segunda-feira, 29 de agosto de 2022





   


















 


                             ponderações



Há dias em que seria melhor 

nem sair da cama.

De preferência, nos braços 

de quem se ama.


Há situações em que seria melhor

esperar mais um pouco

ou dar uma de louco.


Há momentos em que seria melhor

fingir que não viu,

para não mandar ninguém 

a puta que o pariu ! 





          declaração de princípios

           ( à moda Manuel de Barros )





1. Declaro, para os devidos fins de deveres e direitos, não 

me sentir credor nem devedor de nada que não seja gratuito, 

espontâneo, incondicional.

2. De nada que não possa ser compartilhado, que não tenha 

poros, raízes, penas, entranhas, coração.

3. De nada que não implique em sentimentos corrompidos, 

líquenes, pélagos, nojos, limbos, de resto, o adubo da vida.

4. De nada que não seja decadente, sujo, assombrado, despojado,

que é onde se encontra a sabedoria da indigência.

5. De nada que não tenha reentrâncias, gretas, rachaduras, 

reveladores de arcanos mentais.

6. De nada que não possa ser visto, apalpado, cheirado, degustado,

por motivos óbvios.

7. De nada que não seja habitado por pedras, mendigos, bichos,

que não precisam ser ninguém na vida.

8. De nada que não esteja aberto aos desentendimentos. 

9. De nada que não possa habitar seus próprios desvãos. 

10. De nada que não possa dar concretude à solidão.    

11. De nada que não tenha propensão à escória, que não seja 

sazonal, que não possa dar testemunho das obras de Deus.



     


                         ready-made





O corpo e seus possíveis apelos devora

desejos, cheiros, pontos obscuros clamando por espaço,

para ser visto, triturado.

Na pele, tatuagens ao invés de cicatrizes denunciam o

que a roupa esconde. 

Artifícios despedaçados que saíram de órbita.

Poesia não se explica, explica-se. Tudo se encere 

no modernismo, farrapos da miséria deixam rastros nos antros, 

nos passos cansados da legião de proscritos. 

Ninguém mais vê o óbvio. 

Tudo o que reflui permanece. 

Postulados metafísicos procriam alternativas "apreciáveis e 

duradouras". 

A existência cotidiana aniquilada no ready-made do universo

 se arrastra em jornadas inglórias e fraticidas. 

Jazidas devolutas de ordinária alienação desenterram 

as sementes que não vingaram.

A urgência da conscientização partilha os monólogos

não cumpridos.

A cultura autóctone sem transgressão sucumbe à mediocridade.

Intelectuais de antanho discutem os termos 

de uma rendição honrosa.

 









 

domingo, 28 de agosto de 2022



               a norma vigente



O doentio é a norma vigente.

Banquetes e latifúndios de prazeres no tempo 

em que quase tudo é descartável.

Fracassamos em buscar significados onde os sentidos 

comungam a exuberância perdida.

Desamparo, escombros, ruínas sacrificam o tempo

enovelado em caudalosa agonia.

Para que serve a fúria ? Para que serve um poema ?

O mundo tornou-se estranho sob novas regras fungíveis.

Tão deletérias quanto. O monstruoso e o maldito 

como declaração de princípios.

O preciosismo linguístico não dá conta de tanta vulgata. 

Sem sexo, sem bola, sem vícios, a vida é uma droga.






 



 




Trago rugas no rosto

mas não de tristeza.

Trago marcas no coração

mas não guardo mágoas, rancores.

Sou sozinho mas não sou triste.

Os sentimentos são meu escudo.


 



                  coletivos





O que ela me inspira 

mal cabe no peito. 

Inflama, arde, corre, voa, 

o coração inundado por

cardumes de ternura

enxames de desejos

hordas de carinhos

ninhadas de abraços

miríades de beijos.




 


                  amor caricato





Assim eu te amo.

Vagamente, se for o caso.

Intensamente, no ato.

Pois nem sei quem és, de fato.

