quinta-feira, 29 de setembro de 2022



                  o sal da terra




                 

Guardar os axiomas para os dias difíceis, 

eis o sal da terra.

Pensamentos que desmantelam a ordem das coisas

engendram embustes.

Na lenta desagregação de cada dia, perde-se tudo 

em pleno gozo dos prazeres.

Os que se amam e depois se desprezam, são a mesma pessoa.

Não há culpas, apenas lapsos.

Nunca atingimos a justiça absoluta, um bom juiz é aquele

que se coloca no lugar do réu.

O pensar condicionado pelo apego induz a erro. 

No fim das contas, desapegos aparam as arestas.

As coisas só caem no esquecimento quando 

não importam mais.

Conforme mudamos, os juízos mudam. O que era bom 

não presta, não serve mais.

O dedo sujo aponta à esmo.

Às vezes mais vale estar errado.

O mundo esquece facilmente de nós.

O eu abolido está perdido e feliz.

Livre, o arbítrio lima as certezas.

O óbvio eclipsa o juízo. 

O ódio solapa o discernimento.

O tiro pela culatra é a justiça por linhas tortas.

Com frequência, senso e contrasenso contaminam-se.

Tendo esquecido, foi-se a premência.

O louco amor vira tumor.

Não obstante, o final é sempre a libertação.

Raiva, mágoa, não valem um grão da ampulheta.

Nada que um placebo não cure.

Quem se foi, que se vaya con Dios.

Do idílio ao purgatório, num deslizar de dedos.

Pode dar certo um mundo em que uma caixinha 

que cabe

na palma da mão, 

faz as vezes do conhecimento humano ?


















 







 

terça-feira, 27 de setembro de 2022



Tenho tudo e não tenho nada.

Tudo o que me permite sobreviver dignamente, 

nada do que um dia importou. 

Tive uma vida boa, só fazia o que gostava. 

Hoje faço aquilo que a vida me permite. O que não é pouco, 

diga-se de passagem. 

E sou muito grato por isso.

Tudo que tive e que tenho, se fundem num emaranhado  

que ainda luto para deslindar. 

Às vezes sinfonia, às vezes cacofonia.

Nada mal, em todo caso, para o aprendiz 

relapso que sempre fui.

.........................................................................................


Ainda me constrange lembrar de como eu era chucro, 

provinciano, falso moralista, quando cheguei a Santos, prestes

a fazer 20 anos, vindo de uma cidade literalmente fria 

e conservadora como Curitiba.

Levei anos para superar o choque cultural que me levou até

mesmo a abandonar precocemente a carreira (promissora, é o que

diziam ) de futebolista.

Não tive estrutura emocional para me adaptar a um ambiente

que me agredia em muitos aspectos. 

Sobretudo, a falsidade, a discriminação. 

Abandonei a carreira no dia em que um diretor da Portuguesa 

santista (valeu, Ciaglia) mais uma vez descumpriu a promessa 

de me pagar os salários atrasados, alegando que, face a verba

limitada, priorizara aqueles, a seu juízo, mais necessitados. 

"Sua família tem posses, você consegue se virar", lembro dele 

ter dito algo assim.

Impulsivo como sempre fui, cometi a insensatez de desabafar com 

meu então colega de faculdade, Adelto Gonçalves, 

hoje escritor consagrado, e à época repórter do jornal A Tribuna,

que não perdeu a oportunidade de dar o "furo" em que eu anunciava 

o fim de minha carreira e chamava o tal diretor de traidor. 

Lembro que no dia seguinte, logo cedo, meu pai me tirou da cama

aos berros, como raramente vi ao longo de toda nossa convivência,

exigindo que eu me retratasse, pois a merda havia respingado em

sua atividade comercial, já que o então presidente da Portuguesa

era também presidente da Cooperativa Mista de Pesca 

Nipo-Brasileira, o saudoso José Augusto Alves, seu principal cliente.


Fui obrigado a me retratar para não prejudicar meu pai, nem lembro

o que aleguei, mas mantive a decisão de não jogar mais

profissionalmente. Talvez porque logo em seguida, após um breve

estágio, ingressei na carreira jornalística, convidado por meu 

professor na Facos, Ouhydes Fonseca, já falecido,

e que era também editor de esportes do jornal A Tribuna. 










 




 

















 


 

domingo, 25 de setembro de 2022



                                herança






Descartável, dispensável, desnecessário...

