domingo, 31 de março de 2024



                      juvenilidades anacrônicas





Minha grande luta é ter consciência de mim mesmo.

Para não esquecer a amplidão que se retrai. 

A vida de blefes e mentiras.

A consciência range e come as próprias entranhas.

É quase impossível ter os pés no chão, enquanto 

a impulsividade sabota a razão.

Vertigens do passado revolvem a solidão premeditada.

Digo adeus mas logo mudo de ideia.

Sou o que sou.

A longa vida de obscuridade obsidia lacunas despreocupados.

É tarde para fugir de mim mesmo.

Fui covarde, mas tive sorte.

Sai ileso do sofrimento que desencaminha e arruína.

Mais padeço de juvenilidades anacrônicas 

do que de consciência pesada.







sábado, 30 de março de 2024



                  o Deus que ninguém nunca viu





Espantoso que ninguém nunca o tenha visto.

Estando em todos os lugares, como se costuma dizer.

Nas mais diversas formas. Disfarces, diria.

De onde tiraram a ideia de que Deus teria um rosto, 

um corpo,

como sugerem tantas telas famosas ? 

Ora, os seres e as coisas são apenas detalhes insignificantes

no universo grandioso,

cuja perfeição só os estúpidos atribuem ao acaso.

A começar pela própria vida na Terra, só possível

graças a uma série de coordenadas que vão muito 

além de simples milagres, desses que a gente 

vê todos os dias.

Senão, vejamos.

Segundo dados validados pela própria ciência agnóstica,

por diferença de 1% mais perto ou mais longe do Sol,

a Terra seria praticamente inabitável, devido 

as temperaturas extremas.

Se sua rotação fosse mais acelerada, seria fustigada por 

tempestades e ventos furiosos.

Se fosse mais lenta, a exposição mais prolongada ao Sol

elevaria a temperatura a 60 ou mais graus de dia, 

e as noites seriam gélidas, com mais de 40 graus negativos.

E o que dizer da lua, cujos ciclos regulam 

os oceanos, os ventos, o clima ?

Sem falar no papel fundamental do gigante Júpiter,

cuja força gravitacional funciona como um escudo

para nosso planeta, contra tudo que é ameaça celeste.

Um grau mais próximo do Sol, e Vênus seria a contemplada.

Um mais longe, Marte.

Tudo magnificamente orquestrado pelo Deus 

que ninguém nunca viu.






 






                         a sina humana




O indecifrado,

que tudo sabe e nada vê,

além da pletora das coisas inaudíveis,

existindo no que nunca foi vivido nem concebido,

       no ainda por nascer,

acontece sempre de novo,

       emergindo,

como trigo maduro prestes a ser colhido,

para erguer novos muros.

Eis a sina humana.





                     a margem da vida




Existir, inexistindo.

Viver, evitando a vida.

A velhice avança, lentamente,

como um navio na curva do horizonte.

Óh, mocidade alada, tão cálida, tão breve.

Consoladoras lembranças gravam o caminho 

de volta para casa.

Escurece aos poucos, fechando o presente

em que a fera dorme.

A margem da vida, a paz interior

brinca de ser triste.






 

sexta-feira, 29 de março de 2024



             quando o psíquico está mal





Em Nova Iorque ou Pindamonhangaba,

alguém sonha com Londres.

Perversões inofensivas galgam o rol dos atributos.

Se a compreensão é a graça principal do estilo, 

a escrita é a arte da deturpação.

Juízos impessoais pecam por impropriedade intelectual.

Quem julga, se condena.

Por justiça e paz, as maiores atrocidades se cometem.

A esperança é o suvenir da fé.

O que são os anos diante da eternidade ?

Nada mais elegante que a ostentação conscienciosa.

Distrações andam em conformidade com a antena occipital.

Não é a aquisição de uma coisa que nos faz dono dele.

Do coração, por exemplo.

A falta de argumentos engendra repertórios confusos.

Liberal é aquele que não faz distinções quando se trata

do próprio deleite.

Gente superior não se priva da razão, apenas faz concessões.

O contentamento humilde afronta o regozijo.

A humildade é a mais graciosa desdita.

Melhor do que ser eterno é ser imortal.

É da natureza humana nadar contra a correnteza.

Olhou-se com tanto desprezo que acabou por conhecer-se.

Afinal, pode-se viver do que não pode viver sem viço ?

É melhor ser do que existir.

Pois é, isto não é poesia.