Sabe Deus no que vai dar esse amor

caricato.


Amo-te, todavia. Como uma gaivota que se

desprende ao acaso.

Como a brisa que se intromete 

na tarde vagarosa.

És como a luz fosforescente nas águas dançantes.

A trovoada que ressoa distante, e seu vago clarão itinerante.


Amo-te sem esperança.

Abandonado como uma velha âncora.

Celebrando a vida com tua esporádica presença.

Campanário de lamentos e pensamentos sombrios

quando te ausentas.


És minha e não és.

Caçadora de meus sonhos solitários.

De dia matas minha sede.

À noite emigras para uma vida que desconheço,

em que se desvanece o desejo de tê-la para sempre.

"Ah, é tão curto o amor, tão demorado o olvido" (Neruda).





                      

                                outro 

                        qualquer 

                        eu





Não sou um homem como qualquer outro.

Sou um outro como qualquer eu.


              Meu fardo é meu fado.

              Sou fiel a meu legado.

              Mas não faço nada obrigado.


O que eu era ontem não renego.

Apenas me nego 

a continuar cego.


            O mundo já acabou 

            e se refez tantas vezes,

            que nada é efetivamente novo.

            Tudo morre e renasce

            como a galinha e o ovo.


Serão os homens todos iguais ?

Diferentes apenas em condições especiais ?

Quando deixam de ser animais ?


            O que sabes tu de mim,

            se nem a ti mesmo conheces ?


Teu retrato, perdido em alguma gaveta,

honrosa exceção na profusão 

das coisas esquecidas.


         Deus se perdeu 

         na eternidade

         ou na senilidade ?


A única morada que dura

é a da sepultura.


          


 



                                idas e vindas



Partir sem motivos para partir.

Existir sem querer existir.

Ir e vir sem desejo de ficar

nem vontade de chegar.


Nos temores sem respostas, encontros 

e despedidas unidos pelo mesmo mote.

Entre o azar e a sorte.

Entre o amor e a morte.





                 pombos sem asas



Por mais que eu tente,

falho em traduzir o que sinto,

mas não obstante o dolo, o ato falho,

o caralho, alhos e bugalhos, e os escambaus,

os tolos enganos são como pombos sem asas,

anseios vãos, vê-se claramente o quanto estou apaixonado,

não me pergunte os porquês

e comos,

quando não há entre nós sequer planos,

nem futuro.

 

sábado, 27 de agosto de 2022



             o que somos ?





Se somos o que pensamos

Se somos o que comemos

Se somos o que queremos

O que somos, afinal ?

Pedaços de tolos enganos.




                 contrastes



 

Envelheço.

Aos duros contrastes me submeto

como quem vai para o cadafalso.

Eu tinha a ilusão de ser infinito

o sentimento que era meu escudo,

e quebrei a cara.

Mas ainda não perdi o prazer pelo jogo.

Meu viver é solitário, mas das fugas e sonhos

me libertei.

Ao temor de ser eu mesmo, me adaptei.

Na realidade de éter e de gesso,

tudo tem seu preço.

Pago de bom grado. 

Sei que em breve serei descartado, 

como tudo que já cumpriu seu papel.






 

 

sexta-feira, 26 de agosto de 2022



                     vivência


 




 

No tumulto aprender o valor da paz.

Na agitação, o valor do silêncio.

Na tristeza, o valor da alegria.

Na partida, o valor das coisas passadas.

Na solidão, o valor das coisas perdidas.

Tudo óbvio, desde que devidamente vivenciado.

Ninguém vive pelos outros. 





                            Atitude





Quando, em poucos dias, seu filho mais velho manda você calar a boca e não se intrometer em seus assuntos pessoais; quando seu filho adolescente diz não dar 1% de importância a suas opiniões; e sua suposta namorada, com quem você se preocupa, gosta, e ajuda financeiramente, diz não haver nada entre vocês além de uma troca de favores, inevitável não se perguntar o quê está fazendo de errado. 