Sentimentos correlatos a velhice. 

Inevitáveis, mas mitigáveis. 

Mantendo-se útil. Ativo. 

Pró-ativo. 

Mais garantido é deixar uma boa herança.

Não faltará quem acuda um velho babão 

endinheirado.






                  PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO





Ando capengando, arrastando o corpo sempre cansado, 

com a guerra quase perdida, no limiar da derradeira batalha, 

talvez a mais árdua : manter a sanidade. 

Um prêmio de consolação para poucos.



sábado, 24 de setembro de 2022




                  a gente sofre de teimoso





Às vezes é preciso se rebaixar

para sair por cima.


            A consciência é feito morcego.

            De tão feia, só aparece à noite.


Tudo é permitido, tudo é perdoado.

No mundo depravado, o certo é o errado. 


                Perca-se o orgulho, perca-se a dignidade.

           Desde que não se perca o crédito.


A gente sofre de teimoso,

quando esquece do prazer. 

(Guilherme Arantes)


         Saiba, neném,

         não divido você 

         com ninguém.


           






                               honoris causa





Escrevo meus poeminhas sem maiores pretensões. 

Como quem não sabe fazer outra coisa

para aliviar o coração.

Sem me preocupar em ter razão, ou até mesmo

de escrever em vão.

Não me arvoro em ensinar nada a ninguém.

Sou doutor honoris causa em decepcionar

quem me quer bem.


 



                          condição sine qua non





De fato,

quero mais do que você pode me dar.

O coração sem dono.

O corpo que dás a todos.


De fato,

quero mais do que você pode me dar.

Respeito e exclusividade

como condição sine qua non.


De fato,

quero mais do que você pode me dar.

Tê-la só pra mim.

Preito que ignoras.


Mas saiba, neném,

agora é pra valer. 

Não divido 

você com ninguém.


É pegar ou largar.






sexta-feira, 23 de setembro de 2022





Coisas na vida que não se regeneram :

amor, ladrão e puta.


  

                     

                     o direito de fraquejar



 


De dar dó, esse cara.

Cansado de se fazer de forte.

Cansado de lutar contra o desânimo, a tristeza.

Cansado de ver que nada se resolve, nada acontece,

em boa parte por culpa própria, como bem sabe.

Cansado de si mesmo, de como lida com as coisas,

de como não se faz respeitar, 

por conta do coração generoso e molenga.

Vive com o filho adolescente que o tem como um

criado. 

Os outros dois mal tomam conhecimento 

de sua existência, menos mal, dele já não precisam.

Do amor nada mais espera, e vive tentando se convencer  

que é melhor assim.

Que o importante é a saúde, o ganha-pão, 

o que felizmente não lhe faltam.

Só que a vida não é só isso. 

Não para quem tem um buraco no coração, sofre de uma brutal

carência afetiva. 

Que carece de ser lembrado, de um ombro amigo,

interesse genuíno, e não da boca para fora, 

que é o que mais têm.


Pois é como ele se sente neste exato momento. 

Talvez amanhã passe, e volte ao "normal".

Cabeça erguida, fingindo não precisar de ninguém. 

Sem direito à fraquejar. 





 











 



                       QUE NOJO !





À vista dos fatos,

não posso deixar barato,

posto que tudo fede.

A grande farsa que se engendra

não é prerrogativa de pobre,

é um banquete de carne podre.


O notório vigarista volta à cena,

para retomar os despojos dos antigos saques,

no país em que o crime compensa.

Em que o mal impera, 

sem justiça, sem decoro, sem povo. 

Que nojo ! 



 


                      

                                     doce ira





Gracioso e fúnebre.

Gracioso e fúnebre.

Todos os caminhos levam ao ergástulo.

Morrer pela espada.

Morrer pela fé.

Caminhos díspares que desde sempre se cruzam.

Doce brandura, doce ira,

dura é a vida

que com uma mão dá

e com a outra tira.


 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022




                 nada podia ser melhor





Meu momento é de contrição.

Mas sem remorsos vãos, porquanto inúteis.

No jogo jogado, as perdas e ganhos já não contam.

Tudo se resolveu por conta própria.

O mundo das coisas gastas, a dissipação das dúvidas,

os pináculos do pentagrama :  o círculo se fecha

à desguisa das diásporas e metástases.

O tempo flui neutro.

Nada podia ser melhor.

A rosa cortada, a fórmula exata da vida desperdiçada

subtrai-se até o extravaso do bicho carpinteiro.

