domingo, 30 de outubro de 2022



                bela por fora, podre por dentro


 

Olhos vermelhos de peixe,

o rosto cansado denotado a vigília,

recheada de velhos muros

e florações desbotadas.


A vida enxertada de amores epilépticos 

queima o sol, afronta o vento.

A mão invisível do tempo bule a fronte 

impregnada de docilidades.

A ressaca do amor vomitando a infidelidade.


Não é sequer respeitável aquela 

a quem consagrei meu desvelo, meus melhores esforços

no sentido de conjurar a torpeza,

transformar a tristeza em beleza.

Bela por fora, podre por dentro.

A quem, por sorte, o velho coração relutou 

em se entregar. 

Sabedor, de outros carnavais, que rameiras não amam. 

Amam só o dinheiro.




sábado, 29 de outubro de 2022



                      com o beneplácito do Criador



Em memória de Sérgio Luiz Corrêa. 


Como soldados na guerra insana da vida, 

um a um os velhos companheiros tombam. 

Abatidos aos poucos ou subitamente. 

Pranteados ou esquecidos. 

Na luta solitária de cada um pela sobrevivência, 

o derradeiro desafio é morrer com dignidade. 

Armas depostas, missão cumprida, fazendo jus 

ao descanso eterno. 

Com o beneplácito do Criador.









                             o amor, ah, o amor... 


 


  



Tudo o que você precisa saber sobre o amor

é que ele é a melhor ou a pior coisa 

que pode te acontecer.

Ou as duas, como na maioria das vezes.


             "Quando o amor acontece,

             a gente logo esquece que amou um dia". 

             E repete os mesmos erros e desvarios.


Em que pese o denodo, 

em cada estágio da vida o amor é diferente.

Sempre contendo algum tipo de engodo. 


              Amei, me estrepei, trai, fui traído.

          De tantas cabeçadas, já era para ter desistido. 

          Mas continuo teimando. 

          É o que mantém o tolo coração batendo.


De que adiante ser inteligente, culto e instruído, 

se o amor é cego, surdo e burro?



          





 




                                 mentes doentias






Mentes doentias nos espreitam, nos ladeiam, nos envolvem.

Agradáveis, cativantes, misteriosas,

tecem suas teias sutilmente. 

Nada os detém quando se trata de atingir seus objetivos.

Narcisistas, sociopatas, na versão light.

Psicopatas, no padrão consagrado através dos tempos.


Estão por toda parte, desde sempre, e em número 

cada vez maior, sob os auspícios da deletéria era digital.

Astutos, são maus por natureza.

Encantadores e ao mesmo tempo frios, cruéis,

nada pode detê-los porque não se arrependem.

Evita-los, é só o que se pode fazer.

Mas como ? 

Quem consegue, se são exímios manipuladores ?

Nem Deus sabe.






 















 






  

terça-feira, 25 de outubro de 2022


                                 desmandos



No cômputo das ruínas, os detritos são ossos do ofício.

A realidade dá o que falar.

O coração malabarista ostenta aparências que não enganam.

Opressão delirante beira à loucura.

Feras vociferam, é claro.

A casa cai quando ninguém responde. Nem reage.

Quem nos salva dos desmandos de viver ?

A graça da morte é não morrer.

Pensar é um luxo para poucos.

Dialetos da mente purgam o mal resolvido.

Fuga sem rumo, a palavra paterna cura através da amnésia.

Nem todo sofrimento é respeitável.

Quem se importa com as lágrimas alheias 

desfruta do invejável.

Todas as perfeições não valem a hipótese da legitimidade.

Eu dizendo, tu não fazendo,

o que pode dar errado ?





 



                        amigo para sempre


Para Jaime Sabatke


Um amigo para sempre é o maior presente

que a vida pode dar.

Vínculo mais forte que o tempo, o amigo para sempre

permanece mesmo quando ausente,

e ao contrário do amor, não acaba, não diminui,

é fiel como um cão.

Sorte de quem tem um amigo assim, 

mais que um irmão,

que a gente leva para sempre

 no coração.





 

domingo, 23 de outubro de 2022


                      coisas atiradas ao acaso






Todas as coisas juntas,

atiradas ao acaso, em cada esquina,

cumprem sua sina.

Todas as coisas justas,

todas as coisas fajutas,

o vento levando os lamentos,

ventos lavando o vento.


