sábado, 30 de abril de 2022




              ébrios das próprias fantasias





Do alto de mim mesmo

diviso o mundo que me ignora,

sob o surdo torvelinho de apelos que o jugo

do tempo inflama e abranda.

A memória volve ao labor já extinto.

Amor e penitência costuram a teia 

em que os incautos

experimentam a lenta agonia

de morrer em vida.

As catarses das complexidades irrompem em furiosa dança

que beira a insanidade.

Ecos da pós-modernidade : a neve mais alva 

e o breu mais impenetrável agonizam em chamas 

que não incendeiam.

Apelos inúteis, ébrios das próprias fantasias, vêm-nos roubar 

o sono e a paz com seus delírios. 

Supondo que a vontade de Deus é soberana, oramos 

sob o ensurdecedor coro dos pusilânimes.  


 








 






 





                 pouco ou demais





Te amei tanto que não fazia ideia 

do quanto não sabia amar.

Me satisfazia pensar que te satisfazia,

amando sem demonstrar.

Até você cansar.

E me dispensar.

Perdi o teu amor e de quebra, descobri

que o coração pode se enganar tanto 

amando pouco 

como demais. 



 









 

quinta-feira, 28 de abril de 2022


      Gato de armazem




Meus pecados não sei se já paguei.

Nem tenho curiosidade de saber.

Quieto no meu canto, não espero nada de ninguém.

Me contento com qualquer afago. 

Resignado como um gato de armazem. 






 



                   campo minado





Pense bem antes de fuxicar a vida alheia.

Vasculhar gavetas, armários,

celulares.

Violar a privacidade, mexer

no que há de mais íntimo das pessoas.

Se o fizer, prepare-se para o pior.

Como adentrar em campo minado.







 


                     

                         


                    gosto estranho (mini-conto)







Teu pau está com um gosto estranho.

- Como assim, gosto estranho, se acabei de tomar banho ?

Ela fez um muxoxo, virou o rosto, e não respondeu.

Mas aquilo ficou na cabeça dele.

Acendeu a luz amarela.

O que estará insinuando ? Que a sua higiene não anda em dia ?

Que anda trepando com outra ?

Tempos depois entendeu o que estava acontecendo.

Não era o seu pau que estava com gosto estranho.

Era a boca da safada que estava experimentando outros sabores.






 

 

domingo, 10 de abril de 2022



                                     o troco





Ninguém ama impunemente.

Ou fere ou é ferido.

Se ferir, fique certo, cedo ou tarde,

receberá o troco na mesma moeda. 

Quem com chifre fere, com chifre será ferido...


 






                           essa cruz não carrego mais




Da minha maior conquista, ninguém vai me demover.

Tanto sofrimento e decepção, não terão sido em vão.

Mais do que um vício, é de uma doença que me curei.

Essa cruz não carrego mais.

O amor que consome.

O amor que cega.

O amor que manipula.

O amor que trai.

O amor vingativo.

Que mais cedo ou mais tarde, em indiferença, 

em ódio se transforma.


Não, meus caros. Para mim, chega.

Já não tenho mais ânimo, paciência,

e muito menos a crença de que possa ser diferente.

Me arriscar a passar por tudo de novo.

Ir do idílio ao purgatório.

Anseio por paz.

Mesmo que seja a dos cemitérios.
















 

quinta-feira, 7 de abril de 2022


                                 o riso das hienas




 




Confesso, pensei que seria mais difícil.

É como se ela não tivesse existido.

Não da maneira como a via.

Toda devoção, dúvidas, sofrimento,

sumiram como por encanto.

Bastou abrir os olhos.

Ver aquilo que me recusava a ver.

Os podres de uma relação desgastada.

"E verás a verdade, e a verdade vos libertará."

Simples assim.

Agora tudo o que resta 

é o riso das hienas.









quarta-feira, 6 de abril de 2022




                  a farsa



Esse estranho hábito de sofrer

por quem não merece.

O temor, a imperfeição, a náusea margeando

o silêncio, crivado de segredos.

Recolho-me ante o mal que me faz

saber quão traiçoeiro pode ser o amor.

Na paz que me roubou e me falta,

há de surgir o entendimento

que o meu vazio apacente. 

Sem não mais sentir 

a desolação da farsa.







 

sábado, 2 de abril de 2022



                    o luto eterno





O meu pesar é o pesar de quem perdeu mais

do que o coração pode suportar.

Esse coração generoso e altaneiro que mesmo repudiado

e vilipendiado, não esmoreceu.

Sofreu e se compadeceu com o infausto

que por fim a levou,

ainda tão jovem, cheia de planos.

Mas se o amor pode ser mais forte que a morte,

como se diz, 

o que se fez em  vida, o que foi sordidamente escondido,

e enfim revelado,

é a bala de prata,

a estaca num coração

que amou

além da razão.


Meu pesar  é o pesar de quem teve as próprias

lembranças maculadas.

Na dúvida de saber quem realmente ela era,

o pesar de quem sente que viveu uma grande farsa.

Meu luto é eterno.











 

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