sábado, 24 de fevereiro de 2024


                                 perto dos meus longes





Minha vida é uma janela aberta para o nada.

De onde me refaço contemplando o inexistente.

Meus dias, feras enjauladas, tateiam a superfície dos

sonhos desfeitos.

Descomplicar é preciso.

Reconsiderar é preciso.

Viver a vida sem que as palavras a representem.

Pensar mais nos vivos do que nos mortos.

Mesmo que os tempos idos tenham sido os melhores.

Rendemo-nos aos fatos : as coisas se resolvem por si mesmas.

Não é à toa que o mundo dá voltas.

Aqui e agora é tudo o que importa.

Jamais nos livraremos das imposturas, mas o tempo

é o melhor unguento, e o sofrimento nos faz melhores. 

O inexplicável se descobre pouco a pouco, entre capitéis

e colunas perenes.

Perto dos meus longes é onde gosto de estar.










sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024



                                         medo





Vivemos com medo.

Medo de perder o emprego.

Medo de ficar doente.

Medo do futuro.

Medo de não dar conta

de pagar tanta conta.

Medo de ladrão.

Medo do Xandão.

Medo de amar e não ser correspondido.

Medo de ser esquecido.

Todo mundo tem algum tipo de medo.

Meu medo é andar de avião.



quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024



                sem querer, querendo





Às vezes me pego pensando nela.

Sem querer, querendo.

Porque as lembranças de um grande amor

com o tempo se sobrepõem a raiva.

A longo prazo tudo arrefece.

Amor e ódio.

Ódio e amor. 

Forças antagônicas, quando misturadas, 

acabam se neutralizando.

E o que sobra é um misto de mágoa e nostalgia

que não consta no dicionário.




 




terça-feira, 20 de fevereiro de 2024


                      a vida não é para amadores





Não, a vida não é para amadores.

Mas não sejamos tão exigentes.

Conosco e convosco, sigamos além do engano.

Apesar dos pesares, o agora se ajusta a indubitável espera.

Ao bulício das colheitas de ternura. 

A azáfama das plantações que pendem maduras.

A paz chucra clama pela ausência dos males.


Não obstante a alma cheia de delírios, não é a paixão

que me desencaminha.

Ah, meu amor, talvez nem sintas o que eu sinto.

A vida por demais assombrada inventa mundos novos.

Flores apaixonadas escutam as estrelas. 

Tu me adivinhas sobre teu corpo manso, cheio de passados

e futuros.

Grandioso e carrancudo, o amor colhe animosidades

desconfiadas.

A luz dos roteiros distorcidos de antigamente, um tremor 

me alucina os pensamentos.

Não, a vida não é para amadores. 

Não há sabedoria que chegue. 

Ao sarcástico predomínio da matéria de bom grado

sacrificamos a alma indolente.







 





domingo, 18 de fevereiro de 2024



                      pelo que seremos lembrados





Nossas atos respondem por nós.

Sob critérios que nem Deus entende.

Boas intenções não contam.

Reputação que se respeite consiste em conciliar 

conceitos e preconceitos.

A cama de Precusto é à gosto do freguês.

Judas é mais lembrado pela traição do que por ter sido 

o apóstolo favorito de Jesus.

Os três "nãos" de Pedro pesam mais do que seu

grandioso apostolado.

Uma ação impensada, uma decisão impulsiva, 

um filho indesejado, e o estrago está feito.

Erros, eventuais infâmias, pecados sem perdão, nunca falta

quem atire a primeira.

Mais sorte tem um cão, que não tem inimigos.

Sistematiza-se os contatos, os contrastes, difunde-se 

as versões, as exaltações graveolentes  

oriundas de cada liberdade malsinada, impregnadas

do suar negro da morte.


Tudo somado, somos e seremos binômios infames,

teleguiados putativos, arremedos de finestras malditas, 

belezas fraccionadas,

o bem e o mal embolados, trocando de lado, vida e morte

no mesmo corpo, ação e vocação sob o chumbo 

trocado das tentações. 

À mercê de tentáculos desembaraçados de si mesmo.


O homem liberto tudo pode. O duro aprendizado se resume

em não saber.

A honestidade é uma faca de dois gumes, dividimos 

para somar.

O preço da existência é impagável. 

Antros de perdição nos espreitam.

Descortina-se o inimaginável em detrimento do impensável.

Somos aqueles que a morte emula e emoldura.

Na fim das contas, pouco ou quase nada dura

na vida oca e de barro.







                             aprendizado



Não o que está escrito nos livros.

Não o que ensinam na escola.

Não o que mentores de araque proclamam.

Parta do pressuposto de que tudo é falso, enganoso.

Talvez aí aprenda alguma coisa.





 






                os jogos do mundo





Virão os desgostos, os poços sem fundo.

Virão as chagas dos martírios e injustiças.

Virão as mirras das tragédias, o choro dos perdedores.

Virão dias bons e dias ruins.

Que passarão da mesma forma.

