sexta-feira, 22 de setembro de 2017



VELHO NOVINHO EM FOLHA





Na impossibilidade de ser mais do que sou,
é quase um não existir onde me encontro.
Um simulacro do que poderia ter sido.
Arremedo do que fui um dia.
Muito aquém do que sonhava para mim.
Do que pensava que poderia fazer.
Do que não fiz, e nem tentei fazer.  
Por inaptidão, covardia, acomodação.
Medo de sair da zona de conforto.


No entanto, não lamento.
 

Estou exatamente onde deveria estar.
Cheguei exatamente onde poderia chegar.
Não transfiro a ninguém culpas que são
de minha inteira autoria e responsabilidade.

Não plantei nenhum árvore, não escrevi um livro,
e os filhos que tenho não me pertencem.
Pertencem ao mundo.
Não precisam de mim para nada.
Pois nada mais tenho a dar que faça diferença.
Relegado a hipocrisia das convenções.
De palavras ao léu.
Posto que o que importa já não importa.
Nem a voz da consciência que se eleva em horas mortas.
Morto como estou para o quê um dia fui.
Para o que sentia. 
Pelo que me congratulo. 
Ao quê saúdo. 
O novo homem em que me transformei.
Um velho homem novinho em folha.






sexta-feira, 15 de setembro de 2017



                 KIT-PENITENCIÁRIA

Sabemos todos que o nó górdio da justiça é a prova. É provar de maneira cabal e inquestionável a culpabilidade imputada a este ou aquele. O direito, tal qual o conhecemos nos países ditos evoluídos, tem como característica o rigor extremo e meticuloso no ato da acusação, e em contrapartida, salvaguardas que beiram a leniência em defesa dos réus. Grosso modo, a preocupação em evitar a condenação de um inocente abre precedentes e jurisprudência que beneficiam mil meliantes. 

Não se trata de uma exclusividade de nossa justiça chicaneira, os Estados Unidos não ficam atrás em casos de arbitrariedades escandalosas, em função da autonomia penal vigente em seus 50 estados. Ou seja, o que vale na Pennsylvania não vale no Texas. Uma aberração que o cinema norte-americano transformou no seu maior filão, em incontáveis filmes e séries televisivas que giram em torno da discrepância entre uma ordenação jurídica extemporânea e criminalização ostensiva. Quase ao contrário do que acontece aqui, onde vigoram leis e penalizações extremamente flexíveis e camaradas.

Tão flexíveis e camaradas que, quando a coisa começa a dar uma reviravolta, graças as heroicas ações da Laja-Jato e do MPF, levadas a cabo pela Polícia Federal, a bandidagem entra em pânico. Não acreditam. Esperneiam, ameaçam, apelam para toda sorte de artifícios, no afã de negar os fatos escabrosos que vão sendo dedurados, por ex-correligionários decididos a livrar a pele. Outros, que se julgavam intocáveis e mais espertos, simplesmente desmontam e choram ao ver que a suposta esperteza não foi suficiente para livra-los da humilhação da prisão. 

Sabemos todos que os caminhos da justiça brasileira são longos e tortuosos, ainda mais com certas figuras manjadas  de nossa Suprema Corte, dos quais tudo de pode esperar. De qualquer forma, tem sido extremamente reconfortante ver que a impunidade está ficando para trás, com a prisão de tantos figurões que acreditavam estar acima das leis. Como o mega-mafioso Wesley Batista, que se jactava de ter engambelado o procurador Janot e o próprio juiz Edson Facchin, e acabou caindo feio - ou melhor dizendo, lindamente - do cavalo.

Mantida essa linha - se é que a substituta de Janot na PGR, Raquel Dodge, não dê pra trás - e a coisa não deve parar por aí. Lula, e quem sabe o próprio Temer, podem deixar o kit-penitenciária preparado que mais dia, menos dia, vão precisar. 









         

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

                         SERENDIPIDADE

Para meu filho, Angelo





Acima da verdade está o desejo
O querer mais que tudo
Sem medir consequências
Ainda que seja para quebrar a cara
Mesmo porque só assim se aprende

Acima do desejo está a razão
O querer condicionado pelo comedimento
O bom senso como bússola
Garantias de uma vida certinha e insossa
Que não fede nem cheira

Acima da razão, os sentimentos
Pois ninguém é de ferro
Gostar, odiar, invejar : faz parte
Quem nunca mandou alguém à merda
Quem nunca atirou a primeira pedra ?

