segunda-feira, 30 de setembro de 2019


           

                        A LEI DAS SELVAS








As criaturas andam, nadam, voam.
Algumas correm, outras rastejam.
Todos se viram como podem.
Para comer e não serem comidas.
Ninguém está à salvo.
Mesmo os fortes um dia sucumbem.
Todos se igualam na impermanência das coisas.

Inclusive o bicho-homem.
Que faz isso tudo e um pouco mais.
Além de andar, nadar, voar, correr
e rastejar (por sinal, muito bem, quando lhe aprovem),
foi agraciado com a dádiva suprema de pensar.
Nem todos por conta própria, é verdade,
mas sempre apto a aprontar, engendrar, trapacear,
enfim,
tirar proveito de seu peculiar instinto de sobrevivência.
Peculiar em função de outra singular
característica : a maldade.
O prazer de espezinhar, de maltratar,
aniquilar seu semelhante.
Vocação eventualmente relacionada a crença 
em deuses
impiedosos e sanguinários.
Em nome dos quais as mais pavorosas matanças, 
flagelações e genocídios foram e são cometidos.

A lei das selvas é a lei da vida.
Desde os primórdios, tudo sempre esteve escadeado.
A cadeia alimentar, o processo evolutivo.
Segundo o qual, somos macacos civilizados.
                                    Em termos, é claro.
Afinal, quem destrói, polui, estupra, mata por sadismo,
pode ser tudo, menos civilizado.
Talvez porque, no fundo, não passemos de intrusos no planeta.
Vindos do espaço,
híbridos de alguma civilização mais avançada mas
degenerada.
Os deuses astronautas, de quem falavam os incas, maias,
e antigos povos já extintos.
Quiçá mais próximos da verdade do que 
o homem moderno e seus sofisticados apetrechos.

Fomos e continuamos proibidos de saber.
A perversa e sádica ordem mundial não deixa.
                                         A Igreja não deixa.
Já matou milhões para manter o monopólio da verdade
e a fé em santidades de araque.
A ciência evoluiu vertiginosamente
mas ainda não consegue responder 
as perguntinhas básicas que nos afligem desde sempre.
Deus existe ? De onde viemos ? Para onde vamos 
depois de morrer ?
Se é que viemos e vamos à algum lugar.
Ora, mais sensato é aceitar que tudo acaba 
como começou.
Em cinzas, barro, pó, merda.

As criaturas andam, correm, nadam, voam,
rastejam.
São programadas para tal.
Por quê, a propósito ou a troco de quê, ninguém sabe.
Quanto mais pensamos, especulamos,
mais confusos ficamos. 
Mais sujeitos às empulhações
e charlatanices nos vemos.
A lei das selvas ainda é a lei da vida.
Todos se virando como podem.
Basicamente,
para comer e não ser comido.















domingo, 29 de setembro de 2019


MOINHOS DE VENTO


Breves e pequenos momentos.
Breves e pequenas alegrias.
Breves e pequenas compensações.

É tudo que a vida nos reserva. 
Alegorias. Fantasias. Não faz diferença, 
posto que tudo breve e efêmero.

Há que ter consciência da transitoriedade de tudo.
Reter o essencial. A essência.
Antes que o tempo se esgote.
Que seja tarde.

Você sabe, 
o caminho do aprendizado é tortuoso.
As transições, os moinhos de vento, 
há que estar preparado para as mudanças, 
os excruciantes desafios.
Saber entrar e sair de cena.
Saber o tempo de cada coisa. 
Não procrastinar quando acaba, 
para não estragar o que foi bom 
enquanto durou. 




  

















O pior de bancar o idiota
é que ninguém te obriga a ser.
É por querer.










sábado, 28 de setembro de 2019




          velha e desaparecida amiga






Cantamos o amor.
Louvamos as amizades,
os laços familiares.
Certamente, sentimentos nobres,
que nos humanizam.
Porém, nem por isso à prova de tudo.
Sequer duradouros.

Notoriamente, os vínculos afetivos são os que 
mais sofrem
nesses tempos fluídos.
São tantos os apelos e distrações
que desaprendemos a amar,
a confiar.
A nos doar com a devida intensidade.

