domingo, 30 de janeiro de 2022



                         dinastias do crime


                           Gravura de Salvador Dali



É redundante pensar que todas as formas de ser

são inconsistentes.

Consistem de ser e não ser.

Embutidos em milhões de silêncios. 

Dispersos em raras combinações de virtudes e altruísmo,

em meio a hordas de bárbaros que violam a terra, 

incendeiam o céu.

Em vão, procuram-se os corpos extraviados.

A visão apostolar da terra bruta irrompe em  mitos

antigos.

Mede os ásperos cumes justapondo sonho e realidade.

Urdindo medo e fervor.

Rompendo amalgamas de sofrimento.

No vasto mundo de almas inquietas e mentes vazias, 

as desditas cotidianas rugem e agonizam,

enquanto as dinastias do crime se perpetuam.







 







 



 

sábado, 29 de janeiro de 2022



                      fruta proibida





No cofre dos desejos,

o coração, imantado,

à espera das sensações que o corpo

pede.

Compensações, diria, em contraponto

ao abandono

que paira como túmulo violado.

A vida obliqua só faz sentido no deleite.

Morder a fruta proibida. 



sexta-feira, 28 de janeiro de 2022




Às vezes, a melhor maneira de resolver dilemas existenciais

é a soco e pontapés. 


           Quando eu queria, ela não quis.

           Agora que ela quer, eu é que não quero.


Não sei se ela é a minha cura

ou mais uma loucura.


           


 

domingo, 23 de janeiro de 2022


                                     penhores






             Dos versos que escrevi para essa desalmada,

             o que mais me dói 

             é ela não ter entendido nada.


Não lamento que te esqueças de mim.

Nada mais justo, fiz por merecer.


           Antes de partir, 

           só me faço um favor :

           me restitua o amor 

           que te dei em penhor.


Poucas coisas resistem ao tempo.

Sobretudo, aquilo que não é nosso.

Afetos, amores presumidos.








                    quarentena 






Queria escrever um poema

Que não fosse de anátemas

Que tivesse o amor como tema

Mas, oh, que pena !

Meu coração continua de quarentena. 




sexta-feira, 21 de janeiro de 2022




                 errar é humano





Como tudo na vida,

erros existem para serem cometidos.

Afinal, é errando que se aprende.

Se por bem ou por mal, a escolha é nossa.





                            

          três em uma (ou a realidade extraviada) 



                                                                        gravura de Salvador Dali


Deixei-me nascer de novo.

Venho de caminhar por eras 

de cifras e marcos

que me legaram, por assim dizer,

três vidas em uma.

A memória sobranceira desapegou-se

das antigas diegeses.

E de tudo desaprendido - dúvidas, desejos,

paixões -, abraço essa realidade extraviada

como um presente inesperado.


Agora podeis me ver como realmente sou.

Nem feliz, nem triste,

posto que despojado de tudo 

o que me alegrava e me tolhia.

E, quase póstumo, me permito

viver como nunca consegui.









 


 

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022


                                         às margens do nada






Aqui termina essa viagem em que tudo é cansaço

e abandono.

A distância entre as coisas, nos dias de todos,

o que resta, senão, aceitar ?

Às margens do nada, as nuvens ignoram a verdade

desconcertante.

É tarde, cumpro o percurso que me redime ou me cega.

Fui aquele que preferiu contemporizar à dor.

Em todas as coisas aniquiladas, a precisão da punição

injusta se apega a tudo que não existe mais.

Enquanto a vida sangra sem qualquer esperança,

como uma fera mortalmente ferida.


 



Por que escrevo ?

Talvez para tentar decifrar

aquilo que me foge à compreensão.

Talvez para disfarçar minha ignorância.

Talvez para dar vazão ao eterno desassossego da alma.

Talvez escreva, simplesmente, para aliviar 

minhas penas.  



terça-feira, 18 de janeiro de 2022

                                 aprendizado





O que eu descobri depois que te perdi :

Que hoje sou capaz de amar como se deve amar.

Que os dias sem você podem ser mais calmos e tranquilos,

mas nunca plenos.

Que a sabedoria chega quando já é tarde. 

Que o melhor do amor não é o que vivi,

mas o que faltou viver.

Que só porque não te amei do jeito que você quis, 

não significa que não te amei de verdade.

Que nunca me senti tão próximo de você, depois que

te perdi.

Que precisei passar pelo que passei, para valorizar

o que a gente tinha.

Que precisei te perder para ser uma pessoa melhor.

Que para encontrar paz, precisei fazer um pacto

com a solidão.

Que a força invencível que me permitiu superar 

os desgostos 

reside na memória das coisas boas

que tivemos. 

Que foram muitas.






