domingo, 31 de maio de 2020


                                                             inseto





                                               
Sou como um inseto  
preso numa armadilha,
quando mais me debato, mais me enrosco.
À mercê da carência, do vazio existencial.
Me alimentando das sobras de amores imaginários.
O coração faminto me levando a perder
o resto da dignidade.
Despojado do que a vida tem de melhor :
o sabor gratuito da oferenda.


No tempo elidido 
de esperanças que malogram e renascem,
vazio de quando amava, a espera de um caminho 
à procurar-me.
Até que não exista mais a hipótese
de uma existência.
Como um inseto preso numa armadilha.













                                

        mistério que nunca finda

































Coisa mais burra
a saudade
do que nunca
existiu.
Do que era
só ilusão.





segunda-feira, 25 de maio de 2020




                             A CAIXA DE PANDORA





Creia, é melhor não saber.
A verdade quase sempre é desagradável,
chocante, devastadora.
Saber o que falam às suas costas.
Saber o que fazem às suas costas.
Descobrir o lado obscuro da criatura amada.
As coisas feitas, omitidas.
Traições, mau-caratismo.
Perceber que viveu uma grande mentira.
Que foi usado, feito de otário.
Melhor deixar quieto.
Não ir muito à fundo.
"A verdade vos libertará" pode ser bonito
em tese,
mas na prática equivale a abrir 
a Caixa de Pandora.
Para a qual nunca estamos preparados.
















                          













     

domingo, 24 de maio de 2020





                                         apenas e tão somente








A ideia de já não fazer parte de nada.
De já não ter nem querer nada que inspire e acalente.
De viver por viver, meramente gastar o tempo.
O impulso de querer mas nada poder fazer
ante o que não pode ser mudado,
tal qual jogo jogado.
Eis com o que é preciso lidar.

Aceitar, adaptar-se às mudanças irremediáveis.
Adequar-se ao processo natural das coisas.
É disso que se trata.

A vida no altar das potestades dementes.
A realidade de cada um sofreada à humana condição.
Deixar de existir para refazer-se na palavra consoladora,
sobre as ondas altas do órfico delírio.

Apenas e tão somente isso.
Apenas.
Isso.






















                                 sabor a mi







Tanto tempo desfrutamos deste amor
Nossas almas se aproximaram tanto
Que eu guardo o teu sabor
Assim como tu guardas o meu
também.
Podes até excluir minha presença
na tua vida
Mas sei que bastaria encontrar-te
algum dia
Abraçar-te e conversar
e de novo sentiríamos
o sabor de cada um.
Afinal, eu te dei tanta vida
que, quer queiras ou não,
de alguma forma me levarás
contigo para sempre. 
Olha, eu sei que para ti
já não sou nada,
como um pobre
que nada mais tem à dar.
Mas pode passar mil anos, 
muito mais,
pode nem haver amor na eternidade,
mas ainda assim
de mim lembrarás,
O meu sabor levarás.









* tradução livre do antológico bolero Sabor a Mi, de Alvaro Carrillo.















                                                                              







sábado, 23 de maio de 2020


















                 RESUMO DA ÓPERA







O amor é uma doença cuja cura
é a própria doença.

                  ***

Dificilmente as coisas são como a gente
pensa. Muito menos as pessoas.
Quando são, nós é que não somos.

                 ***

Durante muito tempo, fui o que me deixaram
ser. Hoje, sou o que eu quero ser.

                 ***

De certa forma, quem não tem nada a perder
está no lucro.

                 ***

A essência do ser humano está na empatia. 

                ***

"as coisas não eram para ter sido assim,
mas já que foram, foram-se..."

                 ***

Uma relação não sobrevive a uma terceira
pessoa. A qual mais cedo ou mais tarde acaba
sendo o fiel da balança.

                 ***

Há uma sutil diferença entre ser bom ou otário.
O diabo é que vivo me confundindo.

                 ***

As coisas nunca são como a gente quer.
Até a gente deixar de querer.

                ***

A verdade dói,
a dissimulação corrói,
a mentira destrói.

                ***

Há pessoas que passam por nossas vidas
e passam. Outras passam e ficam...