Justamente, pela falta 
do sentimento mais sublime.
O alicerce de todos os outros.
A capacidade de se por no lugar do outro.
E mais do que isso, sentir, 
tomar as dores
e aflições alheias como se fossem suas.

Sim, nossa velha e desaparecida amiga, 
empatia. 
A atemporal centelha que nos faz
verdadeiramente humanos.
Menos imundos.



sexta-feira, 27 de setembro de 2019



                              como pode, como pude?


que o amor e os relacionamentos 
acabem,
parece tão absolutamente normal 
que sofrer é tolice, [um desperdício].
pense, não vale a pena,
quase sempre não justifica.
se acabou é porque não vale a pena [sofrer].
pois o que vale a pena não acaba.
não assim,
do nada, a troco de nada.

além do mais, ficar sozinho não é tão ruim.
até para variar, sair da mesmice.
de repente, aquilo que parecia único, [insubstituível],
deixa de ser.
e nos perguntamos : como pode, como pude ?
tanto tempo perdido.
portas que se fecharam.
é quase de se alegrar, [comemorar].
somos todos doentes.






quarta-feira, 25 de setembro de 2019



                           sobrevida



               


Nesse mundo,
ninguém escapa de se ferrar de algum jeito.
De ser ferido, ferir alguém.
Dificilmente haverá algo mais triste do que
ser mandado embora de casa.
Uma floresta em chamas, talvez.
Mas eu não ligo, quero que o mundo se dane.


Eu morri num domingo à tarde, logo após o almoço,
mas ninguém notou.
Meu filho jogava vídeo-game no quarto.
Minha mulher, lavando louça na cozinha,
ao mesmo tempo em que falava com a amiga
no watts ap. Horas à fio.
E meu corpo ali, esfriando, 
jogado no sofá, com direito à fundo musical - era meu
programão dominical. 
Por um tempo levei a vida assim, paralisado, 
mumificado,
até que um dia minha mulher mexeu no meu celular
e achou uma ligação perdida suspeita.
"Eu sabia ! Você continua saindo com putas.
Arruma suas coisas e pode sair, ou saio eu.
E levo meu filho comigo e nunca mais vai nos ver".
Assim mesmo, na bucha, categoricamente. 

Bom, para quem já estava morto mesmo, de aviso prévio,
não fez 
muita diferença.
Peguei alguns trapos
e me mandei.
E desde então, ganhei uma sobrevida, 
Vê se me entendem, eu estava morto
na minha antiga vida, e não sabia.
Era um estranho no ninho na minha ex-casa,
Onde um pardal era só quem ligava para mim.
Que também morreu, logo depois que eu sai.
Fui esculachado, humilhado, descartado.
Menos do papel de provedor.

Mas faz parte.
Estamos condenados a arcar com as triviais
e imensas tarefas que assumimos.
Todavia, tudo seria mais fácil 
se nos fosse permitido
um ínfimo sentimento de gratidão e reconhecimento.
Um consolo para os momentos 
em que a sensação de perda, colapso, faz tudo parecer desperdiçado. 
Miseravelmente inútil.
















  











terça-feira, 24 de setembro de 2019




                 saco de pancada


Nunca pensei que isso me aconteceria.
Nunca pensei que isso me aconteceria.
Nunca pensei que isso me aconteceria,
É a frase que mais tenho repetido ultimamente.
Bordoada atrás de bordoada.
Depois de velho, virei saco de pancada.
Das pessoas, da vida.
O velho safado do Bukowski tem razão,
"o processo de viver é curto demais e longo demais
longo demais para os velhos que nunca descobrem 
curto demais para os velhos que descobriram
prematuro demais para os jovens que nunca sabem
excessivo demais para os jovens que descobrem."















domingo, 22 de setembro de 2019

                      


               bukowski & quintana


O gorjeio no melro de minha noite
Depois que é o corpo arremessado sobre o cais 
do sono
Quem poderá dizer o que é feito de sua alma milenária ?
Por entre respiração de pechblenda
Acaso
Ajunta-se às demais no primitivo abandono do mundo.
E que os condados aumentem seus impostos
Acossada em grutas, em profundas florestas
E o lenhador sinta coceiras em seu sono
Onde se desenrolam imensamente as serpentes

