terça-feira, 20 de dezembro de 2016

                              A QUEM INTERESSAR POSSA


Poucos de nós somos capazes de reconhecer os próprios erros, assumir culpas e responsabilidades por atos que não só prejudicam como inviabilizam as relações que costuramos ao longo dessa grande colcha de retalhos que é a vida. 
São poucos os que conseguem olhar para além do próprio umbigo, deixar o egoísmo e a mesquinharia de lado, e sobretudo, colocar-se no lugar dos outros para melhor entendê-las, ampará-las e partilhar de suas dores e problemas. 
Em suma, pouquíssimos de nós correspondemos ao elevado conceito que fazemos de nós mesmos. Conceitos estes naturalmente moldados por premissas e ideais deformadas pelo próprio meio ambiente, familiar e social, em que estamos inseridos. Ou seja, pelo que nos é incutido em casa e na rua.  
Nesse contexto distópico, o conflito entre o que temos, o que somos ou podíamos ter sido, permanece como uma abstração que nos sonega a percepção de que a felicidade está nas coisas mais simples. De que estar de bem consigo próprio e com a vida, é a maior das conquistas. 


Alvorada na praia de Itararé, São Vicente/jan 2017    











sábado, 10 de dezembro de 2016


                             nenhuma, nenhoutra *




      

Uma parte de mim é transparente,
a outra inconstante, divergente. 
Uma é inerente, 
a outra insolente, contundente.
Uma parte é insipiente,
a outra é incandescente, caliente.

Uma parte de mim é intransigente,
a outra é paciente, indulgente.
Uma é beligerante, intermitente,
a outra é irreverente, malemolente.
Uma parte é benevolente,
a outra mente.

Uma parte de mim é gente.
A outra, indigente. 
Uma parte de mim é o que eu sou.
A outra, o que finjo ser.
Uma parte é dueto.
A outro, minueto. 
Uma parte, parte.
A outra, reparte.
Uma e outra são partes
da mesma parte.
Uma.
Outra.
Nenhuma, nenhoutra.


* (devo essa variante à Ferreira Gullar )

 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016



              PARA TODOS E PARA NINGUÉM 





Não escrevo para ser agradável.  Não escrevo para fazer proselitismo, para quem tem ouvidos moucos, cegos que não querem ver.
Não escrevo para os fracos, para que não se sintam melindrados; nem para os raivosos, que reagem com a bílis e agressões gratuitas.
Não escrevo para idiotas, que de idiota já basta eu. Não escrevo para intelectuais, doutores, bacharéis e eruditos de antanho, com suas prendas e bordados, para não passar vergonha ou ensinar o pai nosso ao vigário.
Tampouco escrevo para autodidatas, diletantes, neófitos nas artes e das artimanhas da vida. Nem para os crentes, abduzidos de esquerda e direita, e sobretudo, chatos em geral, os tais que brilham feito ouro de tolo.
Não escrevo para o público, que já tem ícones e oráculos à rodo, além do gosto especial por apedeutas, salafrários e meliantes em geral, ungidos aos mais altos cargos e com direito a chave do cofre. Minha mensagem é mais modesta e errática, tipo aqueles escritos confinados em garrafas que boiam em mares revoltos, até lançadas n`alguma praia ignota ou sumirem sem deixar vestígios.     

Não escrevo para impressionar, esclarecer, e muito menos matar a cobra e mostrar o pau. Não escrevo para provocar, ter razão, estou mais para desafinar e sair pela tangente, pois cansei de bater de frente e sair mal na foto.

Não escrevo para convencer ninguém de nada, muito menos do que não tenha convicção, ou seja, sobre pouco ou quase nada. Não escrevo para mostrar um conhecimento que não tenho, leigo que sou em quase tudo, mas cioso do papel de eterno aprendiz.
Não escrevo para contar histórias que não sei, posto que nada de extraordinário vivi; e o que vivi, possivelmente não interesse a ninguém, embora seja o meu bem mais precioso, confinado em algum ermo canto do meu coração. 
Não escrevo para ser compreendido, e muito menos admirado ou amado, tal qual um Paulo Coelho repaginado, ciente de meus parcos conhecimentos e habilidades. Não escrevo para dar lições de moral e bons costumes, para não parecer um anacronismo nesses tempos de moralidade elástica e costumes desvirtuados.
Não escrevo para os politicamente corretos e falsos moralistas, que no apagar das luzes seguem o velho mantra "faça o que eu digo, e não faça o que eu faço".  Tampouco escrevo para os que ficam em cima do muro, para os que não fedem nem cheiram, as "maria vai com as outras", os que não cagam nem saem da moita, e por aí adiante.

Isto posto, para quem escrevo, afinal ? Para todos e para ninguém, por supuesto.  


     



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