O orador tropeça no silêncio.

No jogo para não ganhar, misturo o que ignoro

com o que esqueci.

Quero isso de ser só eu.

Muito é dito, pouco é feito.

A boca diz o que o coração não sente.

O jeito é abolir o presente.


Pesadelo de camaleão é ter uma só cor.

Não acredite em tudo que lhe falam, mas arrisco 

um palpite : o vento sopra o lume só para ver 

o circo pegar fogo.

É todo um nunca que perscruta o passado.

Acredite, posso ser o que quiser, menos eu.






 

sábado, 22 de outubro de 2022

 


                                                  convergências





Palavras se perdem.

Amizades se dispersam.

Sentimentos convergem em meio ao olvido.

Na linguagem que dissimula como branco

e súbito raio.






                  efabulações






A vida pensada nunca é como pensamos.

Os pensamentos nos traem, os sentimentos nos enganam,

as pessoas quase sempre nos decepcionam.

A cabeça pensa mas é o mundo quem manda, dando

ordens, impondo condições.

Perdidos em efabulações, impossível não considerar

a razão das vísceras.

A mais alta forma de expressão prescinde de palavras.

É feita de pulsações,

latejos, contrações, arrepios.

A linguagem das entranhas governa a existência.

A dor é o maior dos argumentos.

No poema que se escreve com um bisturi de aço,

o câncer é a antítese da beleza. 




quarta-feira, 19 de outubro de 2022



                      coisas que a gente já

                devia nascer sabendo





Ninguém nasce sabendo, o quanto antes amadurecer, melhor. 


Não conte com a sorte nem espere nada de mão beijada. 

Faça acontecer.


Descubra o quanto antes suas aptidões. E invista tudo nelas.


Não espera nada de bom de ninguém. Afeto e interesse 

incondicionais, só o dos pais. E olhe lá.


Não se torne dependente de vícios, drogas, sexo, e do próprio afeto.

Que só servem para fragilizá-lo. 


Desconfie de tudo que é fácil, excessivo, gratuito. Tudo

tem seu preço, e o diabo é ardiloso.


Não ajude quem não merece, pois são os primeiros a lhe virar

as costas e jogar pedras.


Não acredite em promessas, juras, ainda mais em nome do amor.


Não desperdice seu tempo com o quê não dá dinheiro. Como

meu pai sempre dizia, burro carregando de açucar até o cu é doce.




 





 



                      outra vibe



Confesso, 

pensei que seria mais difícil te esquecer.

Mas você facilitou minha tarefa.

Mostrando sua verdadeira cara.

Deixando claro que nunca chegou a me amar.

Como eu já desconfiava.

Razão pela qual me desapeguei tão rapidamente

quanto me apaixonei. 

De tudo, só o que permanece 

é a bela lembrança de você saindo do banho 

com a toalha enrolada no corpo,

do sexo desvairado,

e do buquê de maus presságios

que no fim prevaleceu.

Boa sorte, minha cara, que eu já estou 

em outra vibe.


 

 

terça-feira, 18 de outubro de 2022



                  eu sou aquele que morreu e não sabe






Eu sou aquele que pensa nas delicadas melodias

que o tempo afasta lentamente.

Acompanha-me a trama jubilosa, a jornada adversa

que rege o muito e o precioso que perdi.

Para além das coisas vistas, rostos que não quero recordar,

ao morrer tão devagar.

Eu sou aquele que morreu e não sabe. 



segunda-feira, 17 de outubro de 2022



                  diamantes





Quando tudo parece inútil e incerto,

contemplando o inexistente, a vida sem sentido,

sufocado por um sentimento de morte silenciosa.


Quando tudo se repete dia após dia,

e os anos passam sem nada para reter,

nada além de recônditas epifanias. 


Quando a vontade gasta se desprende 

enquanto o irreversível tempo avança, 

e a esperança

destece sua cansada história.


Quando o grave círculo que tudo abarca

completar seu ciclo, e a carne corrompida

remontar aos gozos infernais.


Quando, enfim, se ver envelhecido em meio 

a tantos espelhos e delicados paradigmas,

esquecido do próprio passado.


Quem sabe, então, a rotina, o sonho e os rostos

apagados da memória, se convertam em esplêndidos

e atrozes diamantes.