Gorjeio no merlo de minha noite
E arde em silenciosa brasa o olhar fixo das feras ?
E que os exércitos se vistam para dançar
Nas ruas, e garotinhas 
Beijem as frutas que enchem suas barrigas
Ou prostam-se ante os deuses bárbaros
Com seus látegos de raios

Gorjeios de merlo da minha noite
A seus pés de pedra imóveis e pesados como montanhas ?
Esgote os seus verões em grunhidos e gemidos
belisque os caules dos lírios quando
O coração do câncer queimar o amor
Ah, leva então muitos e muitos séculos até que a                  madrugada
Feita do cricrilar dos derradeiros grilos
O gorjeio no merlo na minha noite
Gorjeio na nota
Das cabeleiras úmidas e pendidas dos salsos
Meu país é alto para cair
A ferrugem dos dias
De Moscou a Nova York
Até que a mão da madrugada afague
Acrescenta um terror de horas
Mas não reclamo
Suavemente as feições do adormecido
                                                   à deriva
Os dez mil beijos
Ou os paus e as pedras
Ou Roma quebrada

Sim ! À noite, as almas deste mundo
Vagam em alcateias como lobos
Mas espero a sua nota
O medo as traz unidas e ferozes
E só uma ou outra - a minha ? - as vezes solitária, fica...
Meus dedos arranham
A mesa iluminada do sol
- Olha ! Aquele negro, aquele enorme cão
Uivando para a lua.  



Pense em dois estilos antagônicos, duas visões distintas de realidades díspares, um cru e lacônico, o outro lírico e contemplativo, aparentemente tão diferentes e incompatíveis quanto água e azeite. 
Pois assim é a poesia de Charles Bukowski e Mario Quintana, o primeiro como se escrevesse com uma pedra na mão, e o outro, com uma flor. Mas em se tratando de poetas de primeira grandeza, e entre os meus favoritos, só de brincadeira intercalei os versos de dois de seus poemas mais conhecidos - Gorjeio No e Alma Perdida - e não é, ambos meio que se locupletam ? 


sábado, 21 de setembro de 2019




                      assobio de cobra






Animal-máquina. Animal-planta. Ante-sujeito sub-humano.
Nascido super-dotado, astuto, ladino,
subutilizado.
Senhor e servo em semisselvagem atavia.
Alma de púcaro, rampance mocho-rapado.
Rearruma-se no quebradiço espaçotemporal,
reassenta-se na faina ordinária.
Quinta-essência de demiurgo psicomorfo.
Na rádio-vitrola, a moda de viola sacode a poeira
no rodado de Nossa Senhora.
Conquanto já não se vê balançar
o rabo do balanço-rabo-de-bico-doce.
No bambu-bengala ou no bambu-da-China.
Na fonte em que o batuque-boi bebe água.
Prestes à fazer companhia aos dinossauros.

Já nós, humanos,
proliferamos feito baratas.
Pseudo-sábios na proto-história que protagonizamos.
Renascendo ciclicamente das cinzas.
Destrói, se auto-destrói, e ressurge revigorada,
eis o mistério da saga humana.
Da pedra lascada ao megabytes
mea culpa não cabe.
A intra-cultura de incúria não nos protege.
Heróis e tiranos se igualam. 
Bárbaros colonizadores moldam a História.
Da escuridão fez-se a luz, a estrela de Davi 
ainda cintila.
A fúria exterminadora das Cruzadas, dos exércitos de Alá
insanamente fiéis aos livros sagrados.
O sangue dos inocentes segue sendo derramado.
O ritual macabro segue sendo executado 
das mais mais diversas maneiras.
A doença do mundo é incurável, trágica e renitente .

Dize tu, direi eu 
O Divino Verbo nos consola.
Doce de pimenta arde mas eu gosto.
Dez pés em quadrão é a medida padrão de meu desconsolo.
Dores de amores não matam mas torturam.
O cu do mundo eu não conheço.
Já inferno dizem que é aqui.
Não sei, nem quero saber.
Cossignatário da declaração universal da ignorância humana.
Cotípico counívoco covidente covariante 
catingueira-brava,
reza e mandinga não me faltam.
Conto da carochinha, conto do vigário, cartomantes,
pais de santo
médiuns
a mesma conversa fiada.
Já cai em todas.