E mudar de atitude. 





domingo, 21 de agosto de 2022



                  

      o glorioso destino 

      de um mundo sem poesia




tela de Salvador Dalli 




A fome, a miséria, carcaças apodrecendo a céu aberto

não rendem poesia.

Os hábitos, os vícios, os gostos modernos não rendem poesia.

Os eternos conflitos hegemônicos e étnico-religiosos, 

não rendem poesia.

A nova escala de valores da pós-modernidade não rende poesia.

O recrudescimento de estupros, violência doméstica 

e discriminações de toda espécie, não rendem poesia.

A crescente desigualdade social, a falácia político-religiosa,

a manipulação midiática, não rendem poesia.

O exibicionismo, a ostentação, as aberrações, os golpes,

as fraudes, em suma, as mazelas do mundo digital 

não rendem poesia.

Grandes transformações abarcam e tangem a humanidade 

para seu glorioso destino.

Em que a poesia não é mais necessária.

Nem o amor, à venda na Internet, como tudo que é descartável. 













   




 

sábado, 20 de agosto de 2022



                       


                



                 perspectiva





De manhã, ainda sonado,

saindo para trabalhar,

sacolejando no ônibus lotado,

a pergunta que não quer calar :

é para isto que vim ao mundo ?

No banco ao lado, um aleijado

dá bom dia até para cavalo.




                              a lógica dos sociopatas





Acima de toda e qualquer coisa, a vida é uma sucessão 

de enganos.

De engano em engano o coração desenganado vai se despetalando,

às fraquezas e desalentos se entregando, 

marcado para sofrer,

se esvaindo como um veio de água escorrendo pela encosta.

Enganamo-nos com tudo e com todos. 

Entre doces ruínas mortas

edificamos caminhos de ternuras idiotas.

O amor germina e acaba como tudo que é inapreensível.

Uma coisa é viver a vida, a outra é estabelecer condicionantes

para a felicidade. Como os laços afetivos, que são os

que mais nos ferem e decepcionam.

Gasta-se o tempo construindo quimeras autofágicas.

A busca de nós mesmos rói e escalavra

o sentido das coisas. 

Vivemos num mundo de mentiras que vende a doença

como cura.

Em que o lema é subornar a permissiva consciência.

Em nome da sobrevivência tudo é válido.

Enganando os outros, enganando-se. 

A verdade de cada um investe contra a verdade do outro.

Pouco importa estar com a razão ou não.

A razão do mais forte, do mais poderoso, sempre prevalece.

Quando não da truculência.

Para estes, os enganos não contam.

Sob a lógica dos sociopatas.




























   

sexta-feira, 19 de agosto de 2022



                         lágrimas benditas





Fui destinado a ser feliz.

Privilegiado por tudo que recebi.

Sofri muito menos do que mereci.

Das coisas erradas fui sempre absolvido.

Não nasci para grandes feitos, mas colhi o que plantei.

Dores arbitrárias, amores malogrados não me derrotaram.

As adversidades me fortaleceram.

As lágrimas benditas me humanizaram.

O coração exaurido de tudo,

Saciado do amor como uma abelha 

Que se afoga no próprio mel.




 

domingo, 14 de agosto de 2022




O que é, o que é...

Não tem asas mas voa

Não tem voz mas fala

Não tem olhos mas enxerga

Não tem inteligência mas é sábia.  

Não tem coração mas sente ?

A imaginação...



 


                                            entrega




Por mais que eu fuja, não queira, o amor teima 

em me encontrar.

O amor barro, planta, bruto, imoral.

Achega-se de um jeito tão envolvente

como a dor saindo da ferida.

Passeia entre cerejeiras em flor.

Mata minha sede na fonte mais fresca.

E não obstante tratar-se de buquês de carnes 

corrompidas.

me entrego a elas.

As prostitutas...






                 meu éden




 



Rosa entreaberta

Fresca e orvalhada

Fonte de prazeres

Em que mato minha sede.