                ***

O que me faz feliz é o que me impede de ser feliz.

                ***

As coisas nunca são como a gente quer. E quando
são, custam caro.

                 ***

De tão familiarizados com mentiras e falsidade,
resolvi praticar um pouco. Sem dor de consciência.

                 ***

Pensando bem, deve ser viciante ser filho da puta.
Porque, olha, é o que mais tem...










                         a raça dominante
 





Quer magoar alguém ? Diga a verdade.
Quer ser respeitado, amado ? Minta, finja,
falseie.
As pessoas não aguentam a verdade.
Preferem enganar, serem enganadas.
É o estereotipo dominante.
A raça dos desenganados, que como 
bem disse o poeta,
preferem ser admiradas pelo que não são,
a serem ignoradas pelo que são.





sexta-feira, 22 de maio de 2020



                                náufrago

                                  


Quem sou eu, afinal ?
Um ninguém ? Um náufrago
no mar revolto da existência ?
Um nada, que nada,
para nada ?








quinta-feira, 21 de maio de 2020


                             os dois lados




Conheci o teu melhor e o teu pior. 
Sem saber quem realmente tu és.
Qual o lado verdadeiro.
Aquele que por tanto tempo me fascinou,
ou a trapaceira que no fim se 
revelou.
Provavelmente, os dois sempre estiveram lá.
Em seu devido tempo, se mostraram.
O melhor, enquanto te interessou;
o pior, quando tudo desandou.
Eu é que nunca soube ver. 
Tolo, cego,
acreditei até o final no amor 
que me fazia te ver melhor do que és.
Te perder não foi o pior que me aconteceu.
É ver o quanto me enganei e
sofri em vão.
Por algo
que só eu sentia. 








  

   
 
   

quarta-feira, 20 de maio de 2020



                     a mulher que se faz amar







Uma mulher
que é apenas linda,
é uma espécie de troféu
que a gente coloca na estante,
para exibir,
e depois esquece lá.
Já a mulher que se faz amar,
nunca deixa de estar presente.
Na vitória e na derrota,
é sempre a mesma.
Em fazer dar certo se detém.
Dos pactos do amor nos faz refém.
















terça-feira, 19 de maio de 2020


                     agora e na hora de nossa morte 



                 




O mundo mais uma vez
envolto em maus presságios,
empilha mortos.
Não sabe o que fazer para conter a peste, 
não sabe o que é melhor, 
ficar em casa ou seguir em frente.
É preciso trabalhar mas 
não deixam.
Governantes inescrupulosos anseiam
pelo estado de calamidade pública, para tirar proveito
político e arrombar 
os cofres públicos. Enquanto uma parte do povo diz amém, 
a outra esbraveja, mas é obrigado a se submeter, 
no fim das contas,
todos desaprendidos de ver,
veem e não veem, a prístina ciência dividida, 
as notícias sinistras dão o tom,
todo mundo dá palpite e ninguém tem certeza de nada,
a economia se desintegra mas tudo bem, 
há que seguir os protocolos, 

seja o que Deus quiser.

Assim se cumprem os ritos insanos 
da era cibernética,
em que tudo reverbera e contagia
pior que a pior das pandemia.
A desinformação, o fake news, e a controvérsia
campeiam, 
à dano da massa de deserdados, 
que, como sempre, pagará a conta.
Cota que lhes cabe num mundo cuja essência
se crispa na agonia moderna,
tutelado por crápulas e imbecis,
como foi e sempre será.
Eterna é a ignorância e tudo aquilo
que nenhuma força resgata,
conquanto pareça ser esta a vontade de Deus.
Que cada dia seja de plenitude 
e sacrifício. 
Agora e na hora de nossa
morte. 
Amém.




 



















                           

                 aceitação
                                         

                                 



A temida velhice é como um rio 
sem correnteza,
que me puxa para o fundo,
sem uma mão para me salvar.
Morro um pouco todos os dias que passam
sem mistificação.
Perdido na névoa da ausência de tudo
que me foi importante,
estranho pensar que em
pouco tempo estará tudo acabado. 
Resta apenas um menino suspenso na memória,
e a estranha ideia de não ter mais futuro.