Na coirmandade desacredito, posto que ninguém é confiável.
Filhos te voltam as costas, amores se diluem em
lenta agonia. 
Todos traem, de uma forma ou de outra, todos nos traem.
Judas fez escola, 
Brutus nem se fala.
Os deuses brincam de cara ou coroa 
para ver quem morre.
Onde é a tragédia do dia.
Carros-bomba, bombardeio à civis, tiroteios,
ainda bem que sempre muito longe.
Enquanto seu lobo não chega.
Mais uma razão para curtir a vida enquanto se pode.
Beber, dançar, copular enquanto se pode.
Contentar-se com os pequenos prazeres.
Andar no calçadão, pescar baiacu na praia,
jogar Uno, vídeo-game.
Ou simplesmente tomar um expresso na padaria,
ouvir a conversa fiada em volta.
alguém comenta que houve 65 mil assassinatos 
no Brasil no ano passado, que estraga-prazeres...

Animal-máquina, animal-flor, animal-apanha-migalhas, animal-baba-ovo,
animal-apanha-moscas, animal-apanha-o-bago,
animal-estúpido, animal-baba-pica, animalesco, aperta-chico, aperta-livros.
Animal que aperta mãos, animal-ladrão, animal que apunhala,
animal-que-canta
Animal-que-joga-bola.
Animal-que-ama, desama, que sofre de incontinência
urinária.
Animal-ridículo, que perdeu o senso do ridículo.
No ato-show se perde, no auto da fé se reencontra.
Feito assim-assim
Como assobio de cobra, que batiputá-bravo !  






















sexta-feira, 20 de setembro de 2019





      
     menino urbano, menino interiorano




O menino interiorano, 
quando vai pela primeira vez à cidade grande,
se assusta, no começo estranha,
mas logo se acostuma.
Se encanta com a agitação, as opções de lazer,
shoppings, fast food, parques temáticos,
sempre há o que fazer.

O menino urbano, quando vai para o interior,
logo se entedia.
Acha tudo parado, chato.
Nem repara na infinidade de pássaros, animais,
bichos silvestres.
Estranha a comida, se assusta com qualquer
inseto diferente, tem medo até de formiga.

Recentemente, levei meu filho adolescente 
para conhecer minha terra natal, 
rever a família, no interior
do Rio Grande do Sul.
Lugarejo pequeno, devagar quase parando, 
fui logo avisando.
Estranhou, é claro, ainda mais com o sinal fraco
da Internet, pensa em alguém mal-humorado...
Foi uma luta fazê-lo prestar atenção 
na belíssima paisagem, 
nos recantos paradisíacos ainda quase intactos.

Mas engraçado mesmo foi ver sua cara 
quando lhe apresentei
alguns personagens marcantes de minha infância.
Grilos, gafanhotos, sapos, só faltou os vagalumes, 
segundo meu primo, praticamente extintos, 
o que me causou grande pesar.
Relutantemente, andou à cavalo, adorou pescar.
Encantou-se com os riachos e as cachoeiras, mas
abriu mão da melhor parte : achou a água muito fria.
"Se fosse aquecida...", teve a coragem de gracejar.

Ah, esses meninos urbanos...
Tão valentes e destemidos à frente de seus vídeo-games
e joguinhos letais, 
mas na roça,
na vida verdadeira,
correm até de um simples garnizé...


































quinta-feira, 19 de setembro de 2019



                                           um pingo de fé






Irmão, mano, brother
presta atenção.
Se acha que as coisas vão fluir, acontecer,
não vão, não.
Se pensa que alguém vai te dar a mão, espera sentado.
Só se for para te afundar.
Jogar pedras.

Irmão, mano, brother
Se acredita que vão te entender,
ver o teu lado, esquece.
Vão é meter  o sarrafo.
Pisar em cima, tripudiar.
Bem feito, dirão, lavando as mãos.
Se imagina que, com o tempo,
as coisas vão melhorar,
as pessoas te tratarem melhor, te valorizar, etc e tal,
pode tirar o burro da chuva.
Vão é te menosprezar, difamar.
Não esqueça, quem julga, julga pelo que é,
e não pelo que VOCÊ É.
Sob padrões que nem Jesus Cristo se salva, quanto mais você.