Meu momento : o coração saltimbanco, resgatado,

tergiversando, caindo de maduro ?

Please, poupem-me dos detalhes sórdidos...

Gazua não serve. Bazuca, talvez.

Como diria Leminski, em  briga de camundongo perneta 

com caranguejo capenga, abelhudo não se mete.

Se agora me interrogo é porque me desconheço.

Refugiando-me em Maracangalha.

Insignificantemente sujo, pouco, interdito.

Me busco onde está tudo perdido.

No nuliverso.

Agora deu.






 



                                      quando algo vai mal  


   


            



 Quando sonhar é melhor que viver,

algo está errado.

Quando a mentira se sobrepõe a verdade,

algo se corrompeu.

Quando esquecer é preferível a lembrar,

algo se subverteu.

Quando duvidar é melhor que acreditar,

algo dentro de você se quebrou.

Quando perdemos a capacidade de amar,

algo dentro da gente morreu.






                                       conflito de interesses



                              



Uma parte de mim te ama, a outra parte te rejeita. 

Uma parte de mim sente tua falta, a outra te evita.

Uma parte de mim te deseja, a outra se afasta.

Só numa coisa as duas partes concordam : te querem de volta.




 




                    depois do caos, a bagunça





Meu reino por um unicórnio.

Não refuto o contraditório.

Desbabacar é preciso.

Iço a vela, ponho a isca, quem não arrisca não petisca.

Coito interrompido é um pé no saco.

Bípedes implumes catando cavaco, eita ferro !

Tese de maconheiro, não me venha com essa milonga.

Nada me pesa na consciência, esse unicórnio 

que anda de lado, sai de finório, que nada sabe 

nem se esforça.

Que não sabe nem faz acontecer.

O lance está nos desdetalhes.

A carótida está acima ou abaixo da jugular ?

No princípio era o caos, depois veio a bagunça.

Não que isso importe.

Todo esforço para entender o que não se resolve

é perda de tempo.








 




A vida é como rapadura.

Doce mas dura.


 

quarta-feira, 21 de setembro de 2022


                guardador de memórias 

               





Algo sempre nos falta. Pouco é muito, muito é pouco.

Meus pensamentos levo-os à cortejos de triunfos

à prova de fábulas.

Defendo o meu lado, porém o vício de viver 

é danado de bom.

O coração com fundo falso é fértil em expedientes.

Não é culpa minha não ser levado a sério. Ou a sério demais.

Guardador de memórias para as horas difíceis, obedeço 

à distração que queima o fogo, extinta a vontade de ser

mais do que posso.

Meu mundo inundado de sonhos desfeitos anula as virtudes,

você sabe, ninguém é confiável.

A verdade sai pelo ladrão. Sem ser cético nem dogmático,

a cabeça funde : Maniqueu, cuida dos meus. 

Cada um merece o que não tem.

Quanto mais, pior. Quem supre, os desejos defenestra.

A percepção é a argamassa que engendra

as hipóteses. 

Nada justifica abolir o juízo. Senso e contrasenso 

anexam-se e se opõem. 

Há que encontrar um lugar adequado para o ausente.

Porque no fundo, tudo consiste em minorar 

o sofrimento.




 


                        

             cansei de estragar tudo




Eu e essa maldita mania de estragar tudo. 

Nada que faço dá certo.

Meu passado me condena, já viram esse filme ? Ou terá

sido uma novela mexicana ?

Alma de polichinelo, zonzo da vida, cansei de tudo.

De enganar e ser enganado.

Despreparado para o entendimento, deponho os equívocos.

Desconfio de eloquentes manifestações de apreço.

Constato que não esclareço nem convenço.

O oposto de mim quem seria ? O alvo ou o arqueiro ?

A carapuça sabe a quem se destina.

Minha mente invadida de elipses, simetrias, desavergonha

as tripas. 

Num ditoso dia, o terror girou a manopla 

dos signos adversos, 

de tanga, de canga, 

e o memorial de maravilhas repeliu o espetáculo.

Sigo em frente mas já vou avisando : partes pudentas,

partes in partibus

Não vi tudo mas é fácil deduzir.

Grandes mistérios, grandes ignorâncias. 

Isto e aquilo não se resolvem, no máximo se toleram.

De tanto tropeçar em equívocos, aprendi a me foder

sem reclamar. Lamúrias, só in extremis.

