segunda-feira, 30 de outubro de 2023



                   a possessão dos afetos



Mares sem estrelas revolvem a areia

tranquila das mudanças. 

Veias abertas destroem os dias radiantes

e toscos.

Lento e sinuoso é o curso para Naxos.

Sigamos com as mãos entrelaçadas para que o mal 

não chegue a nós.

Na morada de Circe, mares e estrelas sem limites

acionam o adágio dos ventos.

Os males escorrem tecendo tramas sem fim.

Não há hipótese da remissão dos pecados.

O mundo é o que é. O que sempre foi.

"A não ser que você o despoje", ultrapassando o grande

rio de Héracles.

Assim falou Zaratustra, quando indagado :

ninguém é alguém que não sabe ser.

Quem rompe com o silêncio que aguente as consequências.

O tempo não é o mal, o mal é a humanidade.

Degenerados não tem preocupações intelectuais.

Muito menos morais.

O tempora, o mores de Cícero estão sempre nos 

pondo à prova.

O valor do dinheiro acaba onde começa o apego.

Fora do inferno a vida tramita dentro e fora do alcance 

das contendas sujas e ridículas.

Nem palavras as quais ser fiel são confiáveis.

O flagelo do homem é confiar.

Só é livre e feliz quem se livra

das possessão dos afetos.
























segunda-feira, 23 de outubro de 2023


                        breve e definitivo





O mundo cabe no dia em que tudo acaba.

Antes que amanhecer anoiteça. 

A vida vai e vem, carregada de maus presságios.

Não há um dia que florestas não queimem,

cordilheiras não derretam em silêncio.

Não há um dia em que conflitos não recrudesçam,

o caos não se estabeleça,

inocentes não morram em meio

a bombardeios e chacinas banais.

O mundo não difere inocência de culpa.

A intolerância encoraja toda sorte de sacrilégios.

O ódio compulsivo é um legado sem fim.

Não há escolha. 

Não há trégua no horizonte humanamente esmaecido 

pelo êxtase dos horrores.

O tempo de devastação e de guerra tem raízes profundas.

Breve e definitivo, o amor subsiste 

com rancor de si mesmo.


























domingo, 22 de outubro de 2023

                                    o canto da sereia 





O que está acontecendo com o mundo ? O que está acontecendo com as pessoas ? A impressão é que uma espécie de loucura coletiva se espalha feito um vírus semelhante ao do Covid 19. O qual, como se sabe, criou o ambiente propício para a conversão maciça da humanidade ao deus ex-machina da era digital, com o isolamento forçado por quase dois anos ampliando a dependência da Internet à níveis altamente deletérios e alarmantes.

Ninguém ignora que tudo hoje em dia gira em função da Internet. Para o bem e para o mal.  Há o lado bom, pelos benefícios e facilidades que proporciona, e há o lado dark, terreno fértil para toda sorte de delitos e arapucas. Orientar-se nessa terra de ninguém é sempre um desafio para o qual poucos estão preparados, livres de seus atrativos ou mesmo de cair em alguma de suas inúmeras armadilhas. 

Seja como for, o fato é que cada vez mais a Internet se firma como um verdadeiro Éden para os espertalhões e vigaristas de toda natureza. Até mesmo para legitimar atividades ilícitas e moralmente recrimináveis. Me incomoda ver o crescimento - e a aceitação - de atividades de fundo e caráter delituoso, claramente voltado a exploração da boa fé e da própria natureza fraca do ser humano, surfando nas ondas da falta de regulamentação desse oceano tão complexo e vital na vida de todo mundo. 

O mais grave e gritante envolvendo a disparada de casas de apostas de todos os gêneros que estão desgraçando a vida de milhares de pessoas atraídas pela promessa de ganho fácil. Um segmento tão lucrativo que permite a algumas dessas casas ostentar suas marcas nas camisas de alguns de nossos grandes clubes, além de pagar comissões milionárias a influenciadores e gurus digitais.

São visíveis e notórios os efeitos desse novo e no mínimo controverso padrão funcional ditado pelo mundo digital, composto por ecossistemas que vão do útil e aceitável, ao delituoso e repugnante. Em comum, além da aceitação compulsória de um sistema global totalmente atrelado à Internet, o irresistível canto da sereia com que incautos em geral são atraídos para os apelos do mundo virtual.