Quando o psíquico está mal,

melhor ser literal.




















 



                   velho é uma pinóia !



 


Velho.

Devo me envergonhar por estar velho ? 

Me desculpar por já não poder suprir,

corresponder as sempre elevadas expectativas

alheias, mormente dos entes queridos ?

Tanto se fala sobre racismo, homofobia, xenofobia, 

mas nada se compara ao estigma da velhice. 

"Vai se foder, velho do caralho !", dia desses 

me xingaram no trânsito.

"Vê se se enxerga, velho tarado", tascou a garota com a qual

tentei puxar papo, despretenciosamente (nem tanto, nem tanto)

numa rede social.

Pelo visto, devo me desculpar por estar vivo.

Tudo bem, sei que há velhos chatos, ranzinzas, sem noção,

sem senso do ridículo,

e me pergunto se não serei um deles.

Afinal, é o que trato com os mais jovens sugere.

Para eles, nós, anciãos, somos antiquados, ultrapassados, 

caretas,

para não dizer imprestáveis.

Porque assim são vistos aqueles velhos que já não tem

recursos, muitos dos quais sendo largados em asilos,

que os ingratos aproveitadores chamam, eufemisticamente,

de casa de repouso.

(Ainda) não é o meu caso, graças a Deus.

Sou um velho saradinho, por assim dizer, que põe muito

novinho no chinelo, segundo elas.

Até quando não sei, mas enquanto o coração aguentar,

velho é uma pinóia ! 












  







quinta-feira, 28 de março de 2024



                         perdeu, mané





 

Merdas estão sempre acontecendo.

Pouco importa se o dia está bonito ou não.

Em um prazo certo, nem antes nem depois,

o destino se cumpre.

Benevolente ou algoz.

Tudo depende do que você faz.

Ou não faz.


O fogo devorador faz da paixão uma sina.

Faz da vida um bordão sem rima.

De onde vem os dias ferozes, descansam, abraçadas, 

as horas marcadas.

Abrindo os pensamentos para tentações que desnorteiam 

as resistências mansas.

Em procissões de euforia e fadiga, profanos desejos

povoam a rapsódia do poder e do dinheiro.

Em certos momentos, tudo parece simples e tranquilo.

Mas logo a fuga do tempo rompe o fulgor fugaz 

das incompatibilidades.

Desfazendo os sonhos perfeitos.

Fechando os portões do Paraíso.


Onde foi que eu errei, é a pergunta recorrente 

que nem é tão difícil responder.

Ora, merdas acontecem, mas não por acaso.

Meninas que engravidam de bobeira é o que mais há.

Não foi bom, não gozou ? Que arque com as consequências.

Não quis dar uma de esperto, fazendo o que não deve ?

Perdeu, mané.

A vida é mais simples do que se pensa.

Basta não fazer merda.



















quarta-feira, 27 de março de 2024



                     tiro de misericórdia





De tanto maltratar a consciência, parto do princípio 

de que faço jus a meu quinhão de incoerências.

Deixando-me tomar pela quietude das verdades que se bastam,

em que respiram por mim espaços esquecidos.

Consolando o coração partido que regressa à noite

como um animal ferido.

Estou só como o túmulo de um morto, porém, 

mais vivo que nunca.

Livre dos conflitos e joguinhos doentios imputados

pelo jugo consentido do amor.

Minhas mãos, calejadas de rudes conquistas, buscam

a semeadura de fomes e sedes candentes.

Você sabe, não há encanto que não acabe.

Não há relação que não se desgaste, e por fim, deteriore.

Não há vontade que não esmoreça.

Não há beleza que perdure.

O amor não é garantia de nada, porque logo acaba, 

exigindo sacrifícios

quase sobre-humanos para manter as aparências.


"Não te amo mais. Quero me separar", me disse ela,

calmamente, acabando assim, em poucos segundos,

com uma relação de 18 anos.

Acabando em termos, melhor seria dizer dando 

o tiro de misericórdia naquilo que já se arrastava há tempos.

A verdade é que a gente faz de tudo para dar certo,

se sacrifica, representa, mente,

mas quando a insatisfação toma conta do recinto,

traição ou separação é só uma questão de tempo.

Culpa de quem é o que menos importa.

Provavelmente dos dois.

Pelos motivos de sempre.

O amor vive de clichês.





 




terça-feira, 26 de março de 2024



                 o fogo de Prometeu



 

Quebram-se as muralhas graciosas, queimam 

as florestas exuberantes, boiam os corpos

em perfeita consonância com os fenômenos da terra.