 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022



                  feras domadas





Sob o disfarce da linguagem pueril, não há nada de gratuito 

no que escrevo.

Nenhuma palavra, nenhuma frase, nenhuma construção verbal

que não tenha um propósito.

Que não tenha a ambição, talvez desmesurada,

de trazer à baila aquilo que nos faz humanos : a emoção.


Nada do que escrevo é gratuito, posto que, senão

exatamente vivenciado, garimpado do fundo da alma, 

em conúbio com o coração.

Sou o que escrevo. Invenção mal acabada de mim mesmo.

Professo o imaginário, como um prestidigitador que semeia 

devaneios. 

Meus fracassos e infâmias são feras domadas, caídas ao preço

de tantos tropeços. 

Das quais me penitencio compartilhando meu fado com o mundo.

Perpetuado de ausências.

Extraindo poesia contra o mundo vasto e desfeito.



 



segunda-feira, 10 de outubro de 2022



                 o mundo fede





Caem as certezas,

fica a desconfiança.


Caem as crenças,

ficam as controvérsias. 


Caem as esperanças,

fica o desalento.


Caem as promessas,

fica o descrédito.


Caem as fantasias,

fica a realidade nua e crua.


Caem as verdades,

e as mentiras se perpetuam.


O mundo fede.






 

domingo, 9 de outubro de 2022



                         UM MINUTO





Em um minuto faz-se um poema.

Impressentido, repentino, a elevar-se entre os mistérios

da realidade desfocada.

Urdido nas entranhas daquilo que não se consegue expressar.

Daí sua razão de ser.

Isento de blasfêmia.

Lambendo, se lambuzando de palavras lacanianas.

As pesadas asas tangenciando as incompreensões.

Roçando as raízes encravadas no peito.

Um minuto para que o silêncio se faça perene,

e o coração viciado em dissídios 

renuncie a ilegível insipidez.

Um minuto e já não é amor.

E o poema já não é poema.

Negando aquilo que não cessa. 





sábado, 8 de outubro de 2022



                     o exercício dos sentimentos tortos





O disfarce da aceitação tácita nos exime

da compreensão compulsória. 

As coisas que importam, não se retém.

Esquecemos de tudo rapidamente, nos machucando 

mutuamente.

Desconstruindo o que aprendemos.

Para que os sonhos sejam ao mesmo tempo, desejo 

e repulsa.

O abandono das causas justas precede o exercício

dos sentimentos tortos.

Um minuto basta para fecundar um filho bastardo.

O amor é um conceito que se desaprende com o tempo.

Como a sola gasta de um sapato.









                              beleza





Toda beleza é enganosa.

Como qualquer coisa transitória.

Como qualquer coisa preciosa.

Preciosa porque bela, e ainda mais bela

porque misteriosa. 





                             a liturgia do horror





Quando se vive no inferno, e ao inferno se submete,

ao conflito e a discórdia se habitua, eis que a vida 

não é mais tua.


A anjos grotescos convertido, és quem 

não deveria ter sido.

Quem não queria ser.


O filho bastardo, um pária, um Lázaro 

eventualmente resgatado do sepulcro.

A viver dentro de um cadáver.

Que exclui a presença de Deus,

mas não a liturgia do horror.




 



                         aqueles que se foram


* EM MEMÓRIA DE VINCENZO DI GREGÓRIO NETO





Penso naqueles que se foram.

Que foram amados, que amaram,

foram "alguém".

Viveram entre nós, deram o seu melhor,

e o seu pior também, falíveis como todo ser humano. 

Fugazes como todas as coisas perecíveis.

E como tal, aos poucos esquecidos,

relegados a alguma lápide fria.

Ou nem isso.



 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022



                 a falta que não faz falta



Eu sei,

você não sente a minha falta como sinto a sua.

Não fosse assim, não daria "cano" 

por qualquer  motivo. 

Não chegaria sempre atrasada.



Eu sei,

você não sente a minha falta como sinto a sua.

Pensando bem, melhor assim.

Amar é bom mas encurrala.




 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022




                     o joio e o trigo





Há um lado sombrio no amor.

Um lugar onde o sol não alcança

e as flores não medram.

Em que o medo e a insegurança criam raízes.

Na terra fecunda e generosa, a erva daninha

do ciúme faz estragos consideráveis.

