sexta-feira, 30 de junho de 2023



             poema que nem poema é





Há laburnas, colunatas louras, 

enxame de mãos africanas,

fardos para carregar,

ataúdes de anões,

turbas romanas.

Vestidos lunares, véus funerários,

deuses provisórios, sílabas inteligíveis.

Há o preto e o escuro, convém não confundir.

O preclaro e o austero. A grade trancada, 

fontes de mel.


Há o cavalo com cor de ferrugem.

Pequenas franjas sangrentas.

A ferida e a gangrena. Bocas sedentas. 

Metais ardentes.

Mágoas de Deus. Lençóis opressivos.

Enxames de moscas novas.

Pinhas de abetos.

Qualquer coisa para lembrar.

Vestes e afagos.


Há oferta e comprador.

Feldspato e cristais apodrecidos.

Ondas de juníperos. 

Calafrios da noite. Rijas almas corrompidas.

Há cordilheiras de granito.

Serpentes prateadas. Relvas crestadas.

Carne tostada sobre pedras.

Bocetas de jovens prostitutas.

Cassetetes e coronhadas.


Há sobreviventes.

Nossas vidas.

E esse poema 

que nem  poema é.








       escuridão



No amplo amplexo humano, todo trâmite consiste

em frustrar as engrenagens do mundo.

Em austero escambo com o acaso, tateamos em busca

de benesses e bonanças que curem.

No frescor de sóis que morrem, o engodo da convivência 

sem conflitos renomeia as trapaças. 

Com letras que mal foram escritas, cada sílaba

é um ato de sabotagem.

Banida a esperança forjada em exílios, a palavra estéril

encena a farsa que guarda futuros.

De suas raízes, o amor fraticida concebe o impensável.

Procurando partilhas que não nos pertencem.

A mutante alegoria do tempo produz anomalias em série.

Inundando leitos e pátios monótonos 

como um domingo de chuva.

Certas escuridões são mais escuras que outras.



 




 












              às vezes você pensa estar ajudando a pessoa,

              mas está só criando um parasita.


Velho que se engraça ou se apaixona por novinha

precisa estar consciente de que vai ter que gastar,

e ainda por cima levar chifre. 

É pegar ou largar.


                  não sei o que é pior : 

                   se agonia de insistir 

                   ou a dor de desistir


Agora ou jamais.

É quando a oportunidade passa.



quinta-feira, 29 de junho de 2023



                   às margens do abandono





Ninguém perde por esperar.

A não ser pelo que já está perdido.

Ou nem começou.

Já não tem pressa aquele que caminha 

às margens do abandono


Abro as portas do coração para o sol da imaginação

A penúria cercada de tesouros preenche os espaços 

vagos do pensamento.

Às vezes penso que vou viver para sempre,

sem saber que já morri muitas vezes. 

Vezes demais.



segunda-feira, 26 de junho de 2023



                          causa e efeito



 



A gente gosta daquilo que aprende a gostar.

A tudo nos acostumamos.

Aos relacionamento rasos, abusivos.

Ao churrasco na laje, frango com farofa na praia, funk

de periferia.

Torcer para o Coríntia  graças a Deus meu pai 

era gremista).


Absorvemos tudo como esponjas, ou mata-borrão.

Vai de cada um ser o que ser, onde quer chegar. 

O problema é como chegar lá. 

Se tutelados ou desbravando o próprio caminho. 


Quem anda com porcos, come farelo, mas não 

precisa ser assim.

Se não puder dar exemplo, não dê mau exemplo.

Pense nos filhos, que se espelham em você.

Lembre-se, easy come easy go.

A arte de viver é mais preciosa 

que dinheiro, fama, sucesso.

























domingo, 25 de junho de 2023


                            morre o senso, fica o bom



Tudo que é vago encanta o mundo.

O tempo é escasso para quem sabe usá-lo.

Ai de mim, o olho não repousa.

Preceder é sempre melhor que proceder.

Tudo que aumenta, piora.

Radical come a raiz das coisas.

Sei mais dos outros que de mim.

Dei de melhorar, piorando.

O que a morte perde por esperar ?

O espelho expulsa para um mundo paralelo.

Acaba a inutilidade, fica o que não presta.

Apetrechamento é conhecer as coisas ao contrário.

Não caibo em mim de tanta ternura.

O que se esconde por trás do que vejo 

não me acrescenta nada.

Esqueci de avisar, meu sonho é ser mallarmaico, infinito. 

Nada de sério merece a atenção.

Ao contar tudo o que se passa, fica-se indefeso. 

Já morrer, pode.

A fundura do poço depende do desgosto.

Um a um saem de dentro de nós, os outros.

Cair e levantar-se, tendo perdido tudo, fonte de saber.

Já não estando, ficando.

Já não querendo, dando.

De pena ?