Não há quem, de uma forma ou de outra, não se veja seduzido, cooptado, ou induzido a fazer parte do conjunto de ecossistemas que passaram a nortear nossas vidas. Não há escapatória. A era digital veio para ficar e há que adequar-se. O grande desafio, como sempre, é separar o joio do trigo. O velho mantra de que não há almoço grátis continua valendo. Não há atalhos, as facilidades e perspectivas de lucro fácil hoje oferecidas, não se enganem, também tem seu preço. Implicam quase sempre em enganar alguém, em vender gato por lebre. O velho golpe da pirâmide financeira encontrou na Internet o habitat perfeito.

Como eu ia dizendo, há no mínimo três ecossistemas que gravitam em torno da Internet. O primeiro, e principal, engloba todo o sistema mundial legal e institucionalizado, desde o financeiro ao governamental, e no qual todos cidadãos estão compulsoriamente engajados. Cujo funcionamento, no entanto, está longe de inspirar confiabilidade, sujeito a manipulações de hackers e programações maliciosas. 

O segundo está umbilicalmente ligado ao primeiro, por se propor a ser uma alternativa ao sistema financeiro tradicional, com o uso das chamadas criptomoedas como um meio mais prático e desonerado para transações comerciais em geral. Na prática, porém, é justamente isso que mais compromete o seu emprego, ou seja, a falta de lastro e de regulamentação confiável. O que as tornam um prato cheio para os vigaristas de plantão, como o faraó dos bitcoins e tantos outros casos que pipocam todos os dias, configurando o velho e manjado esquema de pirâmides financeiras.

O terceiro ecossistema é o que mais atrai e envolve as pessoas, sob as mais variadas roupagens, mas sempre e de alguma forma mexendo com  aquilo que o ser humano tem de mais sensível e vulnerável : o imaginário.  Seu funcionamento consiste na exploração massiva das redes sociais, podcast, canais de youtubers, sites, aplicativos e outros meios, devidamente personalizados e apelativos para fins de faturamento. Por apelativos entenda-se o uso de todo e qualquer recurso para obter retorno, audiência, destaque, explorando os mais variados assunto, com ênfase, é claro, em futebol e sexo. 

Chega a dar pena dos personagens do ludopédio diante do massacre diário e ininterrupto das redes sociais e, mais especificamente, da legião de cagadores de regras que passaram a viver disso, alijados da mídia tradicional. Já o mesmo não se pode dizer das prostitutas que expõem suas aventuras sexuais nos inúmero podcast do gênero, em que quanto mais baixarias e bizarrices, melhor. Afinal, é o que dá audiência, e as moçoilas não estão nem aí para o que pensem delas. Com direito a mentoria e tudo mais. 

Mas é nesse mesmo ecossistema que grassa o suprassumo das  enjambrações, na esteira de um pujante modelo de negócios e oportunidades que vem criando um número sem  precedentes de milionários, em pouquíssimo espaço de tempo. A pedra de toque é o chamado marketing digital, seja com o emprego das mais variadas modalidades de comércio eletrônicos como através do filão mais rentável : a venda de cursos e mentorias ministrados por gente que se especializou em tirar proveito das mumunhas e mutretas do mundo virtual.     

Vejo esses gurus que proliferam feito erva daninha nas redes sociais, vendendo e alardeando os supostos benefícios de todo tipo de produtos, e me sinto como um verdadeiro idiota, incompetente, ogro, um peixe fora d´água nesse mar de oportunidades que o mundo digital propicia. Tiro meu chapéu pra eles, sobretudo por provarem na prática que qualquer bosta pode render ou ganhar dinheiro na Internet. Desde que, como tudo na vida, se esforce para tal.

Se da maneira honesta ou não, vai de cada um.



      




    


terça-feira, 17 de outubro de 2023




                alea jacta est



                      

"Não procuro sexo", diz a bela

em seu perfil nas redes sociais,

contrariando o que sugere as fotos sensuais,

quase explícitas,

bundinha, peitinho em destaque.

Ah, mente suja !

Qual o problema de exibir os dotes,

os generosos atributos que a terra há de comer ? 

Se liga, os tempos são outros.

De total liberdade de costumes. De sexo descompromissado,

em que "ficar" dispensa maiores formalidades. 

Tempos de crianças precocemente erotizadas.

Dançando,

rebolando,

se insinuando,

como se fosse uma inocente brincadeira,

incentivados pelos próprios pais,

de olho nas visualizações e pecks remunerados 

que fazem a delícia dos pedófilos. 

Nojento ! 

Nojento ? 

Quem liga ?

A era digital desconhece normas, regras, 

subverte costumes, forjando uma geração permeada 

por sociopatas e narcisistas.

Para qual os antigos valores pouco ou quase 

nada significam. 

A começar pelo velho e bom respeito

aos pais, aos mais velhos. 