No éden que gestas

Entre os grandes e pequenos lábios...



 


                                  a democracia da bandidagem





É duro admitir mas mais felizes são os alienados,

os ignorantes, analfabetos funcionais, sociopatas,

que não se questionam, não tem noção das coisas 

e pruridos morais.

Como os lulopetistas. 

Que torcem para o país não dar certo, que acham 

a bandalheira algo normal, dentro do famigerado slogan

"rouba mas faz".

Em suma, escória atrai escória. O populacho, a mídia 

e ícones populares desmamados à forceps das tetas públicas, 

à infinidade de sindicatos, ongs, MLTs da vida, partidos de esquerda

a banda podre do Supremo,  que veem no maior ladrão 

da história não o salvador da Pátria, 

mas da cleptocracia que bem ou mal o governo

Bolsonaro botou para quebrar. 

E o resultado aí está, as estatais voltando a dar lucro depois de

décadas, a economia crescendo, o superavit comercial 

batendo recordes, o desemprego recuando para níveis nunca

vistos, tudo isso em meio as sabotagens do congresso, do supremo,

de governadores, que se beneficiaram e fizeram uso político

de dois anos de uma pandemia que prometia quebrar o país.

Pois não só não quebrou como não impediu que o "genocida"

socorresse a população mais carente, entregasse obras 

de infraestrutura como nenhum outro, e de quebra, 

recolocasse o Brasil entre as grandes potências mundiais.

Algo que a escória prefere ignorar, por ignorância, má fé,

ambição, ou seja lá o que for, em função de uma narrativa

demoníaca que coloca os próprios fundamentos da democracia 

em xeque.

Uma democracia que serve aos propósitos da bandidagem 

não é democracia.


   


   


 



  





     






                                                 cansado de ser



 

           O mundo não vai mudar.

           Pode apenas parar de piorar.

           Algo difícil de se acreditar.


Cansado de ser,

me contento em estar.


          Nunca tantos fizeram tão pouco.


Santificados sejam os poetas.

O que seriam das insignificâncias sem eles ?


         Como diz tio Manoel de Barros :

         "O mundo é como bosta de onça,

         tem de tudo : cabelo de capivara, casco de tatu, 

         pele de cobra..."


Nunca é demais lembrar : quem não tem cu,

não contrata pica.


          Esquerdopatas são piores que barata,

          que são só nojentas.


Fiquei sujo no meu canto,

para que a merda não respingasse em mim.


          Confiar é o mesmo que carregar água num cesto.


Tudo passa. Exceto o que amamos.

No tempo que passa mas não passa,

nós passamos, as coisas ficam.


         


                                      CELEBRE !





Como diz Rilke, celebrar é preciso.

Mesmo não havendo nada de especial à celebrar.

Escuta o coração, a mensagem ininterrupta que vem do silêncio.

Antes que a carne apodreça, ou já tenha apodrecido. 

Todas as idades estão sujeitas a degradação. 

A correnteza eterna não faz distinções. 

Celebrar ou vegetar ?

A escolha é sua.


Há que ler os dias, antes que o tempo acabe.

Antes que o tempo de fazer as coisas acabe.

E em não havendo mais nada para amar, ame-se.

Perdoe-se.

Todos se foram mas você não está só.

Arranje um cão, um gato, busque sabores nunca saboreados. 

Não se preocupe mais em conquistar, deixe que te conquistem.

Não se preocupe tanto com os outros, obrigando-se a agradar.  

Seja mestre de si mesmo, com ternura encare o fim 

dos hábitos terrestres.

"Toda mudança surda do mundo traz consigo deserdados" 

( de novo, Rilke). 

Afinal,

quem nunca morou em seus próprios abismos ?

Quem nunca se acovardou, deu o beijo de Judas ?

Quem nunca foi um vizinho chato ?

Quem nunca agradeceu a Deus por algo que não aconteceu?