É o que me disse certa mina, quando

descobri que ainda estava dando para o ex.

Falta de vergonha : roubar o que não pode carregar.

Quem nega de certa forma concede.

Talvez a exatidão não seja confiável.

Tudo que baldeia, o gato cobre de areia. 

Louve-se o pensamento isento de ser preciso.

O que é verdadeiro, conhece-se à esmo.

Morre o senso, fica o bom.










 





                            mulher é um bicho doido





Em se tratando de mulher, a gente se engana 

porque quer.

Uma mulher pode ser várias em uma só.

Das que ainda acreditam em contos de fada, 

às que rodam a bolsinha.

Podem ser fiéis como cascavel.

Passar-se por virgem em bordel.

Ora doce como mel, 

ora babando de cruéis.


Toda mulher é um mistério.

São capazes de tudo por amor.

Mas quando deixam de gostar, 

desprezam com o mesmo fervor.


Fizemos tantas coisas, juntos.

Mil transas, até vídeo pornô.

Hoje nem me olha na cara, me difama.

Mulher é um bicho muito doido.



 



                     a engrenagem


                         tela de Claude Verlinde



Às vezes sinto como se minha vida

não fosse minha.

Não somos nada se não tivermos serventia.

Daí a tristeza de ser velho.

Daí o desprezo por aqueles que não são 

ou não podem ser úteis.

Ninguém respeita quem não impõe respeito.

Ninguém respeita quem cala.

Ninguém respeita quem não tem nada à oferecer.


Somos meras peças de uma engrenagem fria 

e calculista.

De reposição infinita.

Todos descartáveis.

Uns mais, outros menos, mas descartáveis.

A medida que fraquejamos.

Envelhecemos.

Caducamos.


Em meio ao tempo que avança, inexorável,

rezo para não esquecer quem eu fui.

Quem eu sou.







 

sábado, 24 de junho de 2023



                             sabedoria




Dentro de minhas limitações, vivo o auge da sabedoria.


Tento não me estressar mais com tolices, tipo assim, meu time

perder, discutir a troco de banana.


Só faço o que gosto, mas não sou intransigente. 


Me permito certas extravagâncias sem dor de consciência.


Continuo confiando, acreditando nas pessoas, nunca 

me arrependi por agir de boa fé, pois nenhum dano

me derrubou.


Dou, me doou, sem esperar nada em troca.


Não alimento mais expectativas de espécie alguma.


Não pré-julgo. 


Não professo nenhum culto, nenhum credo, apenas

e tão somente a praticar o bem.


Entendi que o prazer de procurar pode ser melhor 

do que o de encontrar.


Resisto ao errado, ao pecado, mas não sou de ferro, e muito

menos santo. Veneno em pequenas doses não mata.


Não tento me passar pelo que não sou. Estou com

Fernando Pessoa : prefiro ser ignorado

pelo que sou, a ser admirado pelo que não sou.


Descobri que posso prescindir de amar, mas não do amor.


 




 








                                     manhãs


                        tela de Vladimir Kush



A manhã emudece. Lamento sobre a penúria

do vasto mundo.

Em tempos incertos, ir por vários caminhos provê 

o memorial de fracassos.

Ante o que foi e o que veio a ser, plante uma bananeira.

Miséria pouca é bagagem.

Nada é mole, muito menos a rapadura.

O problema todo é que a realidade sempre fica

aquém da expectativa.

Alternamos bons e maus momentos extravasando

desiquilíbrio, descancelando o raivo de privar,

o laivo de sumir.

O incompreendido muda de lado, se faz de desentendido.

No dia lindo de morrer, o terror ignora o cessar fogo.

Vem de acessar o meu dispor o inquilino de todos 

os ofícios. 

Invisto-me de vilegiaturas para adulterar a trama.

O mal falado já está difamado.

De oitivas e platibandas o psicomorfo idolatra o inimigo.


A manhã ensandece. Qualquer coisa é melhor que nenhuma.

Olhos vitruvianos enxergam tudo.

A pior das espécies faz jus a fama.

Que diferença faz se o crime tergiversa ?

Tranquila, a consciência implode.

Inabalável é a fé do sicofanta.

O velho poço não tem fundo. Nem o mundo.

Quem vive a favor da realidade levante o dedo.

Onde tudo é bruma, o descortino do novo cultiva

tudo o que lhe tanja ( que o diga Janja !)

Subterfugir esconderijos, onde vamos parar ?|

Ponhamão na cabeça, o excesso por exceção se revela.

Povo que não se rebela segrega o devir.

O egrégio consolo é o dolo que o tumor entorpece.

A manhã é outro dia.

Ó sole mio !














sexta-feira, 23 de junho de 2023



                     quem se importa ?



O que importa se a lua é torta,

se Inês é morta, 

a voz entala, 

e o chicote estala ? 