Daí que por precaução,
melhor não esperar nada de mão beijada.
Nada de ninguém.
Porque de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.
Pois mesmo quem pode ajudar, não ajuda,
porque no fundo acha que ninguém merece.
Que quando precisou também, ninguém ajudou.
O que nem sempre é verdade.
Para a avareza e a ruindade, pretextos não faltam.

Mano, irmão, brother
Há que encarar a realidade.
Estudar, trabalhar é o único jeito.
A menos que prefira dar uma de esperto,
roubar ou arrumar algum trouxa para enrolar,
Mas aí é uma questão de foro intimo.
De caráter, decência. Essas coisas tão em desuso,
mas que ainda tem o seu valor.
Convém não esquecer que o caminho mais fácil
geralmente é um caminho sem volta.

Não, não estou exagerando, radicalizando.
Ninguém me contou.
Falo por experiência própria.
Mas, vá lá, faça um teste.
De repente, dá sorte.
É premiado.
Os bons ainda sobrevivem.
Cada vez mais arredios e receosos de pagar de otário,
mas quem é de boa índole
não muda.
Não renega as origens, o berço.
Não esquece quem um dia também foi ajudado.
E quem os ajudou.

Sei lá, por mais que as coisas tenham mudado,
continuo pensando que ser respeitado,
poder olhar um filho de frente,
não há dinheiro que pague.
Afinal, são pessoas assim que ainda
permitem manter um pingo de fé na humanidade.
















                    sofisma


Quem cala consente ou é sábio ?
Se não cala, não consente nem é sábio ?
Ou é sábio calando sem consentir ?
Ou consentindo sem calar, 
é sábio por consentir ou não calar ?


quarta-feira, 18 de setembro de 2019







                REPETITIVA E CANSATIVA






Na modernidade líquida,
a vida desidratada.
Tudo rápido e fluído, 
à escorrer entre os dedos.
Nada se retém.
Nada se detém.
O que se ganha, se perde com a mesma
facilidade.
Gosta-se e desgosta-se.
Ama-se a desama-se 
A transitoriedade dos sentimentos
na dispersão dos interesses.
Os relacionamentos diluídos no mundo virtual.
Conhece-se todo mundo e não se conhece ninguém.
A banalização de tudo.
As aparências não enganam.
Altas autoridades são os primeiros a prevaricar.  
Embustes, farsas, 
inocência e ignorância, tudo misturado.

As relações, repetitivas e cansativas.
As dores, repetitivas e cansativas.
A vida, repetitiva e cansativa.
Os reveses, as insatisfações, corroendo silenciosamente
as entranhas.
Quando se vê, o enfarte, o câncer.
E o mundinho desaba. 
A cota de oportunidades se esgota, 
na falta de perspectivas, nas expectativas frustradas.

Vivendo sem viver, 
a vida desperdiçada sem razão de ser.
Sem nada de que possa se orgulhar ou fazer.
A não ser a consciência suprimir,
e continuar fazendo de conta
que está tudo bem. 
Que nada tem do que se envergonhar.
Ninguém liga mesmo.
Um filho da puta a mais ou a menos 
não faz diferença.


















O grande problema dos falsos e mentirosos
é que são desinteressantes,
sendo apenas o que são. 
Precisam de artifícios para passar 
pelo que não são. 





terça-feira, 17 de setembro de 2019





                     acasalamento                  





  

Pássaros madrugadores riscam a noite.
Algo está errado,
que diabo está havendo?
Essa cantoria
às 3 da manhã,
isso são horas para tamanha algaravia ?
Ainda que por uma boa causa ?

Ora, Ivan, deixa de ser ranzinza,
me adverte um amigo. 
É época de acasalamento, 
acaso já não fizeste loucuras 
pelo mesmo motivo ?




segunda-feira, 16 de setembro de 2019


                                                   
                             libertação







De tudo que me era mais caro, 
pouco ou quase nada restou.
Perdas, privações, ausências, 
da vida que partiu-se ao meio.  
E o que agora se impõe, 
diante da inexorabilidade das coisas,
é desapegar-me da inútil bagagem, de tudo que pesa
e para mais nada serve.

