quarta-feira, 30 de junho de 2021




                       antiga morada




 


As delicadas porcelanas, cuidadosamente arrumadas

na cristaleira.

As cortinas de tule, de renda, de veludo - minha mãe 

tinha mania de cortinas.

A panela de ferro, o fogão à lenha, o forno de fazer 

pão de milho, na casa da minha grossmutter.

O revólver guardado no alto do armário.

As revistas de mulheres nuas debaixo do colchão.

O rádio Telefunken em que ouvia os jogos do Grêmio.

Os inúmeros times de botão, a única coisa que me mantinha

em casa.

A bola. Muitas bolas. De meia, capão, couro, de gude.

O bodoque, o carrinho de rolimã, a pipa.

O rio, o arroio, a sanga. 

A sexualidade precoce.

As várias mudanças. Até sentar pousada em Santos.  

A vitrola 3 em 1, a coleção de discos de vinil, relíquias 

que minha mãe guardou até morrer.

Minha mãe na cozinha, sempre na cozinha,

por mais de cinquenta anos cozinhando, lavando pratos.

Ainda assim, vaidosa, sempre chique,

viciada em jogo do bicho, nos carnês do Baú da Felicidade,

pois é, morreu "sem tirar a sorte grande."

Ah, minha mãe.

Ah, meu pai. E a pensar que nunca tivemos

uma conversa de homem para homem.

Era, sempre foi, o exemplo de homem íntegro

que prevalecia. Bastava um olhar para se fazer entender.

Paizinho, gostaria que soubesses, já que nunca te disse,

o quanto te admirava, 

e o quanto lamento não ter sido um filho melhor.

Mas a memória persiste em revolver os estanques

guardados, que não obstante pungentes,

não doem. 

Há muito tempo me bate no peito

um heroico coração que aprendeu a espantar

as mágoas e os pesares.

E conquanto já não tenha para onde ir,

volta sempre para a saudosa 

e antiga morada.




terça-feira, 29 de junho de 2021

domingo, 27 de junho de 2021






Viado, puta, corno... Expressões que se vulgarizaram 

de tal forma

que somos compelidos a aceitar como normais. 

Temo pelo dia em que o mesmo vá ocorrer em relação a ladrão,

corrupto, bandido.




 




Faça de tudo um pouco na vida.

Mesmo aquilo do qual venha a se arrepender.

Melhor se arrepender de ter feito

do que de deixado de fazer.


 


                                 gangrena







Eis-me, então, entre o resolvido e o olvido,

resignado. 

Dos sonhos envenenados, desprendido.

Liberto, diria.

 

Liberto, não fosse o corpo

o copo em que a carne mole,

o sexo murcho,

sorve os derradeiros goles

da vida gangrenada.




 

quarta-feira, 23 de junho de 2021



                     assim é a vida





Às vezes há vontade mas falta determinação.

Às vezes há crença mas falta fé.

Às vezes há desejo mas falta tesão.

Às vezes há boa vontade mas falta altruísmo.

Às vezes há beleza mas falta magia.

Às vezes há esforço mas falta resiliência.

Às vezes há ambição mas falta labor.

Às vezes há metas mas falta comprometimento.

Às vezes há conhecimento mas falta discernimento.

Às vezes há amor mas falta lealdade, reciprocidade.

E assim é a vida, sempre deixando a desejar...





segunda-feira, 21 de junho de 2021

quarta-feira, 16 de junho de 2021



                  vida de burguês




Restaurantes dizem muito sobre as pessoas.

É o palco preferido daqueles burgueses espalhafatosos

e empavonados, 

que adoram chamar a atenção,

ao lado das respectivas damas

normalmente super-maquiadas e trajando modelitos apertados,

para disfarçar a flacidez.

Falam alto, riem de qualquer besteira, 

e não tardam em ficar "meio altos" e inconvenientes, 

constrangendo os demais presentes com seus

modos grosseiros. 

Refestelados, palitam os dentes e arrotam sem qualquer

cerimônia, ao mesmo tempo que cumprimentam

efusivamente um ou outro conhecido.

Já em casa, empanturrados e sonolentos, esses burgueses

desabam na cama e apagam, 

enquanto as digníssimas esposas

se masturbam pensando no Cauã Reymond. 




* Inspirado no poema "Guardanapo na Boca", de Maria Leonor Corrêa da Silva.











Há gente de tudo que é jeito.

De todos os gêneros.

Sobretudo, parvos e chatos.


 




O último circo acabou.

Concorrência desleal

da vida real.


 




Todo santo dia

más notícias abundam.

Como se a vida nos desse

um pé na bunda.


 




Tão claro

o luar lá fora

que não estranharia ver

um lobisomem.


 




              poemeto



Saiba dar

Saiba sentir

Saiba retribuir

Saiba viver... 






                      dilemas



Não sei se quero o amor que tive

ou o que me falta. 


              Como ser hétero e monogâmico,

              o eterno dilema.


Sou rebelde, sim.

Me recuso a envelhecer.


            De que adianta ser inteligente, culto, instruído,

            se o interlocutor é burro ?


          

terça-feira, 15 de junho de 2021





A armadura de macho já não me interessa,

não tem mais serventia.

Afinal, me defender do quê, de quem,

se tudo o que me resta

é a fantasia ?





 



Os sonhos das noites que passo acordado

são os melhores.