Acima dos sentimentos está a necessidade
Posto que ninguém vive de brisa
E saco vazio não pára em pé
Não é à toa que a rasteira
É o esporte mundial por excelência

Acima da necessidade está o dever
Feliz de quem não precisa obedecer a ordens, normas, horários
Se é que este alguém exista
Se é que isso seja possível

Acima do dever, os princípios
Algo que todo mundo diz ter
Mas que no mais das vezes
Quando colocados à prova 
Ninguém sabe onde foram parar

Acima dos princípios, as leis
Ainda que em detrimento deles
Ainda que em função deles
Ainda que dura lex, sed lex
Só valha para os inimigos

Acima das leis está o direito
Direito de ir e vir, de expressão
E até de transgredir as leis
Pois direito é direito
Se não andar direito, é outro departamento 

Acima do direito, a justiça
Ah, sim, a velha e boa justiça de guerra
Velha e caquética senhora que, cá pra nós
A ninguém mais engana
Ainda mais quando encarnada por aquelas
Manjadas figuras da Suprema Corte tupiniquim

Acima da justiça está a liberdade
O bem mais elementar e supremo da humanidade
Cuja privação só quem sofre
Pode avaliar e dimensionar

E acima de tudo, o discernimento
Sem o quê todo conhecimento é inútil
Toda bagagem insuficiente
Por consistir basicamente
Em separar o joio do trigo
Em mostrar quem é quem
De reconhecer que a fé
É mais forte que as adversidades
Que mais forte que a fé é a atitude
Mais forte que a atitude, a sabedoria
Mais forte que a sabedoria, a imaginação 
Que mais forte que a imaginação é o livre-arbítrio  
Mais forte que o livre-arbítrio, o poder 
Mais forte que o poder, o amor
E mais forte que tudo, o destino 
O acaso, a sorte, o karma, ou coisa que o valha
Ou pura e simplesmente
A serendipidade... 

Sim, pois quantas coisas insensatas e tolas 
Criamos ou imaginamos nos desvãos da mente
Oriundas do entendimento tardio 
Do que foi sem nunca ter sido
Do peso de despertar para o hoje
Preso as angústias de ontem
Ao pesar de perdas e sonhos idos
Vergastado pelo descontentamento nocivo e compassivo  
Do desconsolo permanente de viver 
Sufocado entre os muros da inércia
De não saber agir
De não saber discernir
Valorizar o que importa
Descartar o imprestável 
De modo a harmonizar a vida passada e a presente
Conciliar o que foi e o que é
Aprender a lidar com os estragos causados 
Por equívocos e opções infelizes
Coisas que pareciam justas e certas
Mas que de justas e certas nada tinham 
Posto que meramente circunstanciais e efêmeras
Como tudo na vida
Como tudo em nossa precária
E insignificante existência
Cuja real medida e importância 
Só se tem depois de morto.










sexta-feira, 8 de setembro de 2017

PASSE LIVRE





Tudo na vida tem seu tempo. 
Até mesmo para dar um tempo.
Para pensar. Repensar. Inventariar.
Atinar com o que fez de certo e de errado. 
O que deu certo e o que não deu. 
Mesmo porque, afora a morte, nada é certo.
Mesmo porque o certo pode dar errado. E vice-versa.

Dar um tempo pode ser bom
Para respirar outros ares
Experimentar novas e velhas sensações
Dar um tempo de tudo
De fazer sempre as mesmas coisas
De buscas sonhos e esperanças onde não há
Dar um tempo para se redescobrir, ou melhor ainda
Se reinventar
Se livrar de antigos fardos
Ideais, responsabilidades.
Da felicidade enganosa que sufoca
E pesa o peso do mundo
Pelo que exige em troca
Posto que intrinsecamente efêmera

Dar um tempo para ver o mundo 
Ainda que seja só para tirar a cisma
E que suspeito ser o secreto desejo que acalentas
Mas que te falta coragem para propor
Dar e receber o passe livre
Liberdade ainda que tardia
Antes que tardia...










               SÓ SEI QUE NADA SEI


Não sei se volto para casa
Ou se encho a cara
Se sumo do mapa
Ou imploro teu perdão
Se rastejo no chão
Ou mando tudo às favas

Não sei se tenho forças para reagir
E seguir em frente 
Ser paciente e resiliente 
Ou deixo o barco zarpar
Sem olhar para trás

Não sei que rumo tomar
Se espero o vendaval passar
Ou junto os cacos
Enfio a viola no saco
E vou desafinar n´outro lugar.

Não sei, não sei, não sei.

Há tempos que me apraz ficar
Outras de debandar
Há dias em que me sinto nas nuvens
Outros à beira do abismo
Há vezes em que me sinto no paraíso
Outras vezes no quinto dos infernos...















RENÚNCIA

Lamento pelo que não fomos
Sinto falta do que não tivemos
Sofro pela dor que nos causamos
Procuro uma maneira de compensar
A tua perda
A minha renúncia
A nossa desistência

Meados de janeiro /2000

quinta-feira, 7 de setembro de 2017



                                   FIO DE AÇO 



Penso que o Brasil está tão ferrado que nem os generais se animam a botar a casa em ordem. Talvez porque intervenções militares estejam fora de moda; talvez por não terem a mesma têmpera dos generais que botaram ordem na casa em 1964; mas, muito provavelmente, por estarem entre as tais categorias que não tem do que se queixar, em termos de remuneração e regalias.