A vida renasce a cada manhã caiada de novo.

Respire fundo, não deixe ninguém nem nada te afetar.

O tempo audível te fará justiça.

Talvez os jogos do mundo te confundam

mas continue jogando, nunca deixe de tentar.

A faina das conquistas implica em tropeços, erros,

decepções.

Em suma, tudo serve de aprendizagem.

A virtude é fugaz, porquanto em pacto inconsentido

com  o acaso.

Mas nem por isso se desvie do caminho do bem.

Lembre-se, as pegadas se desmancham, 

mas a caminhada continua.


 





quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024



                    para unir ou separar



 

Minhas tristezas aprendi a varrer para debaixo do tapete.

Me faço de forte quando minha vontade é desertar,

tomar um chá de sumiço. Sigo em frente por instinto. 

Sinto o que sinto porque minto para mim mesmo, 

quando minha vontade é de chorar,

mandar tudo para o raio que o parta.

Mas não sou burro, dou-me por feliz por chegar onde cheguei

com as próprias pernas, sem passar ninguém para trás.

Meu grande pecado foi trair quem mais me amou.

Sigo em frente porque não posso senão seguir em frente.

Ciente de que estou no lucro.

Que já vivi o suficiente.

Que tive e tenho muito mais do que mereço.

Certamente alguém lá em cima gosta de mim.

Alguém que é meu escudo, meu tudo, não há outra

explicação para ter sobrevivido, superado tudo

que superei.

Não me vejo com a idade que tenho, continuo cometendo

os mesmos desatinos, imaturo, inconsequente a ponto

de me apaixonar de novo e querer um novo lar, família,

essas coisas cuja data de validade é mais curta

que supomos.

Mas, ora, a vida é curta, como se diz, e a idade, 

o tempo, são apenas detalhes. Há que aproveitar, 

sem medo de ser feliz, acreditar que a realidade 

pode ser melhor que o sonho.


E verdade seja dita, tu nunca quiseste ser parte 

desse sonho. Te conheci quando ainda estava morno

o cadáver do amor da minha vida,  e me contentava 

com qualquer coisa que me davas,

basicamente sexo remunerado, tardes idílicas

que me levavam a tolerar tuas trapaças.

Mas eis que a vida, para variar, não tardou a dar o troco,

e para teu azar, o feitiço - no caso - virou

contra a feiticeira, e essa barriga que cresce a olhos vistos

te obriga a assumir o que sempre rejeitaste.

Loucura ou não, um vínculo eterno, um filho 

para dar testemunho do que fizemos e fizermos 

de certo e errado.

Um filho para fazer sorrir e chorar.

Para nos unir ou separar.











 







 





 
















quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024



                         roubando a loucura dos loucos





O tumulto das nuvens sobranceia almas triunfantes.

A elegância dos preconceitos emaranha-se 

em labores desafinados. 

A morte branca engendra ignorâncias iluminadas.

Nós somos a esmeralda das águas, a matiz dos colibris 

em chamas.

Ventres estéreis acalantam o mundo com seus

segredos estelares.

Cantarás e eu saberei que as feridas alumiam apoteoses.

Descansarás, pois, humildes e imaginosos

ante a clâmide austera da ciência.

Preceptores malsinados entretecem desditas silentes.

Roubando a loucura dos loucos.

Somos eras proferindo cascatas marulhentas em prol de ovações

proféticas.

Fídias esculpe o belo absoluto que a plebe ignara ignora.

Para que a erudição ? Para que o conhecimento ?

Universaliza-se a cultura do lixo para gáudio da humanidade.

LAOS DEO ! promulga a multidão apoplética.

Babel haveria de se rir de nosso destino.

Rastros de antigos acordes acabam em danças feéricas.

Nada se ajusta sem que se macule e se conspurque.

Não tenho nada contra, muito menos a favor.

Humanamente impossível não mentir.

Hoje, amanhã e sempre !

Marchamos certo, por causas tortas.

Trágicas criaturas, para onde vão ?

Votivas sensitivas ampliam os cemitérios.

Meu nome é amor mas pode me chamar de iva,

pássaro, anjo. 

Crucificado já estou.












terça-feira, 13 de fevereiro de 2024



                  a última morada





Lá onde veredas preguiçosas descansam

e rios sem perspectivas desaguam

nuvens dançam

manhãs silenciosas pastam

cismo o sereno silêncio

que desejaria ter 

como última morada.


Lá onde não há roubos, crimes, carnavais

moças de vestidos coloridos passam

crianças jogam bola na praça

e janelas abertas

espiam o tempo que não passa

sonho ter

como última morada.


Lá onde as inquietudes repousam como flores no caixão 

e o que passou já não importa

e o esquecimento suavemente vem

e o pobre amor caminha sobre as águas

quisera ter

como última morada.