A horrenda ciência produz milagres entre perversões

disfarçadas.

A vida se renova matando gente, amando e odiando

no mesmo abraço.

O caos profundo tange prazeres sinistros que 

corrompem a alma.

Ah, a maldade humana, grandiosa na força bruta,

no heroísmo sem bravura, no remorso sem consciência,

gargalhando façanhas perversas.


Há uma coerência sombria no aboio da civilização.

Transcende o conhecimento humano, sob a batuta de Satan.

A maldade não se extingue, não dorme, não descansa.

Seu legado eterno conspurca a criação.

Cheia de passado e presente, se perpetua roubando 

o fogo de Prometeu.

A luta entre o bem e o mal nunca encontra termo.



  

domingo, 24 de março de 2024


                          

                               gratidão





Por todas as coisas que tive e me fizeram feliz.

Por todas as coisas que ganhei e perdi.

Por todos os momentos que passaram como fogo

e látego. 

Por tudo que aprendi e guardei para além 

das agônicas provações.

Por toda vez que escapei do pior, que resisti aos males 

que absorvem e fermentam.

Pela sorte de ter todos os sentidos aguçados,

de ter vencido a tristeza tenaz, conhecido a benção

da solidão voluntária e libertadora.

De sempre ter dado a volta por cima, como um mergulhão

que volta à tona.

Por ser como sou.

Humano.

Inquieto.

O grão coração crepitando acima de tudo.

Amoroso como um tigre com sangue no focinho.

Por tudo, Senhor, dou graças.









                   o estuário amoroso





Nunca se sabe o que fazer com a vida.

Vivemos cercado de dúvidas, e eventualmente de dívidas.

E sem dúvida, o que não acontece é a única coisa

que permanece.

Jogamos o jogo para continuarmos perdendo.

Para ferir e sermos feridos.

Para gerarmos novas vidas e enterrarmos nossos mortos.

Passam os dias, transfigura-se a matéria,

é, pois, no estuário amoroso que tudo se resolve.

Para o bem ou para o mal.

O amor que passou, o amor  que não aconteceu.

O que foi e não foi aquilo que foi, 

de uma forma ou de outra

continuará existindo.

Mesmo que nunca mais sejamos os mesmos.











                  bucha e canhão





A verdade é que nunca nos entendemos.

A não ser nada cama.

Embora para mim, nunca tenha sido apenas sexo.

Você foi um desafio que teimei em decifrar.

Fui muito além do que podia imaginar.

Entrei no teu jogo até cansar.

Agora é você que cobra o que não posso dar.

Não porque eu não queira.

Somos como água e óleo.

Uma mistura explosiva.

Bucha e canhão.

Ambos sempre cheios de razão.

À maltratar o coração.

Até o sexo deixou de ser bom.

Já nem sei se ainda cabe reflexão.

Ou é hora de largar mão.










                     clausura sem prisão





As larguezas de meus itinerários se estreitam.

Eu e essa clausura sem prisão, que, sem amor,

afia a foice cega da minha poesia.

Profundo e imundo, meu coração se acostumou

à ódios e insultos.

Minha alma corcunda circunda o inaudito.

Vivo entre muros de arrependimentos e mesmices

convencionais.

O clamor das vitórias e dolos converte-se à inquieta 

alacridade das impermanências.

Ironicamente, tudo se perde na fugacidade das palavras.

Minhas verdades, embriagadas de sensações e equívocos

passados, fomentam desentendimentos crônicos.

Eu e tu, tu e eu, somos opostos que sarabandam apoteoses

de ilusão.

Tudo entre nós remonta à alucinações cruciantes.

Vivemos entre as escaramuças de nossos desiguais.

Não há esperança onde não há diálogo.

Minhas culpas e meus desatinos entretecem-se

nas ramas de tuas prevenções.

Engravidei-te em desespero de causa.

Para que uma filho possa abrir novas searas.

Ou nos afastar de vez. 




 








quinta-feira, 21 de março de 2024



                     animal transvestido de gente





Não esperem que eu seja coerente.

Muito menos racional.

No fundo não passo de um animal 

transvestido de gente.

Às vezes inconsequente.

Às vezes beligerante.

O meu melhor nunca é suficiente.

Nem a mim satisfaz.


Trato a mania de perfeccionismo 

a socos e pontapés. 

Me recuso a viver como um peixe no aquário.