Não direi que estou resignado. Há lembranças
demais para simplesmente deixar de lado.
Minha riqueza está no que vivi, nem o solitário
crepúsculo me fará triste. 
O gosto da derrota é suave, fruto da aceitação 
e do alívio de não carregar mais  
o fardo do amor que fere e mutila.
Já não há para onde ir,
além do voo derradeiro,
silente e melancólico,
rumo à eternidade.
Ao esquecimento.



























segunda-feira, 18 de maio de 2020











Aprendendo a viver
sem as pessoas
que vivem sem mim.















Antes de ligar, de procurar, de mandar mensagem,
dizer que está com saudade,
pensa no depois.
Depois disso...o que vem ?
A solidão novamente. A companhia
temporária ? A mesma dor, o mesmo choro,
o mesmo "quem sabe um dia ?"
Tem coisas que não vale a pena
cutucar, se não, nunca cicatriza.
Tem remédio que ameniza a dor
momentaneamente
mas abre um buraco maior dentro da gente.


(a menina e o violão )





sábado, 16 de maio de 2020



                                                  E tenho dito !







Prefiro o ódio à indiferença.
O desaforo à ironia.
O soco à traição.
A verdade doída a mentira piedosa.
Prefiro o papo reto ao blá-blá-blá.
Encarar o touro à unha à levar desaforo para casa.
Andar sozinho do que mal acompanhado.
Prefiro desagradar pelo que sou,
a ser admirado pelo que não sou.
Não ter um puto no bolso à pedir emprestado.
Prefiro bater de frente à ficar em cima do muro.
Prefiro ser o que sou
a ser o que querem que eu seja.

Por aí se vê como sou indigesto.
Politicamente incorreto.
Que não agrada nem a gregos nem a troianos.
Para o quê estou pouco me lixando,
pois não devo satisfações a ninguém.
A não ser minha consciência.
E tenho dito ! 







                                     das cinzas outra forma toma






Não obstante as rebordosas,
os percalços,
os mil disfarces que assume,
a vida é boa,
a vida pode ser boa.
Conquanto o destino permita,
não botemos tudo à perder.

Ainda que sujos, doentes, volúveis,
somos predestinados à amar.
Mesmo os desafortunados
tem dentro de si a centelha do amor.
Que pode reverberar a qualquer instante,
ou deambular para sempre 
nos confins da alma. 

Erma e vazia é a vida
dos que não sabem amar.
Não conseguem amar.
Nem a vida, nem ao próximo.
Entregar-se de corpo e alma a uma paixão.
Sentir o coração pulsar freneticamente
diante da beleza inebriante da entrega.
Ou do sofrimento alheio, o que 
é ainda mais belo.

A vida que concebemos é a vida que 
merecemos.
Se ao longo do caminho nos perdemos,
e  amar desaprendemos,
ou o amor negligenciamos,
nada nos salva da futilidade trágica da vida.
O imaculado e imperfeito amor,
que no ressecamento dos sentidos,
incapaz de resistir ao tempo,
como tudo que é humano,
adoece, 
perece.
Das cinzas outra forma toma.  







sexta-feira, 15 de maio de 2020


                         


                     SINFONIAS DE EUS






Há várias versões de mim 
me precedendo.
A farsesca, a melodramática, a performática,
a beligerante...
A verdadeira não sei onde foi parar.
Nem sei direito como é.
Talvez um pouco de cada.
Pois sou isso tudo, e um pouco mais.
Não propriamente falso, dissimulado, 
como muita gente que conheço,
e das quais tenho horror.
Mas versátil, eclético. 
Eu e meus heterônimos.
Alguém tão complexo que não sabe
ser só uma pessoa.
Que faz drama, sonha, ama, briga.
Alguém que se desconhece, 
que ninguém à fundo conhece. 
Que ora se revela, ora se recolhe,
tão habitual e rico de pungência
que só existe prelibando,
agônico, alciônico,
na própria imaginação.

Eu,
sinfonias de eus,
aquarelas de ser,
esquírolas de consciência
à tatear o caleidoscópio da existência.
























Postagem em destaque

                               de segunda à segunda A vida se mascara e se revela tão perto e tão longe de tudo.   Andamos à esmo como anima...