Neles, amamos como antigamente você

fingia me amar.


 




 É mais prático e eficiente mentir.

Ninguém está interessado na verdade.








Quando agir direito, 

ser correto,

não resolve,

que tudo o que você faz

é pouco,

talvez o melhor a fazer 

seja dar uma de louco.




 




 





Com medo e acuado,

é assim que se vence as batalhas.


 

domingo, 13 de junho de 2021


                            livro inacabado




Há pegadas humanas na lua.

Há deuses-alienígenas que explicam todos os

mistérios que não entendemos.

Há auroras boreais que congregam toda beleza

profanada da terra.

Há vestígios de povos desconhecidos que precederam

toda forma de conhecimento.

Há auroras atrozes que perduram como o pêndulo

que o tempo fez parar.

Há jardins de Edens que acalentam a vigília dos proscritos.

Há formas e matizes que lavam os dias 

das causas inominadas.

Há ontens que entesouram o incrível.

Há criaturas feitas de ouro e ilusória memória.

Há esperas que não valem a pena.

Há enigmas e silêncios invioláveis.

Há o princípio e o fim de toda epopeia.

Há o desejo de não ter nascido. Não aqui, não agora.

Há a crença em fábulas e magias, e a descrença na palavra

humana.

Há o querer que perdeu a conta de tanta rejeição, e que

de algum modo volta feito onda.

Há o mistério de se reinventar quando tudo parece perdido.

Há sempre quem acenda um fósforo no escuro.

Há uma realidade paralela que só os ascetas conhecem.

Há o esquecimento das dádivas recebidas, mas não dos malfeitos.

Há o saber inútil no abuso da etimologia.

Há simulacros que o tempo concede para urdir breves

formas de felicidade.

Há o bem que devemos louvar e agradecer a cada

instante da vida.

Há o murmúrio do mar e da chuva, que não mudam.

Há as aventuras ínfimas que talvez sejam os fios mais 

duráveis da trama da existência.

Há o grato amor ao ingrato amor, que se elidiu 

a cada remordimento e cada mágoa.

E há o porvir, 

o delicado tempo que tudo modela,

e no qual nossa aventura terrestre se escreve

como um livro inacabado.




 










sábado, 12 de junho de 2021



                   nem saudades, nem remorso




 

No mesmo instante que o teu olhar 

me penetrou,

como um objeto cortante,

eu soube que nada mais 

seria como antes.  


          Volta e meia passo no lugar

          em que a conheci,

          como que procurando algo que perdi.



Nem saudades, nem remorso.

Só sinto pelas coisas

que poderiam ter sido 

e não foram.

 








                      provação





Sou um homem só numa tarde vazia.

Evocando, a um só tempo, epopeia e elegia.

Proibido de ver além da gasta memória.

Ferido pelos estilhaços do desejo e do medo.

Sou o que fui de muitas formas e mortes.

Denso rio de ignorância e soberba.

No fundo, vulnerável e frágil como os valentes

que ousam enfrentar a travessia

de mãos vazias.


À falta dela, amo a ausência que a faz

ainda mais bela.

Fiel à insana vocação humana de, em já não a tendo, 

insistir em reaver o que está irremediavelmente perdido. 

Missão na qual sucumbem os mais 

destros e fortes.




 



sexta-feira, 11 de junho de 2021




        lembrança



A primeira vez que a vi,

Ela tombou a cabeça

E jogou os cabelos para o lado.

A última vez que a vi,

Ela tinha um coque

E um novo namorado.


(Rogério Noia da cruz)



 

terça-feira, 8 de junho de 2021




                     outra vibe



O pior da separação 

é quando um dos dois ainda gosta,

ainda alimenta ilusões,

baseado nas boas recordações 

que o coração

preserva.

Enquanto o outro lado virou a página, 

está em outra vibe,

e no máximo só consegue

lembrar com desdém das coisas de outrora,

e ainda mais das fantasias quixotescas

que o antigo amor teima em manter.



domingo, 6 de junho de 2021




                sabedoria




Para tudo que tens opinião,

preste muita atenção, há muito o que considerar.

Não se deixe enganar com adornos,

quinquilharias, contas de vidro, 

tudo aquilo que brilha feito ouro de tolo. 

Preocupe-se antes de mais nada, em desatar os nós, 

desaprender as baboseiras que te ensinaram, 

destruir as paredes que te aprisionam, para, aí sim, 

sob os mais nobres princípios,

ver a realidade despida dos embutes 

que os manuais chamam de sabedoria.


















  

sábado, 5 de junho de 2021


                    o grande gesto



Nós dois, mutantes,

mudamos

para lidar

com as coisas que não podem

ser mudadas.


E assim vamos nós,

pensar a vida,

em sua luta renhida,

ao redor de nossos sonhos gastos,

tomando muito cuidado

para não voltar

a desperdiçá-la. 


E assim vamos nós,

mansos feito cavalinhos de carrossel,

mas não aceitando mais cabrestos,

nem nada que não faça

o coração palpitar.

Ainda que armas sutis nos ameacem,

um mudo entendimento antecederá 

o grande gesto

de ser mais do que fomos.






Impressionante como as pessoas estão perdendo

a capacidade de diferenciar o certo do errado.

O mundo era melhor sem Internet.




 




Não tente entender ou mudar as pessoas.

Apenas aceite. Ou mande-as às favas.



 

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