Oremos, alea jacta est. 



 


segunda-feira, 16 de outubro de 2023



                o melhor sexo do mundo





Quanto tempo dura uma transa ?

Um minuto, 2, 5, incríveis 10 minutos ?

Uma coisa é certa : não há homem que não se preocupe

com seu desempenho na hora H.

Algo que para a mulher, exceto talvez as prostitutas, é quase

irrelevante. Natural. Por n motivos, a maioria delas sequer goza.  

Já para o homem, o sexo é sempre desafiador. 

Começa pela obrigatória ereção, sujeita as mais diversas

condições, desnecessário enumerá-las aqui.

Superado esse, digamos, primeiro obstáculo, é chegada a hora

mais prazerosa mas nem por isso menos cabulosa, 

ou seja, o desempenho propriamente dito.

Fazer a coisa durar.

Sentir e proporcionar prazer.

Explorar todas as possibilidades.

Sim, explorar todas as possibilidades. Sem tabus, pudores, 

implicações de ordem moral.

Ninguém deve se envergonhar de nada na intimidade de um casal.

Sexo bom é sexo sem-vergonha, sem nojinhos, frescuras.

Sexo bom não dispensa safadeza, palavrões, tapinhas e até tapões.

Sexo bom é a melhor coisa do mundo. 

Não importa quanto tempo dure. 

Um minuto, 10, ou as famosas horas e horas do sexo

tântrico, o que vale é a tesão, não há regras, 

se a primeira foi rapidinha, o negócio é caprichar na segunda, 

e aí cabe a mulher dar "uma força", 

não há nada que uma conversa franca não resolva. 

Quando há desejo, não há impecilho.

Só não esqueça que o melhor sexo do mundo 

é o sexo com amor.






 


 















 

domingo, 15 de outubro de 2023


                                        horror, horror...

                                     ( preito ao povo judeu )




inimaginável a aflição

inimaginável a dor

inimaginável o horror 

ante a fúria assassina de seres saídos

dos piores pesadelos

das profundezas do inferno

o que justifica tanta crueldade ?

civis massacrados, mulheres violentadas,

crianças, bebes arrancados dos braços

dos pais e decapitados sem dó nem piedade.

horror, horror, horror

como não esperar um revide à altura ?

uma retaliação igualmente cruel

posto que, como em todas as guerras, quem mais

sofre é a população, os inocentes

que Deus é este que permite tantas atrocidades ?

mesmo - e ainda - contra o povo que elegeu como seu

mas que desde os tempos mais remotos

padece nas mãos dos mais diversos inimigos.

que Deus é este ?

que mundo é este em que as pessoas se odeiam

e se matam gratuitamente,

desvirtuando crenças, tiranos no poder, 

mundo de genocídios, holocaustos,

horror, horror...


 

sábado, 14 de outubro de 2023


                                  trincheiras


                                          "os virtuosos hão de sempre ser louvados"

                                                         (Mário de Andrade)



A vida é bela porquanto monstruosa e magnífica.

Feito espigas de colheitas triunfantes e atrozes.

A revelia das futilidades merencórias.

Convenientemente conjuradas por demônios imaculados.

À imagem e semelhança do Criador.


A vida é bela em meio ao ódio sem perdão.

A vida é bela entre insultos e agressões.

A vida é bela para assassinos e ladrões.

Repleta de disparidades crônicas e adiposidades morais.

O clamor surdo dos martírios ecoa per omnia saecula 

saeculorum.

A mansa noite fecha as pálpebras dos imolados sem razão.

Para que seu luto impuro não perturbe o sono dos justos.


Como é bonita a vida !

A vida farta, livre de dores e aflições comezinhas.

Embalada pelo gozo dos prazeres mundanos.

A vida que renasce para que sejamos mais fortes.

Transfigurada além das profecias.

Eterno é o homem e sua ambição fumarenta.

Alheio a desgraça alheia.

Das gentes sem nome, sem lar, sem pátria.

De quem é a culpa ?

A vida desgraçada dos deserdados, o diabo que os carregue !

Nada muda, nada mudou desde que o mundo é mundo.

A vida é boa, conquanto desigual e desregrada.

O puro e o heroico permeiam a inquietação fulgurante

da felicidade.

Nas armadilhas do conforto e nas lassidões do espírito,

Madalenas de fino trato fazem as honras da casa.

Miséria pari vassalos do hediondo.

Fraternidade escassa cava trincheiras em nossos peitos.

Com o risco de despertar tudo o que de melhor

e mais raro

hiberna dentro de nós.













quinta-feira, 12 de outubro de 2023



                                  o outro que não fui





O outro que não fui 

é o filho que toda mãe queria ter.

