaginário se misturam.
A instituição da família, em franca decadência.
O convívio humano cada vez mais precário.
Preconceito, discriminação, xenofobia recrudescem.
Os jovens sem rumo, excluídos, alienados, 
à mercê das drogas.

O amor, ah, o amor na era cibernética. 
Em tempos de watts ap.
O que dizer ? O que sobrou ? 
Amor romântico, fidelidade, ainda existem ? 
Ainda resistem ? Até quando ? 

Amor conspurcado, adulterado.
A humanidade, sob fogo cruzado.
Para onde caminha ?   

sexta-feira, 15 de março de 2019

                   

                              A CORJA





A corja é grande.
A corja é poderosa.
Tomou o país de assalto.
Assalto à mão armada é o de menos.
É café pequeno,
perante a sistêmica tunga aos cofres públicos.
Em todos os níveis possíveis e imaginários.
De cabo à rabo, numa conjuntura de longa
data engendrada 
para encher as burras dessa gangue que
infesta os três poderes da Nação. 

Nação fodida e mal paga.
Fodida e mal paga.
Fodida e mal paga.

A corja é grande, a corja é eclética, especializada.
Uma confraria, dir-se-ia. 
Grande demais, poderosa demais para
ser combatida, neutralizada 
com os parcos recursos e instrumentos de um Judiciário talhado para proteger e estimular a criminalidade. 
Que tem na banda podre do STF seus defensores e patronos.

Uma corja que não vai sossegar antes de acabar 
com a Lava-Jato.
Que não vai ficar satisfeita antes de livrar da cadeia 
o ex-presidente mais sujo e corrupto da cadeia. 
E com ele, a quadrilha às duras penas enquadrada e encarcerada.
Afinal, cá como lá,
a fidelidade é a marca da Camorra tupiniquim.








                      à moda Cazuza






Do que é feito esse amor
imperfeito, 
que te ofereço ?
E que retribuis no mesmo preço ?
O que temos para dar um ao outro,
que já não houvéramos dado,
e nos quebrado ao meio.
Amor aleijado, 
espinha dorsal partida. 
Ilusões perdidas.

O que será de nós, que futuro temos ?
Você diz que me ama mas não quer
compromisso.
Concordo.
Compromisso implica em cobrança, responsabilidades,
perda de liberdade.
A pergunta que não quer calar é :
pode-se amar sem cobranças, responsabilidade,
compromisso ?
Existe amor sem cobrança, responsabilidade,
compromisso ?
Ou teremos que inventá-lo, à moda Cazuza ?

quinta-feira, 14 de março de 2019



                  decifra-me, eu te imploro





O nexo inútil das coisas roreja,
metodicamente.
Fragmenta a alma vilipendiada,
esculpe a vida à revelia de tudo.
No desalinho geral das razões e motivos, 
a fé nos liames do desespero. 

Fé que nem sempre salva. Quando muito mitiga.
Dor, perdas, sofrimento, morte,
únicas certezas na vida sem nexo.
Indiferentemente aos por quês.
Razões e justificativas não contam.
Alheios ao que acontece ou deixa de acontecer. 
Desatinos, loucuras, surtos,
merdas que a gente faz, sem medir consequências.
O castigo vem à galope. 

Na incerteza de tudo,
caindo e levantando,
pisando e pisados,
A vida laça e desenlaça.
Dá e tira.
O diabo sempre à espreita.
O amor passa ao largo, como que a dizer :
decifra-me, eu te imploro.














                     de pedra em pedra






Pairam acima dos dias, profecias do fim do mundo 
que não finda.
Por que o peregrino conhece todos os caminhos
e o penitente não ?
A pedra é só uma pedra, mas de pedra em pedra
se faz castelos, pirâmides.
Tudo é tarde, tarda a maneira perfeita de amar.
De ser amado ressente-se o tenaz guerreiro.
De romper o novo a alma dista, morre à distância.
Desabando sem gritar.
A vida pobre, rica em quimeras, no caos se precipita.
O fogo da paixão crepita cumprindo ritos em que 
imaginação passeia.
Em meio aos oratórios já vazios, o mundo imaginado 
não existe, num apagar de rostos e sentimentos.
Um ser metafísico procura-se e não se acha.
Evade-se o tempo em que tudo era perfeito.
Reduzido à rotas sem setas.
Pontes queimadas, sem volta.
A semente das horas contendo a vida já não germina 
no solo árido.
O fruto apodrecido, a estrada bifurcada, nada nunca 
mais será o mesmo.
A explosão ingênua de desejo é como um barco avariado
prestes a afundar.
Não há mais nada a perder.


  






  





segunda-feira, 11 de março de 2019












                  

                            BALELAS
                




Dizem que para tudo há um propósito,
mesmo aquilo que parece não ter propósito.
Ou seja, quase tudo...

Dizem que Deus sabe o que faz,
que escreve certo por linhas tortas.
Resta saber em que idioma.

Dizem que é preciso ter fé,
que quem espera sempre alcança.
O problema é que esperar, cansa.

Dizem que o amor tudo supera,
que quem ama, perdoa.
Outra balela. Há coisas que o amor não supera.
Há coisas que o amor não releva.








                          louco, quase vilão





Já não tenho, 
em meu permanente desassossego,
a ilusão de poder mudar.
Encontrar alguém que me faça ser diferente.
Uma pessoa melhor, digamos assim.