 


 

domingo, 16 de janeiro de 2022


                 realismo mágico





O real e o irreal estão na imaginação.

A realidade de cada um é o disfarce 

                                         o simulacro

                                         o discurso.

Há um lugar em que nada é impossível.

Em que alegrias e tristezas são indiferenciáveis.

E os vivos e os mortos se reencontram.

O real e o irreal estão na imaginação.

Basta um instante para que o desejo encontre

sua realidade.

Quando tudo acontece. Ou nada. 


Escuta o silêncio, sinta os aromas, invente prazeres.

Sonhe que não é um sonho.  

Tudo o que vemos são nichos de percepção.

Espaços demarcados de crimes sem culpas.

Semeaduras de sinecuras

flores reticentes

perpetuadas de ausências

o real e o irreal imiscuindo-se nos escombros.

Abajo la tristeza !

Abajo todo dolor !

Nada pode ser omitido e dissimulado 

Naquele momento em que o amor vira crime de guerra.

Em que nada se consegue reter, nem saber o que é real ou irreal.

Em que tudo ou nada acontece.

Num dia que não aconteceu.

Em Macondo ou nas Mil e uma noites







domingo, 9 de janeiro de 2022



                  sentimentos tortos


                                     Gravura de Salvador Dali


Todos conhecem os sentimentos tortos

que presidem a liturgia do mal.

Baudelaire : há tantos males sobre a Terra

que só mesmo um Deus poderia tê-los criado.

De fato, que vida é essa que se nutre de outras vidas ?

Que "mão divina" faz da evolução

a mais vil carnificina ?

Se nossos pecados são previamente perdoados,

o que impede que o mal impere ?

Qual o sentido de uma vida 

em que o indivíduo morre

sem se conhecer ?











 

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022




                        

       segredos 





Os segredos do mundo estão bem guardados.

Nas seculares pirâmides do Egito. 

Nas catacumbas do Vaticano.

Nos subterrâneos das irmandades. 

Sob as areias dos desertos bíblicos. 

Nos silos nucleares. Nas profundezas dos oceanos. 

Em solo lunar.

No espaço sideral. Nos confins do universo.

No inexistido.

Nos hieróglifos.

Nos algoritmos. 

Entre as pernas das mulheres.

Nos artefatos, nos sítios profanados, nos cemitérios 

abandonados

das antigas civilizações e tribos,

que conheceram os deuses astronautas..

Nas horas violentas, no sulco dos arados, no caminho dos peregrinos,

nas catedrais góticas erigidas sobre crânios e ossos.

No pó e nas cinzas que não deixam rastros.

Nos labirintos que escravizam o sol. 

Nas gárgulas e anjos sonolentos que deixam a humanidade

à deriva.

No bifronte perdido no cipoal de faces.

No mundo multifacetado e mutilado, que comunga

seus

segredos com nossos irmãos,

vermes e ratazanas.






 






   



              antagonismos





A Bíblia e suas dubiedades.

Israel e a eterna agonia do crucificado.

A memória e seus ecos de candentes gnomonias. 

As escolas literárias e seus engodos didáticos.

Whitman e seus catálogos vitalícios.

Os livros de ouro e as águas do Ganges.

Excalibur e o Santo Graal.

O rigor do jovem Schopenhauer e os labirintos borgeanos.

A miscelânea de Virgílio, Milton, Blake, e a rotina de escrever.

Os nefelibatas desvalidos e a dor de corno.

O saltimbanco e a vertigem do picadeiro.

O grito de horror e a epifania do juízo final.

Os poderes do mundo e o desespero da fome.

O silêncio das cordilheiras e o enigma interplanetário.

Os sóis de todos os verões e as vísceras dos incêndios.

Os olhos abertos e as bocas cheias de formigas.

A desagregação de cada dia e a morte à prestações.

A Inglaterra forjada pelos vikings e as brumas de Avalon. 

O perdurável sonho de justiça e o martelo de Nietzsche.

Os tesouros engolidos pela areia e os mitos corrompidos.

A trama obscura da Criação e o Deus de Spinoza.

O Deus que castiga e o demônio que perdoa.

Os corações espedaçados e o invisível fender do tempo.

O caminho divergente e o muro que ramifica.

À causa da poesia e a cauda do cometa...




 









 

sábado, 1 de janeiro de 2022





 



 

        Fim de tarde de 01/01/2022 : um dia para não esquecer.             
                                 





Areia.

Cal.

Cimento.

E o pedreiro faz sua mágica.


            A sereia sorri

            para o náufrago,

            antes de afogá-lo.


Há sempre uma pedra

na estrada,

a espera de alguém

que tropece nela.


            A noite pede silêncio,

            mas faltou combinar

            com o grito. 


 

            

            

 

 


       



 

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