Quem se importa se a noite encavala,

a verdade resvala,

a justiça rebola 

e o mal deita e rola ?


O que importa se ninguém se importa,

se o país vai para a grota,

se é proibido ser patriota,

se o que não falta é idiota

para votar em vigarista,

por acaso presidente desta bosta ?





 



 



 




 

                     

                        quando o amor cumpre seu prazo


                                  


Nítida, calma, a memória descobre-se 

para o que se desfaz nas vagas do tempo. 

Em cada etapa da vida o amor é diferente. 

Há que colher as flores das ausências.

As coisas cumprem-se em sigilo e esperas.

Sem remédio para as feridas, a não ser o sol maduro

da soledade.

Entre os pressurosos anúncios sem data, a ilusão, o engano, 

já são tarefa cumprida.

Quando o amor cumpre seu prazo, já não 

nos decepciona mais. 







 


terça-feira, 20 de junho de 2023




                

           no limiar do adeus



Sinto o cansaço bater nos ossos.

As coisas plácidas me encantam.

Gosto mais de animais do que de gente.

Família tem o peso do mundo.

De todas as coisas que a vida me imputa,

de ser feliz sou inocente.

Estou mais para indecente.

Híbridos sentimentos me assaltam, depois

que deixei de ser casto.

Novos atores, velhos enredos.

Em tudo há infâmias, segredos.

Vejo meu tempo se esgotando gota a gota,

dei adeus à premência.

Acontece que do nada surge o inesperado.

No limiar do adeus, o que falta realizar já se realizou. 

Os deuses não se submetem a barganhas.

Muito menos as Moiras.

O paralém desconhece a sabedoria.

Consta que em Auschwitz não se furava fila.

A verdade de cada um ignora tudo 

que não lhe convém.

A coisa mais bem repartida do mundo

é a burrice (apud Murilo Mendes).









   




                o vício da cura





Carrego um pouco de tudo

Pedras preciosas e entulhos

Coisas que vou garimpando

Nos descampados do mundo


Sou um pouco de tudo

Gente fina e vagabundo

Não sou herói nem bandido

Nem bunda de fora 

nem calça de veludo.


Sou um sujeito de fino trato

Mas também sei fazer barraco

Liberal ou cabeça dura

Sou o vício da minha cura.




 

domingo, 18 de junho de 2023



                       besta-fera





O mal sempre triunfa. A maldade está em tudo.

No olhar malicioso, o pensamento impuro, o desejo sujo.  

Onde há ignorância, as mentiras e trapaças imperam.


O mundo é cruel, o mal poreja de todas as façanhas.

O engano tange os mesmos sofismas.

O amor é sempre o mesmo, aviltado ou profano.

As virtudes se debatem em secreto desacordo.

Alegria e beleza eludem um tempo de abusões.


O sangue fresco da aurora não nos redime.

A fé consoladora dos aflitos agoniza na preamar

das injustiças.

Sentimos o intangível fender dos ciclos caminhando

para a escuridão.

A língua cansada se recolhe e afunda em seu veneno.

Os que se amam, são os mesmos que se maltratam.


A ferocidade inata do homem alimenta a besta-fera

da discórdia.

Oremos, se é que adianta.






                          sentimentos                   



Presente nas ausências,

meu sentir passeia entre as coisas afetuosas

que pairam sobre a fuligem dos dias.

Vindo de muitas partes, 

cumpre a maldição de não esquecer. 








                            casa desabitada


Teus arroubos e silêncios dizem tudo 

o que preciso saber.

Te entendo quando calas.

Quando tua fúria se transforma em pedra.

E posso ver como és.

Uma parede, um muro, uma casa desabitada. 





quinta-feira, 15 de junho de 2023


                  esse é o problema



Fazer sempre a mesma coisa não tem problema.

O problema é fazer sempre as mesmas coisas.


Fazer sempre a mesma coisa não tem problema.

O problema é fazer sempre as mesmas coisas.


Fazer sempre a mesma coisa não tem problema.

O problema é fazer sempre as mesmas coisas.


Esse é o problema.



terça-feira, 13 de junho de 2023



                        a carne esquece



Quem trai, não trai por acaso.

Quando o amor acaba, qualquer pretexto serve.

A carne esquece das venturas e prazeres.

Quando o mudo entendimento passa da hora, o sopesar

da espera tece o momento da justificada desforra.



 






                 litania





Eu te perdoo, Senhor, por ter me criado desse jeito.

Por eu não entender a vida, não fazer nada direito.


Eu te perdoo, Senhor, por ter feito tudo tão complicado.

Por misturar o certo e o errado, o amaldiçoado e o louvado,

pelo bando de crápulas que fala em teu nome.


Eu te perdoo, Senhor, por não ter nascido melhor dotado.