O coração arbitrário não diferencia o joio do trigo.

Só se dá conta do amargor do pão

quando já é tarde.






 

domingo, 2 de outubro de 2022



                                causa perdida




 

O mundo é uma causa perdida.

Carece de ser reinventado.

Sem usura, sem impostos, sem mentiras.


A vida já parte de premissas erradas.

Crua e dura, a desigualdade vem de berço.

A busca pelo conhecimento é infinita e sem esperança.


O coração devotado, clama por ser enganado.

O amor ignora as trapaças.

A insondável trama conjura os pecados.


Paixões, ódios, mentiras, desenganos, são a sina

da humanidade. 

Toda sorte, adversa ou favorável, é obra do acaso.

O melhor da vida se resume a breves encantos.


 

sábado, 1 de outubro de 2022



                   sempre o mesmo périplo




Vigilantes, olhos famintos nos espreitam.

Loucos, ladrões, pederastas, saindo de prédios,

de bueiros, 

circulando pelas ruas em bandos,

logo, multidões.

Ninguém mais sabe quem é quem.

No mundo dividido entre chefes e cativos,

ricos e pobres, 

os infatigáveis conflitos semeiam eternas

discórdias.

Viver é apenas um hábito de metamorfoses e desditas.

Ninguém é inocente até que se prove o contrário.

Tudo remonta à miséria humana.

De superar-se ou quedar-se

nas vagas da verdade ou da infâmia.

Maior que tudo são as coisas sem nome.

Um punhado de ossos.

O ruído da chuva no telhado de zinco.

As ruínas da tarde.

A luz que refulge no mar.

O vento que encrespa à noite.

O pacto com o acaso. 

Violência e ternura no mesmo gesto.

Ideias que velam quimeras.

Coisas que o amor traz e leva.

Defuntas crenças.

Gente, povo, gado.

Sempre o mesmo périplo. 








 



 



                             duro é o saber





Duro é o teu saber.

Errante como um cometa que se perde

no cosmos.

E que o tempo nunca alcança.

Teus passos numerosos quedam quietos,

bruscamente.

As certezas, com os anos, te deixando.

Salva-te a veneranda velhice

em que a sabedoria, em fuga,

dialoga com os mortos.


 



               a volta por cima




 

No fim do caminho tinha uma ribanceira.

Que exigiu forças que eu não tinha.

Cai, levantei

sacudi a poeira

e dei a volta por cima.

 


                  a vil pecúnia



    

                  


Esse seu jeito de gostar,

que você diz ser amor, 

mas que soa mais como deboche,

confesso, já não sei como lidar.


Por mais que eu tente, 

não consigo conciliar o que sinto 

com esse seu jeito errante, 

sempre condicionado a algum presente, 

para demonstrar o que talvez nem sente.


Estou farto de você não me levar à sério, 

de me fazer de gato e sapato,

pelo fato de eu ser tão dependente 

dos carinhos que anseio feito um tolo adolescente.


Mas, no fundo, a culpa é toda minha. 

Por me negar a ver o que está na cara.

Que o amor que para mim é entrega e devoção, 

para você é simples moeda de troca, 

mera distração. 











 




 



 







 


                        não basta ser cego





Não basta ser cego.

A conversão é lenta e fiduciária.

Panacéias, exorcismos,

incunábulos multiplicam os corredores.

A lucidez é bicho esquivo. 

Nada mais inútil que tentar abrir portas 

trancadas a sete chaves. Lacradas pela ignorância.

Ir contra a correnteza, a conversão por persuasão ou necessidade,

executada à base de florilégios ou no fio da espada.

Rezo provérbios,

disperso e prolixo, 

malhando em ferro frio

e coisas do gênero. 

O gesto tosco,

tortura e desgosto,

ataraxia predadora em que me afundo.


Não basta ser cego.

É preciso não enxergar.

Consolo torpe é ser covarde 

travestido de benfeitor.

Verme por natureza, repugnante até a saciedade,

sujo e penalizado,

a conversão é lenta.

Não é fácil ser ignóbil.

O hábito desfaz o rito.

O membro viril e triste, subverte a lógica.

O desvario de quem só vê uma face da moeda.

Cifras de almas perdidas.

Olhares curiosos perpassam os truísmos.

Os outros que se danem.

O esquecido dura mais.

Quem perdurar, verá. 




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