Uma vida condicionada por antigos dissabores,

ex-rostos, ex-amores. 

A dura labuta não justifica viver na mesmice.

Mesmo apagando como uma vela no fim,

me recuso a definhar.

Cuido do corpo, da aparência, e principalmente do intelecto.

Acalentando sonhos como um quixote 

a perseguir diletos moinhos de vento. 







  














 

quarta-feira, 20 de março de 2024


                               novos erros





Faça sol ou faça chuva, estamos sempre disponíveis 

para novos erros.

Cada vez piores. 

A chamada sabedoria da velhice é uma barca furada.

Faz água por todos os lados.

Falhanços que apagam aqui, acendem acolá. 

A ação erosiva dos despautérios rói a corda do bom senso.

À guisa de viver, o lema é recuperar o tempo perdido.

A vida carece de ser um pouco suja, já dizia DH Lawrence.

Novos erros são bem vindos.

Alguns até conscientes, premeditados.

O maior erro é não tentar. 











terça-feira, 19 de março de 2024



                 cuspir ou engolir






Se impossível for, inventemos, ora pois.

Impérios e adultérios insuflam a catapulta.

O colapso iminente agasalha crisálidas temporãs. 

Com quantos quadriláteros se faz um cubículo ?

Calma, tretas desvendam-se a revelia dos fatos.

Guelras e goelas solfejam ante catervas niilistas. 

A pausa dos despautérios levita calcanhares de Aquiles.

O intrépido espantalho saúda a desmemória dos paspalhos.

Parasitas galgam os degraus da sabedoria virtual, expelindo 

proezas em podcasts e em mentorias

regiamente remuneradas.

O universo preciso precisa ser inexato para fazer sentido.

O ato, de fato, não é apenas falho mas caricato.

Na vida como nas urnas eletrônicas, o total apurado nem 

sempre condiz com o resultado.

Tudo o que se refaz, se repete.

Babel cumpre bem seu papel, continuamos não nos entendendo.

Uma coisa é certa : tamoios e timbiras sentiriam vergonha 

de nossa pusilanimidade.

O câncer de Brasília frauda até o diagnóstico.

Bater continência para ladrão, que cagões !

Entre Pirro e Sísifo, fico com Parmênides. Com louvor.

Lanterna à mão, as luzes do entendimento bruxuleiam.

Onde não há provas, planta-se, ora bolas.

Quem nunca atirou a primeira pedra tem o voto de minerva.

Sabedoria popular é aquilo que a gente fala mas não faz.

Não lhes parece que os ministros do supremo vivem 

de molestos seres e pareceres ?

Prisões ilegais, arbitrariedades, pré-julgamentos : tudo

agora é em nome da democracia.

Ou seria a democracia do demo ?

Só nos resta cuspir ou engolir.







  







domingo, 17 de março de 2024




                sofrência





Sofro de mofo, traças, condescendências.

Sofro de incúria e impaciência.

Sofro de tangarás de penacho fino.

Sofro de cativeiros, galhos partidos, pica-paus de goela lisa.

Sofro de lusco-fuscos, conchas de vidro, vespeiros vitelinos.

Sofro de diatribes nativas, bastões argênteos, 

mãos peludas.

Sofro de palavras movediças e adultérios.

Sofro de amar o expresso, convenção de excessos,

distinções que encantam.

Sofro de males verbais, falas sem pausa,

forças arcaicas.

Sofro de ser polemista, atento aos benefícios

dos prazeres vitalícios.

Sofro da sabedoria distante dos oráculos oficiais.

Em desacordo com o efêmero.

Emocionalmente sensível a corações empedernidos.

Daquilo que só se pode evitar por acidente ou 

particularidade.

Revolvendo questões pertinentes.

Pelos quais os hábitos são infundidos.

E a alma persuadida.

Sofro de graciosas desditas, perdões involuntários,

amores-perfeitos isentos de auto-exame.

Sofro de ter nascido. 

Mundano e divino.

Preterido e metafísico.

Inconversável animal.








                                 meus versos, meu inverso





Como aquele que busca o Graal, 

desejo o inusual, 

atributos implícitos e explícitos que se locupletem 

em estrelas, harpas, luas novas, 

patas prateadas de animais,

versos em pedra esculpidos.


Desejo a beleza crispada de flores pendendo

de uma distante escarpa.

A proficiência de um formigueiro ou de uma colmeia.

A placidez de um lago repleto de patos.