Por tantas vezes ter acreditado e me ferrado. 

Por não ter conseguido o que mais queria.


Eu te perdoo, Senhor, pelos sonhos desfeitos, 

pelas preces não atendidas.

Pelos dias de angústia, pelas perdas e renúncias,

por tudo que a vida me levou e sonegou.


Eu te perdoo, Senhor, pela carne fraca e a pouca fé.

Pelo milagre que não veio.

Pela sorte que me faltou em momentos cruciais.

Por tudo te perdoo, Senhor.

Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo,

Amém. 







 

domingo, 11 de junho de 2023


            o outro que não fui

                



 


Sou grato por tudo que tive e não vingou. 

Sou grato por tudo que perdi, pelo que deixou de ser, 

por tudo que me permitiu ser o que sou.

Chegar onde cheguei sem me desmerecer.


Sou grato pelos males que me fizeram, 

pelas injustiças, provações, por tudo que fez a vida

valer a pena.

Sou grato a solidão iluminada, aos enredos que não entendi,

por aquilo que esqueci,

pelos desacordos e segredos pactos. 

Pelo nada que tive e reparti.

Pelos entardeceres que não vi, aos afetos que não valeram, 

as causas perdidas, por tudo sou grato.


Sou grato aos conflitos da culpa, as apreensões, incertezas.

Sou grato aos caminhos errados, ao inconformismo cruel,

ao desencanto do amor, ao fogo-fátuo da paixão.

Sou grato ao lado de mim que já morreu.

O outro que não fui.





                            a tarde de um homem





No começo ele sonhava com cegas e estranhamente

jubilosas venturas.

No decorrer dos anos, viu tudo esvair-se

diante de balaustradas e portas que não conseguia abrir. 

Quando se deu conta, a tarde que é a tarde de um homem

se converteu em moldura.

E ao despedir-se de tudo que lhe era mais caro,

resignou-se em ser algo assim como um animal cansado

em sua toca,

que só não pode descansar.




sexta-feira, 9 de junho de 2023



                  a arte de viver



Viva tudo o que puder, enquanto puder.

Nada mais triste do que chegar a velhice

e concluir que viveu uma vida de merda.

Aproveite, explore, curta, de preferência sem perder

o bom senso. Loucuras, só ad hoc.

Estude, trabalhe, pois nada vem de mão beijada. Nada

que tenha valor.

Seja correto, baseie-se pelo certo, mas não seja refém

dos sentimentos.

Lembre-se, o caminho não é só para ser percorrido, 

mas contemplado.

Cuidado com os extremos, deguste todos os sabores

mas não morra pela boca.

Celebre o prazer mas priorize a qualidade de vida.

Seja bom sem ser tolo.

Abdica de entender, em prol da arte de viver.







 




 



quinta-feira, 8 de junho de 2023


                             luz e escuridão




Um gato preto dança na chuva,

enquanto as nuvens se despedaçam.

O vento sussurra segredos

que só os loucos entendem.


O relógio derrete no pulso

em meio aos dias que se desfazem em fumaça.

O tempo passa como borboletas

quem voam para longe, sem olhar para trás.


A cidade é um labirinto sem fim

onde as ruas se transformam em espelhos

e os prédios são monstros adormecidos

que acordam no meio da noite.


O sol é uma laranja flamejante.

Que queima a pele e cega os olhos.

A lua é um farol misterioso

que ilumina a terra com sua luz prateada.


A floresta é um oceano de sombras

onde as árvores sussurram segredos antigos

e os animais são espíritos livres

que dançam ao redor da fogueira da vida.


No jardim dos sonhos perdidos,

as realidades de cada um se antagonizam,

como luz e escuridão.






quarta-feira, 7 de junho de 2023

 



refúgio de uma alma cansada


Nas asas da imaginação me lanço

Na sutileza das palavras me enlaço

Sopra o espírito com língua bendita

Os versos que meu coração dita.


Crio paisagens e emoções que se entrelaçam

Numa teia mágica que minh'alma abraça

Suscitando os ritos misericordiosos

Que atravessam noites e alvores.


São suspiros de amor e saudade

Revelados em cada estrofe humilde

Os versos fluem como um rio sem fim

Transportando-me para além de mim.


Nas entrelinhas desvendo segredos

Ecos de histórias e seus enredos

Palavras que em mim se digladiam

Como ardentes desejos que se irradiam.


A poesia é a voz da minha alma

Refúgio de uma alma cansada.

Bálsamo que acalenta o pensamento

Na dança eterna do tempo.


Em cada verso me abro

Em cada verso me entrego

Em cada verso me perco de mim

Por que Deus me fez assim ?





Postagem em destaque

                               segunda-feira A vida se mascara e se revela tão perto e tão longe de tudo.   Andamos à esmo como animais perd...