Quem nunca quis sair de casa ?

Quem nunca fez coisas execráveis ?

Quem nunca se viu ruminando esperanças mortas ?

Quem nunca xingou Deus e o mundo ?

Quem nunca se cansou de fazer sempre as mesmas coisas ?

Quem nunca viu brotar na testa um corno, feito um unicórnio ?

Pense, veja o que fez, do que se livrou, 

e celebre !














 

sábado, 13 de agosto de 2022



                       metamorfose




Sou minha própria âncora e cruz.

Sou a noite galvânica, bruxa catando rã,

buscando na dureza do destino o alimento 

que devora a boca.

Sou a transição do que eu era convertida

em tórrido estio.

Quando escolhi ser eu, o fecundo céu 

abriu-se como o Mar Vermelho de Moisés.

Nos dias lentos que cerram suas pálpebras, 

a verdade se descobre pétala por pétala.

Minha nova identidade me outorga as feridas

cicatrizadas.

Não ser o que fui é tudo o que eu quero.

Um tigre com sangue no focinho.

 





                        nem antes, nem depois



 


Pássaros assustados

voam à esmo.


               Um filho perdido

                       a espera

                       do pai pródigo.


Ramos secos, nuvens obsidianas,

paradas no meio da chuva.


              De que serve a vida

              senão para tanger

              ou ser tangido ?


Andando é que se conhece

e se aclaram as ideias.


            O homem que rasteja

             dir-se-ia que finalmente

             se encontrou ?


A gente é do tamanho do que pensamos.

             

             É mais fácil uma borboleta voar em linha reta

             que achar alguém feliz.


Intenso e gárrulo : assim se faz o álacre.


            Ninguém merece passar fome, já começou errado por aí.


Inteligência é se fingir de burro

Plantar verde para colher maduro.


            A vida avelã nunca será um pêssego.


Nem antes, nem depois. A aurora sempre chega na hora.




             

 




                             fragrâncias secretas





Nossas raízes acendem ao mistério das fragrâncias secretas.

O que somos, por que somos, nos debatendo em falsas identidades.

Em voos brancos e negros, nos segredos e medos,

vagando por premências insepultas,

da lenta infância não saímos ilesos.

Sempre mudando, nunca mais sendo os mesmos.

Filhos do impuro, do veneno inoculado pela velha

condição humana.

Consta que Hitler também foi "ein gutes kind" (colhido em

Paulo Mendes Campos).



 




                    pegar ou largar

                       ilustração de Rene Magritte


Apesar dos pesares, não descreio do amor.

Desde que preencha certos requisitos, normalmente 

ignorados,

mas que após tantos malogros, passam a ser pétreos. 

Que haja compatibilidade como muro e caramujo,

pedra e musgo,

calça e suspensório,

cipó e macaco,

cupim e madeira,

a coisa e o coiso.

Que haja intimidade como a corda e o enforcado

a aldrava e a porteira,

o bicho e a goiaba,

o osso e o tutano.


Que o amor saiba ser vital e desimportante,

como as coisas que vivem e apodrecem,

discursos entupidos de silêncios,

palavras que secam ao sol,

repositório de vidros, grampos, urinóis. 


Mas não estranhe se ainda assim

o amor mije na sua perna,

defeque na sua cabeça.

Capaz das coisas mais ordinárias.

Em não tendo limites nem fronteiras.

Às vezes belo e gratificante

Outras vezes, seco e oco como junco.

É pegar ou largar, como sempre.









 





       ela veio passar a tarde

      e nem vimos a tarde passar... 





                   coisas que ninguém me ensinou





A teoria é sempre melhor que a prática. Em tese. 


Pensar por conta própria é um luxo para poucos.


As coisas definitivas não acontecem por acaso.


A besta humana está sempre disponível 

para as coisas mais sórdidas.


A incapacidade de perdoar é um luto permanente.


Perdoar uma traição não é só uma questão de querer.

Requer ampliar as virtudes até a quimera.