Quisera o dom de auscultar os sentimentos imorredouros,

professar a ilesa solicitude sem mérito nem desdouro,

em busca de faróis em mares nevoentos.

Escrever com a intensidade de quem retorna de uma guerra.

Como quem despertou de um coma.

Meus versos, meu inverso.















                   de mãos dadas



Desejos inconfessos trilham abismos de silêncio

e prevaricação. 

O mal que nos perscruta remonta à promoção do prazer.

A luxúria define a oportunidade e a conveniência cria

as circunstâncias.

A mente engendra tramas a fim de justificar-se, para alimentar

suas longas doenças.

Ambição e traição andam de mãos dadas.





sábado, 16 de março de 2024



                     viver é bom





Viver é bom mas melhor ainda 

é ter a si mesmo como mestre.

Para o que der e vier.

Paciente e humilde como um apanhador de centeio.

Capaz de ver, retrover, introver, 

levitar,

abraçar o mundo matizado de estigmas et frutos altivos, 

descobrir o alfabeto das formigas  (como Manuel de Barros),

ter fome de pedras (como Rimbaud),

fazer do inconformismo ponte para convergências,

evadir-se da realidade para substituí-la por outra que se 

contempla, renascida.

Despertar para aquém e além dos roteiros expectantes, 

vagando em vinhas que se embriagam de esperar.

Seguir em frente sem saber para onde ir,

entretido com o precário dom de existir.

Eximir-se de entender, para assim dispensar os porquês.


Viver é bom mas melhor ainda é desfrutar

da prazerosa companhia do amor.

É voar longe,

perscrutar novos horizontes.

Sem nada para justificar.

Leve, solto, livre para viver tudo

sem sair do lugar.





sexta-feira, 15 de março de 2024



                       sobrevida





Me acostumei ao que não tenho.

O que não posso ter se inebria de sonhos eróticos

e cios recentes.

Por todos os poros de mim reverberam 

os desejos insatisfeitos, 

queimando pontes e investindo contra a normalidade

doentia da realidade sem futuro.

Não espero compreender nem ser compreendido.

Não espero convencer nem ser convencido.

Não há entendimento entre os homens.

Vida, vida minha,

já me basta o redemunho em que me vejo lançado.

À beira do abismo debruçado, errando pelo mundo

entre o prazer e a fadiga.

Bom mesmo era ser criança, sem planos nem expectativas.

O coração limpo e aventureiro.

Eu me proclamo melhor do que sou, mas que ninguém

nos ouça.

O que me falta, já esqueci.

Faço dessa minha quase obscuridade um templo grego,

o patíbulo de um mártir, o que eu quiser.

Levo-me para onde possa confabular 

com a insaciabilidade.

Tudo o que me rodeia e me serve 

alimenta os poemas

que me deram uma sobrevida.





















]

terça-feira, 12 de março de 2024


                               o sonho dos sonhos





Sonho com solidões ruivas falsamente castas.

Sonho com silêncios mudos que fendem o tempo inaudível.

Sonho com lutas e lutos que assombram as ratazanas históricas.

Sonho com lúgubres responsas misturadas a enfermas mutações.

Sonho com os passos erradios do amor sem dono.

Sonho com paradoxos que enovelam a vida e legitimam

os sufrágios.

Sonho com mendigos abençoados e ricaços debruçando-se 

na ponte dos suicidas.. 

Sonho com paisagens mortas e orfandades entrelaçadas 

de roteiros estanques.

Sonho com mares de ternura e quarteirões de afetos perdidos.

Sonho em respirar, alhures, novos ares.

Sonho todos os sonhos soerguendo-se 

depois de cada queda.


      

domingo, 10 de março de 2024



                              rendição





Esta fugaz felicidade que caminha

à sombra de todas as desventuras, 

formulando hipóteses,

imersa em cantares lassos,

remonta, paradoxalmente,

à própria perda de cada coisa amada.

Cuja ausência, arduamente trabalhada, 

cuidadosamente talhada,

vem de ser a rendição à natureza pueril

da vida.

À transitoriedade de tudo.

À arte de destruir o mundo, 

reconstruindo-o.



sábado, 9 de março de 2024



                     caçador de utopias






Nada me prende a nada.

Que me prende a tudo.

Meu coração urbano 

nunca deixou de ser cigano.

Sem rumo, sem rima, 

caçador de utopias,

vive de fugir a realidade.