E assim, os mistérios e falsetas ignorar,
posto que indecifráveis, inevitáveis.
As pequenas conquistas valorizar, 
dentro do que hoje me é possível alcançar.
Os infortúnios e decepções aceitar 
como um preço à pagar. 
Sem lamentar, sem me abater, 
em sendo o infalível contraponto 
que a vida embute. 

Ser o que é possível ser, sem vínculos, expectativas.
Às crenças e sentimentos coercitivos abdicar.
Renunciar ao que não faz bem,
ao que não nos pertence.
No incognocível, conhecer-me.
No declínio, ascender a um novo patamar.   
No vazio, a plenitude achar.  
E sobretudo, a libertação de tudo que ficou para trás.
Para o futuro, sem futuro, de cabeça erguida enfrentar.





  
  







sábado, 14 de setembro de 2019



                                                            repulsa






  
Ah, essa súbita e abençoada resignação.
Na evasão dos anseios e antigos sentimentos.
Por já não ver as coisas como via.
E sim como são.
A inutilidade de compreender, decifrar
O que foi irremediavelmente perdido.

Não, não serei mais motivo de chacota. 
O que sinto agora é um horror repentino. 
Uma repulsa incontida 
das coisas imundas que agora se revelam.
Nojo, aversão daquela
que com seus latos e andrios artifícios,
por tanto tempo
a mais torpe realidade escamoteou.

Resignado, purgo meu castigo.
Perdido o que eu tinha e o que julgava ter,
um pedaço de mim deixo para trás.
Um dia a verdade virá à tona.
O tempo me fará justiça.
Ainda que postumamente.
Posto que a vida, mais vazia, 
Com tua ausência mais se abrevia.  

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                                            segredos de Polichinelo





               
Nada é o que parece,
e o que é, 
não é confiável. 
Daí a denegação sistemática de uma realidade que nos oprime.
Ou não  ?  De repente, é exatamente o contrário.
Complicados somos nós. Nós é que não vemos
as coisas como realmente são.
Que na verdade, são o que não são.

Em conjecturas mil nos debruçamos,
diante do aleatório, a mente consciente, 
consciente de nada. 
A vida ardendo a cada momento.
Na metafísica das pocilgas e charcos 
em que nos embrenhamos, o depravado mundo 
exige que o sacrifício
seja lento e injusto.

Equilibristas na corda bamba da existência,
entre a cruz e a espada nos esgueiramos.
No holograma da vida, o nexo, o sentido
e o pressentido, enrodilhados no tempo.
Cumpre viver o intenso momento.
Apartados do que passou, do que não existe mais. 
O que virá,
à Deus ou ao demônio pertence.


Sim, porque em todas as coisas, 
há um lado bom e um lado ruim.
Um lado bom e um lado ruim nas pessoas.
Que sorriem e sofrem,  
enquanto o tempo destruidor age.
O espírito torturado engendra mecanismos 
para tornar a vida suportável.
Abscôndita, a balança pendendo entre o vivido e o inventado.
Nas hospedarias da ilusão refugiada.

Segredos de Polichinelo : 
aperceber-se do lado bom nas coisas ruins. 
De quando os sentimentos deterioram,
as relações acabam, 
poder livrar-se da carga tóxica que agregam.
E depurada as coisas, 
superar os traumas e culpas, 
a vida torrencial nem à Fausto, nem à Mefisto consagrar.

Não obstante, eis que hoje me vejo compelido
a ser o que não sou. 
Os grandes e nobres propósitos em nada me ajudaram.
Para nada se prestaram.
O mundo é para quem não tem escrúpulos,
e não para quem acalenta sonhos impossíveis.
Ante a inutilidade de tudo que aprendi,
ascender à anódina indiferença.
Vencido, porém lúcido.
À conspurcada realidade aderir. 
Graças a ti, desci ao fundo do poço. 
Não era o que querias ?
Destruir todos os resquícios do amor,
degradando-o ?















  

















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