O dinheiro não compra felicidade. Pouco dinheiro, né ?









  



                          BECOS



Beco que se preze não tem saída.


           Beco sem bar 

           é como um homem sem lar.


Todo beco tem um marginal

de estimação.


            Beco que é beco tem aversão

            a carros, luz estridente, gente normal.


Beco sem bêbado, prostitutas e ratos,

que se renda aos fatos.


             Beco é uma rua que não tem para onde ir.




                   



                     os poderes do mundo





Nos limbos da verdade

colunas perenes

em conformidade com o oculto

aludem a desditas

que já nasceram tristes.

Os poderes do mundo

subvertem a provisória aliança

com Deus. 



                     estar só




Estar só é dormir entre flores.

Estar no seio da morte.

Nu e liberto

nas bordas da existência.


Estar só é viver de miragens.

Afagar casas tortas, sutis venenos.

É ir além de si próprio,

para chorar com os mendigos.


Estar só é viver em dobro.

Íntimo de covis de mil acenos.

Beber da água mais pura

com a boca imunda de apelos.


Estar só é abrir os braços

para o abraço que não pode ser.

É uma saudade estranha escondida no coração.

E gostar de estar assim, esquecido.







 

domingo, 7 de agosto de 2022


                                   terra abençoada




                    


Domingo frio e chuvoso, pouca gente na rua,

saio para caminhar, como de hábito.

A orla santista é bonita

mesmo com o tempo carrancudo.

Santos, terra abençoada !

Onde fixei morada há quase meio século.

Onde vi crescer meus filhos,

construí minha história,

fiz incontáveis amigos, alguns poucos 

desafetos,

que foram os que mais me ensinaram.


Por mais feliz que eu tenha sido 

em minha infância gaúcha,

foi aqui que me fiz homem.

Onde, a exemplo do meu saudoso pai,

deixo um nome do qual meus filhos 

podem se orgulhar.

Obrigado Santos, pelos dias de ouro e 

de chumbo,

por tantos domingos de sol e de chuva,

os quais ainda hoje, perto do fim, celebro 

por poder desfrutar.





                       a parábola





Reza a parábola que um homem foi deixado pela mulher.

Um homem bom e justo, mas que, segundo ela, deixava a desejar

em outros quesitos.

O tempo passou e o homem descobriu que na verdade, 

ela o havia trocado por outro bem antes, e para justificar-se, 

passou a difama-lo inclusive perante o próprio filho.

Quis o destino, porém, que não tardasse para que ela ficasse

seriamente doente, e coube a ele acolher e cuida-la 

em seus últimos dias.

O homem ainda reza para poder perdoa-la.

 

 

quinta-feira, 4 de agosto de 2022



                      forte e frágil





Desejaria ser pacífico, amável, sem mistificações.

Ser presciente e maduro.

Prestimoso como a terra podre e fecundada.

Desejaria ser íntegro, digno, perdurável na arte de amar

e ser amado.

Ser aquele que ainda se importa e não se corrompe.

Ser o galho partido que se refaz no caule.

Ter olhos e ouvidos capazes de ver e ouvir.

Ser a poça que reflete a lua, o brejo dissoluto, o barco

que regressa cheio de peixes.

Desejaria ser capaz de olhar para a vida como saído 

de um coma.

Ser capaz de sentir alegria e saudades por coisas que 

já não importam. Coisas que já foram tudo.

Queria ser capaz de me limpar das infâmias, dos males que

causei, e ainda causo.

Queria deixar de ser estúpido, ignorante, presunçoso. 

Estar disponível para ouvir. Ter a humildade de aprender, 

pedir desculpas, voltar atrás.

Quisera me reconciliar comigo mesmo, antes que seja tarde.

Quisera aprender a amar direito, antes tarde do que nunca.

Descobrir que não me falta nada, me sentir de bem com a vida.

E seguir em frente sem olhar para trás. 

Forte e frágil como uma criança.















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