Sem poder contar com os milicos, o único instrumento que resta ao país para enfrentar o regime de ilicitudes entronizado nos 12 anos de governança petista é o Poder Judiciário, responsável pelo cumprimento das leis e da preservação do estado de Direito.
Não há outro caminho. Todas as demais alternativas inerentes a práxis democrática já se mostraram ineficientes, inócuas, incapazes de reverter o quatro de putrefação político-governamental vigente. Entre as quais, o virtual conto do vigário de um modelo eleitoral viciado, manipulado e, que ninguém duvide, adulterado, a julgar pelos inúmeros indícios já veiculados sobre possíveis fraudes em nosso sistema eletrônico de votação.

Desgraçadamente, porém, tampouco o judiciário brasileiro de um modo geral tem se mostrado à altura de seu papel de guardião da legalidade e moralidade. Muito pelo contrário. O que não tem faltado, em tribunais de todas as comarcas e instâncias, são exemplos de arbitrariedade, arrogância, prepotência e bizarrices jurídicas escandalosas, sem falar da politização explícita de manjadas figuras do STF.

O que esperar de uma Suprema Corte em que pontificam juízes useiros e vezeiros em livrar a cara dos meliantes mais notórios ? Como costumam fazer os sacripantas Marco Aurélio Melo e Gilmar Mendes, que além da peculiar empáfia, mantém estreitas relações com a mais fina flor da bandidagem política. A exemplo de outros não menos manjados colegas de toga, como Dias Tófoli, Ricardo Lewandowski e o próprio Edson Fachin, de sabidas ligações com o petismo.

Já à ala moderada, como a própria ministra Cármen Lúcia, presidente da casa, falta coragem e liderança para tomar frente e agilizar as ações em curso. Não só da Laja-Jato como em relação as inúmeras outras denúncias que tramitam em banho maria contra políticos implicados nos esquemas de corrupção. As dezenas de ações ajuizadas e postergadas contra Renan Calheiros e Romero Jucá pairam como um escárnio ao povo e depõe contra a própria mambembe justiça do país.

Sobra, neste salseiro, as atuações isoladas de alguns juízes honrados como Sérgio Moro e Marcelo Bretas, que juntamente com o MPF, tem servido de inspiração para outros da mesma estirpe e mantido um mínimo de esperança num futuro melhor para o país. Um fio de esperança mas um fio de aço, pois respaldado nos anseios de uma sociedade cansada de espoliação, de ver o mal triunfar.

domingo, 3 de setembro de 2017


                Besta

Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu sou uma besta
Eu
Sou
Uma
Besta
Eu
     Sou
           Uma
                  Besta
                  Eu
            Sou
      Uma
Besta

sábado, 2 de setembro de 2017


                CRESCEU, PERDEU



O homem não é o que aparenta.
Só uma criança é o que aparenta.
O homem é um fingidor nato, dissimulado e ingrato.
É o avesso de si mesmo, lobo em pele de cordeiro.
Prisioneiro de idiossincrasias insuspeitas e inconfessáveis.
Aquele sujeito, quem diria, aparentemente tão gente boa,
e no entanto, um energúmeno, um vigarista, um facínora...

Quem, afinal, o homem ?
O que melhor o define ?
Ao mesmo tempo altruísta e embusteiro, 
vítima e algoz.
Lúdico e lúbrico.
Mecenas e trapaceiro.
Ou nenhuma coisa nem outra.
Na superfície uma coisa,
no íntimo, libertino, pedófilo, psicopata...
Ser tantas coisas e nenhuma,
viver escondendo a verdadeira face,
és um homem ou um camaleão ? 

E para quê ? Por que ? 
Para não ser julgado, não ser crucificado
num mundo feito de convenções.
De regras, mordaças, camisas de força.
O mundo é um teatro, em que todos fingem 
ser o que não são.
Querem ser o que não são.
Fazem qualquer coisa para chamar a atenção.
Capricham na indumentária, mutilam o corpo.
Nenhum homem é o que parece ser.
Ninguém tem o direito de julgar ninguém.
Só a criança é o que é.
Até ser contagiada pela maldade
inoculada pelo bicho-homem...
Porque, cresceu, virou adulto, perdeu...







  

sexta-feira, 1 de setembro de 2017


                                   VIDA VADIA





Vai, vida vadia, nada mais espero de ti 
senão as falsetas e ciladas de sempre.
De sonhos e esperanças abjurei.
A armadura e a espada empenhei. 
Lutar com palavras é o que me resta. 
É o que me basta. 
Ainda que em vão. 
Escrevo versos, mas a complexidade do mundo
não cabe nessas estrofes canhestras.
Me faltam palavras para expressar 
o que me atormenta a alma.
A razão desse permanente desassossego. 

Meu pensar é como um navio que passa
ao largo, rumando sabe-se lá para onde.
Levando à bordo sabe-se lá o quê.
Mistérios ? Verdades ? O que importa ?
A vida segue seu curso inexoravelmente,
até sumir no nada.    
Entorpecida pela cota diária de barbáries e sacanagens.







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