Não por falta de boa vontade, 
muito menos de auto-crítica. 
Sei bem como sou, até onde posso ir.
Já fiz de tudo para mudar, 
domar o temperamento, controlar os impulsos, 
mas sempre dou com os burros n'água.
Estou sempre a quebrar a cara, deixando a desejar.
A dar razão àquela que um dia, disse-me ser esta 
a minha essência.
Um caso perdido, portanto.

Talvez sim, talvez não.
Nem eu sei direito o que sou.
Desaprendido de mim, o coração é só o que me resta.
Louco, quase sempre vilão,
esquece da razão,
explode em emoção.

Amar, me doar, eis, pois, minha repartida essência. 
Uma parte sadia, que me salva e redime.
Outra parte doente, que me condena à solidão.
A amargar a agonia de uma vida vazia,
sem direito à perdão. 







  
















domingo, 10 de março de 2019


                    com o amor não se brinca


Amava e não sabia
o quanto amava.
Não fazia ideia
de quanto amor lhe tinha.

Amava e não via
que o amor não se judia.
Que com o amor não se brinca,
muito menos se negligencia.

Pois assim como vem,
envolvente, arrebatador,
assim o amor também se vai,
quando não se dá o devido valor. 

E assim perdi o que nem eu sabia 
o quão importante era.
Perdi o chão, a motivação.
Só não abro mão da vida por covardia.

Dizem que o tempo cura todas as feridas, 
nos redime dos erros e pecados. 
Oxalá ! Ambos merecemos outra chance. 
No sofrimento e no perdão purificados.   



sábado, 9 de março de 2019


                       A PIRA E O FOGO


Simpatizo com os suicidas. 
Entendo suas razões e frustrações.
Conheço essa angústia. 
Faz parte da minha vida há tempos.

Chega um momento em que nada mais faz sentido.
Nada mais parece valer a pena. 
Viver por viver, 
postergando o fim do que já acabou, para quê ?
A morte é o descanso, a paz que tanto ansiamos,
que em vida não encontramos.

Ah, mas trata-se de uma covardia, 
um pecado imperdoável, sempre há quem diga.
Pode ser. É um risco que se corre, arder no fogo dos infernos.
Mesmo assim, o apelo de por termo à tudo é poderoso.
Uma saída honrosa, quando se chega ao ponto
de já não ter nada a perder.
De não ter pelo que lutar.

Sim, tirar a própria vida, a solução para tudo,
não fosse o instinto mais forte,
o coração generoso ainda pulsar,
a pira e o fogo da vida à reverberar. 



  





                      
                      REGRA CAPITAL







Creio piamente que as pessoas do bem são a grande maioria no planeta. O problema é que isso nem sempre basta. Ser do bem, ter boas intenções, seguir as leis, essas coisas, muitas vezes não bastam para satisfazer as pessoas, fazê-las feliz, seja nas relações sociais, como no próprio casamento. Simplesmente porque o conceito do que é correto, justo, adequado, difere de pessoa para pessoa. Depende da formação individual, dos valores que cada um herda e carrega pela vida afora.

É preciso entender, o que não é nada fácil, que mesmo dentro de um círculo virtuoso os conflitos são inevitáveis, pois os padrões comportamentais variam de acordo com a percepção e o entendimento de cada um. Virtudes que para alguns são básicas e fundamentais, para outros não. O fato é que quanto maior a flexibilidade, ou seja, a capacidade de lidar com os sentimentos seus e alheios, melhor nos saímos na difícil arte da convivência humana. Pedra angular da chamada inteligência emocional, em cujos fundamentos se baseia a mina de ouro do mercado da auto-ajuda.

Venho sofrido a vida inteira para me ajustar a essa regra capital, a qual só agora, depois de inúmeros malogros e tropeços, me parece clara e cristalina. Pois em que pese os desacertos, as trapalhadas e os próprios deslizes de comportamento, sempre me considerei uma pessoa de boa índole, justa, bem intencionada. O que nunca foi o bastante para me relacionar bem com as pessoas, seja em termos de entendimento e compreensão, como na parte material propriamente dita. Jogo de cintura nunca foi o meu forte.
Sempre foi muito difícil, e até revoltante, me deparar com a falta de reconhecimento, de consideração e respeito, para com meu esforço, minha dedicação, enfim, com tudo que fiz para cumprir com minhas obrigações e atender as expectativas das pessoas, sobretudo, de meus entes queridos. Não me conformava, não encontrava explicações para o quê sempre me pareceu uma enorme ingratidão, ou até mesmo algum tipo de desvio de caráter, até entender que a recíproca poderia ser verdadeira, ou seja, que eu poderia estar causando a mesma impressão, ainda que bem intencionado, gostando, amando e tudo o mais.
Tudo porque as boas intenções, o fato de gostar, amar, não nos dá o direito de exigir do outro as mesmas reações, a mesma intensidade no sentir. Primeiro, porque há uma individualidade a respeitar, cada um dá o que tem. Depois, há as prioridades, os valores, e as próprias limitações de cada um. Coisas que os impulsos e as paixões muitas vezes nos levam a atropelar, mas provisoriamente, pois ao longo do tempo a racionalidade tende a imperar. Racionalização cuja graduação, obviamente, varia de pessoa para pessoa, de momento para momento. 
As coisas mudam, as situações mudam, se não apreendermos a modular as expectativas e nos ajustarmos as circunstâncias e mudanças que o tempo produz, os atritos e insatisfações daí oriundos continuarão a ser inevitáveis. 
A ponto de muitas vezes por tudo à perder. 



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