quarta-feira, 29 de abril de 2020





                                              desejo sem enleio








Nada de mais grandioso almejo.  
Esvaídos os sentimentos, as crenças 
pouco a pouco dissipadas.
O coração tresmalhado nos ermos
campos da alma.
Como um transeunte que passa,
com sua inútil bagagem.
A realidade resumida a meras distrações,
a contemplação pueril da vida,
enquanto o fim se aproxima.

O desejo sem enleio é tudo que anseio.
Desejo de sossego, na ilusão final de que os sonhos desmantelados de alguma coisa sirvam.
Contemplar-me, como quem esqueceu
de quem fui.
Que a mim mesmo a vida desperdiçada satisfaça. 

Nada mais sentir é tudo que almejo.
Nada esperar, nada querer, para não mais sofrer.
Sem nada por fazer, que já não tenha feito.
Apenas decorrer os dias sem louvor.
Poupar o coração do adejar inútil
das coisas desejadas.
Do que foi sonhado e não foi cumprido,
nem pode ser.
A mim e à própria vida mal resolvida.
Não sentir, não ceder aos sentimentos,
como bom servo das leis desiguais,
eis o nada que é tudo.






















                                           os sete pecados capitais







A vida é repleta de surpresas, como bem sabemos. Menos em relação ao ser humano, cuja previsibilidade congênita não permite que tenhamos maiores ilusões quanto a natureza deletéria de seu comportamento. Que se manifesta a partir do que chamaria de sete pecados capitais :

1. Mau-caratismo (quem é mau-caráter, será sempre mau-caráter).
2. Hipocrisia (a mãe de todos os males).
3. Preconceito ( todos têm, a diferença é que uns disfarçam melhor).
4. Sectarismo político (dispensa comentários).
5. Idolatria cega e burra (idem).
6. Egoísmo ( camuflado ou não ).
7. Ingratidão.

Para piorar, como diz o nosso filósofo Pondé, a verdadeira virtude é silenciosa e não se sustenta num mundo em que os traços acima predominam. Ainda mais nesses tempos em que, como disse outro pensador brilhante, o italiano Umberto Eco, falecido em 2015, a Internet deu voz aos parvos e ignorantes. 
Como lidar com esse, digamos, caráter sombrio de nossas almas, é o desafio que se impõe a quem ao menos tenta ser uma pessoa melhor.




segunda-feira, 27 de abril de 2020

quinta-feira, 23 de abril de 2020







                                  carência






Pense num sujeito carente, de autoestima tão baixa
que pensa que só a morte lhe fará justiça. Mas não tem certeza.


Tão carente que quando numa manhã, um bentivi pousou na sua varanda, 
ele jura ter ouvido ele cantar : vim ti ver, vim ti ver...


Carente a ponto de passar um tempão fazendo apelos,
e versos e mais versos no afã de sensibilizar a ex-amada, 
e tudo o que conseguiu foi uma ameaça de ser denunciado na delegacia das mulheres, por assédio.


Não satisfeito, tentou fazer chantagem emocional 
com a sugar baby, e nem ela aguentou.


De tão carente (e retardado?), fez postagens insinuando que estava seriamente doente, que
prestes a se mudar da cidade, 
para ver se alguém se manifestava. Está esperando até hoje.


É ou não é o caso de internação ? Ou de puxar o gatinho ?







  















Fim de tarde de outono na orla santista. Digna de registro.


quarta-feira, 22 de abril de 2020



                                                   AO FIM E AO CABO







antes

lindo
inteligente
incrível
maravilhoso
gostoso
divertido


depois

idiota
mentiroso
perturbado
psicopata
degenerado
velho





terça-feira, 21 de abril de 2020




                                      A evocação dos tolos






Escrever é evocar o que não se consegue viver.
É projetar na escrita um mundo interior
que nem sempre, ou quase nunca, 
encontra correspondência na realidade.
Posto que o que se vê, 
o que se vive, 
não passa de interpretações pessoais de coisas
invariavelmente distorcidas,
meras versões fantasiosas do que,
cedo ou tarde, se revela completamente
diferente do que parecia.

Quem ama, 
ou pensa que ama, 
está sempre propenso à exageros,
juízos e conclusões equivocadas,
aos arroubos típicos da paixão.
Que como se sabe,
ofusca, obnubila o bom senso, a razão.
Daí não raro soarem patéticos,
inconvenientes, e até mesmo chatos
os versos com que se pretende enaltecer
a mulher amada, a musa inspiradora. 
Pior ainda quando 
no afã de reconquistá-la, 
fazê-la voltar,
evocando o antigo amor para ela, 
morto e enterrado.