O filho pródigo que não desonrou a casa paterna.

Que fez de tudo para destruir-se sem conseguir.

Expert na arte de transformar nada em tudo.

Constante em recomeços que curam.

A exuberância do ínfimo o fez gostar do que é.

Tornou-se outro quando a luminosa adolescência morreu.

Vivendo como se o tempo não passasse.

O desespero de não ter uma casa já não o afeta.

A sabedoria que lhe faltou ainda palpita, hostil, 

entre vultos e defuntos.

A fábula perfeita envenenou a carne insatisfeita.

Do outro que não fui. 




  




domingo, 8 de outubro de 2023



                       o pecado original






Invento os sintomas da doença

mais antiga.

Às vezes talvez tampouco entendo

algo que não está morto.

A luz cega 

o olho vivo e poderoso

retribuindo a simpatia dos deuses mais cruéis.


Enquanto a flor do cardo perde seu ardor

novos arrimos circundam

as coisas sem história.

A vaga memória culpa e perdoa.

A melhor parte de nós sempre fica para trás.

Verdades e mentiras se evitam mutuamente.

Quando se tocam, finalizam seu papel de engodo 

e troça.


Deixemo-nos respirar ares duros e silenciosos.

Corpos cansados não refletem dor nem alegria.

Tudo aquilo que repousa na manhã fresca

retorna ao ventre asqueroso.

As dobras do tempo barbarizam os filhos do severo nume. 

A partir do pecado original de Santo Agostinho,

tudo o que passou não existe.

Nem o mundo nem o universo se explicam.







                                paranoias





Não se culpe quando algo acaba.

Não antes de conhecer à fundo os fatos.

Tenha em mente que as coisas não dependem

só de você.

Esteja certo de que ninguém dá a mínima

para suas razões,

nem quer saber da sua dor.

O ser humano é egoísta por natureza

e o amor não é garantia de nada.

As coisas dificilmente acontecem como a gente

espera,

as pessoas dificilmente são como a gente pensa.

Imaturidade, ansiedade, males que comprometem

qualquer relação.

Ninguém aguenta viver em meio a conflitos e incertezas,

frutos da instabilidade emocional.

Não se acostume com o que te machuca.

Por mais que você ame, não é justo permanecer 

em uma relação abusiva 

só por achar que um dia vai melhorar.

Porque as pessoas não agem como agiríamos.

Expectativas só alimentam paranoias.

Não se deixe enganar pelo coração.

Carências criam afetos imaginários.

Na medida do possível, seja racional.

Saiba dizer não se algo está te fazendo mal.

E por mais que doa, nunca se arrependa

de não aceitar menos do que você merece.




 

sexta-feira, 6 de outubro de 2023



                  o começo e o fim





Já não me vejo como antes.

Envelheci à sombra de mim mesmo.

Querendo ser o que nunca soube ser.

A falta de aptidão para o fracasso nunca me abandonou.

Tudo que fiz de errado deu certo.

Me arrastando pelas sarjetas 

meu verdadeiro eu encontrei. 

A banalidade da existência não sabe 

se eu nasci ou morri.

Em mim se imbrica o começo e o fim.

No pedestal do tempo jaz o jardim sepulcral

de Mallarmé.








domingo, 1 de outubro de 2023



                       o frágil equilíbrio das coisas





O frágil equilíbrio das coisas é o grande milagre

que se perpetua.

Calmaria e loucura convivem em perfeita harmonia.

Não obstante ser mais fácil odiar do que amar,

a vida só vale a pena enquanto o amor perdura.

Digo-o, hoje, mesmo tendo todos os motivos

do mundo para maldizê-lo.

Mas eis que o tempo reestabelece o frágil equilíbrio das coisas. 

Porque nessa vida o efêmero deflora os lirismos ingênuos,

e aniquila os sentimentos,

até aprendermos a viver sem depender deles.

Calmaria e loucura, tudo a seu devido tempo.

A vida é sábia. Nós é que complicamos. 

Estragamos tudo. 

Para só então aprender.

  




 



  


 




                       entre dois tempos




Há um muro invisível entre nós.

O nosso jeito de pensar têm muitas linguagens.

Tão perto e tão longe dos enredos sonhados.

De tudo há de surgir um entendimento duro.

Ainda que inventando o que não existe.

O afeto vulgar e triste emparedado entre dois tempos.

Construindo e desmanchando, continuamos 

porque não podemos senão continuar.

Porque não há mais para onde ir.

Nascemos um para o outro.




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