Lá onde minha mãe cozinhava, fiava, tecia, 

e minha avó capinava, sem nunca perder a

alegria,

e o meu pai possuía essa grande força que o fez eterno,

e um eco bondoso paira sobre todos aqueles

que habitaram minha gloriosa infância

em lembranças que nunca me abandonaram,

vislumbro o menino que ainda há em mim 

a me levar pela mão

a última morada.









  


 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024



                    inquietudes





As inquietudes gestam desejos e preocupações.

Ou será o contrário ?

Vivo inquieto nem sei bem por que.

Mesmo quando tudo está calmo, invento torturas, 

rasgo a partitura que seresta os dias melodiosos.  

Do nada, o chão queima-me os pés e frita as certezas

emanadas dos antros da mente.

A inquietude circunda os interesses e lutas da vida 

que bufa e se barafusta sob bençãos e tristezas.

A ansiedade sodomiza medos e angústias.

Mas, a despeito de tudo, é sempre uma insuportável paz 

que obsidia a coragem perpétua. 

O sol quebrado oferece sua esperança corajosa.

Aceito de bom grado.



 

domingo, 11 de fevereiro de 2024



                  pequenas grandes coisas





Passará a dor

Passará o amor

Passará a juventude

Passará o tempo do plantio

Passará o tempo da colheita

Passarão os medos

Já não importarão os segredos

Tudo a terra há de comer.


Morremos em pequenos sorvos sem sentir

Passam os anos lhanos 

Assim como os insanos

Perdura, assim, como um livro a ser lido

Um mar a ser navegado

A vida que é ao mesmo tempo

Esperança e tédio

Doença e remédio.


Mas, ai ! Frente ao fluído inimigo

O inútil duelo jamais se resolve

Naquilo que não foi, nem pôde ser

Sofremos por coisas que existem

Sem existir

Luta o corpo contra o tempo

Pelejas que não pode vencer

Angústias na forja das emoções

Ódio, raiva, ressentimentos, coisas

Que envenenam a vida.


Quantos regalos nos são dados

E não damos valor

Todas as regalias e consentimentos

E não damos valor

Incapazes de ver nas coisas mais simples

Todo seu esplendor.

Ah, mas é apenas uma flor...

Uma manhã ensolarada e tranquila...

Um dia sem dor...

Pequenas grandes coisas que passam despercebidas

Desaprendidos de sentir o gosto da fruta

O cheiro da terra molhada de chuva

Das pequenas partilhas que permeiam

Um mundo amoroso e patético

Contra tudo o que maltrata e definha.


Da morte que nem morte é.















  


domingo, 4 de fevereiro de 2024



                          a espera pelo que não virá





Nada nos pertence, mas tudo queremos.

A espera pelo que não virá é infinita.

A espera do quê mesmo ?

Nem nós sabemos...


Há um momento em que as coisas todas

se resumem em morrer dignamente.

Afinal, até as coisas mais desejadas não duram.

E quando acabam, a sensação de desamparo é inevitável.

Pois o que resta de tudo é menos que pó.

Passamos a maior parte do tempo sonhando acordados

enquanto a vida 

mantém a promessa de felicidade, quebrando-a,

sucessivamente, 

até que tudo se transforme em despojos.







                              o único credo confiável




Abrahão foi um eleito de Deus.

Moisés foi um eleito de Deus.

Rezam as Escrituras que viveram

e morreram sob a proteção divina.

Os demais, sejamos francos, mais penaram

e sofreram do que outra coisa. 

Perseguidos, torturados, mortos, esquartejados,

comidos por leões, quase todos pagaram com a vida

por pregarem a paz e o amor ao próximo.


Ser cristão sempre foi sinônimo de sacrifício e privações.

E tudo pela simples promessa de obter algo tão subjetivo

como a remissão dos pecados e a vida eterna.

Nunca entendi a lógica de sacrificar o próprio filho

por nada, posto que a humanidade continua de mal a pior.

Sem dúvida, é uma bela narrativa.

Pena que sem nenhum sentido e efeito prático.

O homem é mau por natureza, e até os ensinamentos de Cristo

foram e continuam sendo deturpados.

Praticar o bem é o único credo confiável.  
















quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024



                                 o resto é resto





Insinua-se nas manhãs ensolaradas a inquieta alacridade

dos prazeres sem culpa.

A beleza passageira se renova, amorosa e transparente.

É como devia ser, nada de ódio nem insultos.

Olhares viciados em alucinações espiam as mesmices 

convencionais das praias sem nevascas.

O ar fresco rescende a descansos veludosos.

Luz e sombra não se confundem ao meio-dia.

Alegria, afetos, manhãs ensolaradas : sempre haverá

compensações para o desvario compulsório.

Quem canta seu subconsciente que aguente as consequências.

"O passado é lição para se meditar, e não para reproduzir", 

é o que nos convém.  

A turba não perdoa o que não entende.

Cresta-se a vida sem saudade de ter sido, o resto é resto. 

O eu que permanece comigo é o mesmo que dá testemunho

das manhãs adormecidas.

Sonhando com um mundo melhor em pleno dia. 







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