Ao quê,
longe de compartilhar do mesmo sentimento,
sequer entender o teor de versos,
faz a gente parecer 
ainda mais tolo do que o normal.














                                                 ANACRÔNICO, EU ?




Sim, eu sou do tempo em que a palavra 
tinha valor.
Em que honestidade era uma obrigação,
e não uma virtude.
Em que era preciso suar a camisa
para comer a namorada.

















A verdade nua e crua do ritual de acasalamento
de hoje em dia, é que,
enquanto o apaixonado fica de lero-lero,
outro vêm e come.  



domingo, 19 de abril de 2020



                      coração flibusteiro






Nem te tive
e já te perdi.
Mala suerte, a minha.
Do antigo amor esqueci,
graças a ti.
Cujo bem, no entanto, 
logo se extinguiu.
Se é que chegou a existir.
Deixas a minha vida do mesmo jeito
que entrou.
Vinda de não sei onde,
Indo para aonde esconde
aquilo que nunca chegou 
a me dar.
O coração flibusteiro.



sábado, 18 de abril de 2020




                                                            vai vendo






Se a sensibilidade olfativa fosse transferida
para a auditiva, 
certos gêneros musicais teriam um cheiro
insuportável.


A mulher é o único animal que faz sexo sem ter vontade.  


O sexo só traz desvantagens para o homem. 
É trabalhoso, sai caro, atraí um monte de problemas, entre os quais o risco de doenças e gravidez indesejada. Sem falar que dura muito pouco. E ainda há quem se gabe de ser pegador.


O ideal é ter sem o ter te foder. 
(Adap. Millôr Fernandes)


Todos traem. Todos são traídos. Quem não trai é por falta de oportunidade, imaginação ou atrativos.


Todos mentem. Quem não mente, omite. O que vêm a dar na mesma.
















sexta-feira, 17 de abril de 2020




                             
                                                 


                                                            escolhas







Quis muito conhecer quem
que me fizesse esquecer o amor
que não conseguia esquecer.
Tudo o que consegui
foi conhecer quem
que me fez valorizar ainda mais
o amor que não consigo esquecer.
O que não era comprado,
era dado.
Escolhas, sempre as escolhas...
Foda-se, eu.




quinta-feira, 16 de abril de 2020










Quando o eixo gravitacional de uma relação é a mentira, a trapaça, 
se uma das partes deixa de fazê-lo, 
a relação acaba.









quarta-feira, 15 de abril de 2020





         Quarentena








Às vezes, minimizar as perdas já é um puta feito.

Naturalmente, não há futuro sem o presente. Nem passado
que não tenha passado. O que isso significa? Sei lá...

Antes o futuro parecia ser risonho, instigante, 
cheio de possibilidades. Agora, nebuloso, incerto, 
até a sobrevivência está ameaçada. 
Não se fazem mais futuros como antigamente.

O presente passa com tanta rapidez que quando o futuro chega, já é passado. 

Quando uma besta quadrada responde à outra besta quadrada, melhor não se meter.

Quando se chega naquela fase em que nada do que 
aconteceu ou o quê fez faz diferença,
melhor uma saída honrosa do que um pé na bunda.











domingo, 12 de abril de 2020



                                 
                    BABOSEIRAS




Eu não vi a volta dos que não foram.
Não fui o último a apagar à luz, nem
atirei a primeira pedra.
Não faço ideia de onde Judas perdeu as botas,
nem fui o último a rir, e tampouco o
primeiro.
Não sei qual a cor do cavalo
branco do Napoleão,
nem se o buraco é mais embaixo,
se todos os gatos à noite são pardos,
não quero saber se cão que late 
não morde, vai que morda;
muito menos se a esperança 
é a última que morre, já que
perdi a minha há tempos.
O que me importa se todos os caminhos
levam à Roma, se nunca estive lá;
se a grama do vizinho é mais verde, 
por mais que me mandem pastar.
Sem essa de que devagar se vai ao longe.
Eu quero mais é que o pau que bate
em Chico, bata em Francisco, 
ainda mais sendo um papa
que dá maus exemplos e abençoa bandidos.
Mesmo porque duvido que a justiça
tarda mas não falha,
e muito menos que
Deus escreve certo por linhas tortas.
Bem mais crível é que ladrão que rouba
ladrão tenha cem anos de perdão,
ainda mais no Brasil, sob os auspícios
da banda podre do Supremo,
onde o hábito obviamente faz o monge,
e não adianta a gente chorar
pelo leite derramado.
Enfim, há quem acredite que é dando
que se recebe,
foda-se quem pensa que os últimos
serão os primeiros, 
e que devagar se vai ao longe.
Muito menos
que a mentira tenha perna curta, 
nesses tempos de fake news.
Afinal, se onde há fumaça há fogo,
o seguro realmente morreu de velho,
tanto faz se para um bom entendedor
meia palavra baste,
menos mal que os olhos não
vejam o que coração não sente.