O que sobra é a fantasia.



sexta-feira, 8 de março de 2024


                            


                      o futuro doente





 

 

Assim migram os anseios e desforços que se fundem 

no mesmo abraço.

A nova ordem flutua sobre as estátuas despertas.

Acorda os mortos, sacode as crinas dos sonos gementes.

Coopta os sistemas, as máquinas, as urnas.

Assiste o futuro doente, os lunáticos que tramam

as penas do mundo.

Que resiste aos mistérios do tempo, voa sobre

bordéis e igrejas com a mesma desenvoltura.

Desloca-se para onde o bem e o mal convivem

pacificamente.

Dorme na penumbra das auroras ornadas de esqueletos

e labirintos de esperança.

Desce aos porões da miséria coalhados de fantasmas.

Se antoja de um poder afeiçoado aos malditos que regressam.

Do intocado abismo provê a saga de arbítrios e fuzilamentos.




 




quinta-feira, 7 de março de 2024



                         sociopatas x babacas






Criaturas sombrias propõe uma nova ética de sobrevivência 

nos tempos modernos.

De forma honesta e irreverente - sob a ótica deles, é claro.

Os que resistem acabam sendo vistos como dinossauros 

saídos da era glacial

Aos olhos dos próprios filhos adolescentes.

Dar lição de moral, já era !

Cobrar responsabilidade, boas maneiras, já era !

É o "babaca" tentando se entender com o sociopata.

De fato, nada mais anacrônico do que certas imposições

moralizantes.

Não só porque a realidade hoje é outra, como ainda 

não se inventou nada melhor do que o famoso "dar o exemplo."

Portanto, deixe o sermão de lado e não aja como um

babaca, mesmo em sendo.

Porque, no fundo, os conflitos para imputar culpados 

estão diretamente vinculados ao antagonismo interacional.

O essencial é considerar o seguinte : não exponha suas

emoções e sentimentos na ilusão de obter compreensão

e solidariedade.

Os sociopatas, você sabe, zombam da verdade e desdenham

das dores alheias.

Porque para eles é normal ser assim.

O mundo digital é o habitat por excelência dessa nova raça 

que prolifera feito barata, vociferando suas convicções 

sem qualquer escrúpulo ou compromisso com a verdade.

Uma vez instalados dentro do âmbito da própria

ignorância e má fé, é praticamente impossível demovê-los.

Pouco importa quem tenha a razão.

Porque para eles nunca falta pretextos para satisfazer

suas vontades e caprichos,

como fiéis apóstolos da deusa Shiva, que em sua dança

de mil abraços, destrói o mundo sorrindo.


 





 




















quarta-feira, 6 de março de 2024



                           à beira do caos





Persistem em nós sonhos recalcitrantes, 

pêndulos que ultrapassam o tempo de desenganos 

e solidões.

A bem-aventurança da fé espúria nos acompanha,

entre esperanças e abismos veneráveis.

A manopla do tempo verte experiências em meio 

a ondas de ternura e expiação.

À beira do caos, o sol de branca harmonia conjura

os elementos vivos da Criação,

para que o cio das flores e das dores se perpetue além 

da carne miserável.

Há sempre mortos sentados à mesa circular

à dar boas-vindas ao inferno.










                            a cultura do lixo





A nostalgia só acomete os velhos, procede ?

Será porque a vida de antigamente era melhor, mais leve ? 

Ou porque os jovens de hoje professam outros valores ?

O rebaixamento cultural é público e notório, sob 

os auspícios da era digital.

A cultura do lixo e das ilicitudes impera.

A desagregação da família, a degradação dos costumes,

tudo hoje nos remete a quebra dos pactos sociais

e afetivos.

Curtir o momento, a qualquer preço, é a palavra de ordem.

Não esperem que os anjos digam amém.









domingo, 3 de março de 2024



                 à forceps





O que seria de mim se me abandonassem

as secretas janelas sobre os campos.

Guardadas na memória como um deus marítimo,

a seu tempo, a seu destino, umbilicalmente preso ?

Abraços fugitivos afastam ou abençoam ? 

Tudo aqui devora os itinerário dos longos labirintos 

que não entendo.

Recolho-me as solidões de obscuros idiomas.

Na humilde ignorância de quem sabe ter tido mais sorte

do que juízo.

Como hei de crer em dias melhores, se o melhor

ficou para trás ?

O incansável tempo múltiplo multiplica os espinhos

das trepadeiras, 

despedaçando a sabedoria arrancada 

à forceps.





 


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