Mano, 
pode até ser que água mole em pedra
dura bate até que fura,
que as aparências enganem,
que o apressado come cru,
mas e daí, 
se cada macaco em seu galho ?
Se a voz do povo é a voz de Deus.
Meu, há que concordar :
quem mistura-se aos porcos,
farelo come. 
Que quem pode, pode; quem não pode, 
se sacode.
E se escreveu e não leu, 
o pau comeu, 
e pimenta nos olhos dos outro é refresco. 
Enfim, se é vero que quando um burro fala 
convém que os outros baixem as orelhas,
grato pela atenção, grande abraço, 
até a próxima, 
que baboseiras aqui 
não faltam.









































                     
                    o conúbio amoroso



                            em cinco atos


1. A pessoa se apaixona, ama cegamente.

2. Continua amando, mas começa a ver algumas coisas que não via antes.

3. Começa a ter dúvidas, a questionar.

4. Vê que deixou de amar, e afasta-se, repudia.

5. O amor vira indiferença, aversão e até em ódio.





sábado, 11 de abril de 2020









               AS CINCO FASES
           (ou o câncer do amor)






1. Negação

A pessoa recusa-se a aceitar, não acredita que possa ser grave.

2. Revolta

Passa a sentir-se injustiçado, reage com hostilidade.

3. Barganha

Questiona, tenta negociar, imagina que possa haver saídas alternativas.

4. Depressão

A ficha cai. A tristeza profunda advém ao perceber que nada pode fazer.

5. Aceitação

Passado o choque emocional, aceita os fatos, e aos poucos reage, passa a acreditar na possibilidade de cura.


Essas são as cinco etapas que normalmente ocorrem após o diagnóstico de câncer. 
Curiosamente, o mesmo processo que envolve o fim de um grande amor.































sexta-feira, 10 de abril de 2020





  





   


                               
                       

                                 Ophelinha ( e a dor de corno ) :










Para me mostrar o seu desprezo, ou, pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de 
um discurso tão comprido, nem da série de "razões"
tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-mo. Assim entendo da mesma maneira, mas dói-me mais.
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal ? 
A Ophelinha pode preferir quem quiser : não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade ( a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requeriment0s de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso "entalar". Porque não é franca comigo ? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém -, a quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lha venham acrescentar
Ofélia Queiroz, a namorada de F.P.
criando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça. Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica disto tudo sou eu.
Eu próprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se
tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse
no sofrimento que tem prazer em causar-me 
sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio
bem que amá-la não é razão bastante para o merecer.
Enfim...


Tais versos, em forma de carta, dignas de qualquer apaixonado desiludido e com direito à peculiar pieguice, não são, no entanto, de um qualquer. 
Até os grandes poetas e eruditos, como Fernando Pessoa, perdem a finesse e à mão, quando se trata de dor de corno.


  













quinta-feira, 9 de abril de 2020



                                                   

                                                         peter pan






Eu sou aquele cara que nunca precisou de inimigos 
para foder com as coisas.
Pois sempre me incumbi de ser meu maior inimigo.
Me auto-sabotar. Complicar, estragar tudo.
Fazendo e falando o que não devo.
Fui aquele menino que a mãe falava para não fazer,
e aí mesmo é que eu fazia. 
Castigo, chineladas, essas coisas,
nunca me intimidaram. 
Não foi à toa que fui  parar num internato, aos seis anos.
Quando adulto, não foi muito diferente.
Sempre rebelde, sempre cutucando a onça com vara curta.
Ideais e carreiras abreviadas, abortadas,
por puro impulso, por mandar alguém à merda
incautamente.
Dois casamentos, dos quais sai como vilão.
Não exatamente por maldade, juro, nunca levantei
a mão para elas, 
ao contrário, nunca deixei faltar nada em casa.

Não sou má pessoa. 
O problema, na verdade, é que nunca amadureci. 
No fundo, ainda sou aquele moleque
que pintava e bordava no engenho do meu avô,
sem ligar para nada. 
E que chega à velhice, vendo tudo desabar,
por não ter crescido, por pura imaturidade.
Por ainda não ter aprendido a lidar com as coisas,
por não medir as consequências.
Sob a minha ótica de Peter Pan desajustado.










































Postagem em destaque

                               de segunda à segunda A vida se mascara e se revela tão perto e tão longe de tudo.   Andamos à esmo como anima...