Não era para ter sido assim, mas foi. 

O peripatético produzindo mudas, galhos periféricos. 

Menos mal.

Breve o conflito acaba.

Até lá, bato continência para o acaso.


 

terça-feira, 20 de setembro de 2022



                  

                    tremenda chinfra





As luzes do entendimento são refratárias.

Cabeças demais, lucidez de menos.

Tempos bizarros em que tudo se sabe, e nada se sabe.

Sob os auspícios do Grande Irmão digital.

A humanidade reverencia o todo-poderoso-deus-máquina.

Tremenda chinfra, não empresto meus demônios à ninguém.

Websatã saqueia o mundo, aceita um de justis belli causis na veia ?

O futuro saberá o que fazer. Ou não. Pausa para "leros, leros e 

boleros." 

Os corredores se multiplicam, labirintos são águas passadas

sem Borges a guiar-nos.

No que me diz respeito, vivo de álibis.

Minhas parcas virtudes dei-às à guiza de ludibrir

a memória.

Sendo o que fui até não poder mais.

Um Fenix rendido em clitóris, garras afiadas,

ninhos de marimbondos.

Penso no bicho que sou e me vejo com penas, escamas,

chifres. Verme.

Carunchando a madeira

Comendo carne podre.

Parasitando as entranhas da vida.

Meu pacto com o mundo é feito de hipóteses,

truques e máscaras.

A justa razão sempre se desintegra.

O vício de sobreviver tramitando na Navalha de Occan.

Nada substitui o ceticismo.

Um cara ou coroa, talvez.

Acostumemo-nos com adredes e Mitrídates. 

Entre quadrúpedes e salafrários, cumpra-se o propósito.

O lobo pastoreia as ovelhas, e tudo bem.

Os antigos diriam, o labor de pensar onera e não compensa.

Sejamos tangidos, pois !

Mimeses, arquétipos, protótipos.

Todos os danos do saber humano mendigando bom senso,

comendo pelas beiradas.

Cagando apoteoses, panaceias, incunábulos,

enquanto as bibliotecas queimam,

e os livros servem de banquete as traças.

Lanterna à mão, a luz do entendimento bruxuleia

entre o egoísmo e a apatia.

Transige entre o messianismo e o pelangianismo.

A plateia ignora as evidências, mentes fechadas feito ostras.

Só os sábios sabem calar dizendo tudo.

Mas os velhos mestres envelheceram.

Mudaram as coisas, depravaram as palavras.

A nova realeza é o visgo, o vício, a latrina da humanidade.

Meninas prenhes de nibelungos que buscam o apostolado infame.

Pensando bem, tudo não é muito.

Pode até ser pouco.

Quando se vive só para constar. 

O cômputo das ruínas é o catarro das heresias expectantes.

Emboscadas ? Ninguém mais me engana.

Saber não basta, é preciso desfazer, corromper

a ordem reinante.

Não é preciso perder os dedos para manter os anéis.

Não no Brasil.

Risus teneatis, certo Horácio ?

Eleger um notório rufião para voltar ao Poder,

qual o problema ?

O que vale é tudo que se possa desdizer.

Apedrejar e fugir.

O jeito é descabelar o palhaço.

Enxotar a xota.

Bem-aventurado é o silêncio quando falta assunto.

A gangrena estanca a hemorragia, mas mutila.

O entendimento esbarra no quiprocó. 

Consensus omnium aqui cheira a embuste - toda unanimidade

é burra, como se sabe.

Dialética, sim !

Abaixo a retórica, a farsa, o álibi ubíquo, a farsa

que transforma a culpa em curare.

O conluio em lautas pilantragens e quejandos.

Senão, vejamos : como é possível que isso

esteja acontecendo ?

E a pensar que poderia ter sido tudo diferente,

se os holandeses não tivessem sido expulsos.

Foi quando a cobra perdeu o rabo.


    

domingo, 18 de setembro de 2022



                                 CORAÇÃO BANDIDO





O pecado da carne me condena.

Luxúria, não cobiçar a mulher do próximo...

Já sinto queimar o fogo dos infernos.

Nem posso dizer que é amor o que sinto.

"Meu coração tem mais cômodos 

que uma casa de putas." 

(Gabriel Garcia Marques/ O Amor em

Tempos de Cólera)



 

sábado, 17 de setembro de 2022



             a cura




Quando a solidão chega,

todo mundo vai embora. 


                amor incondicional

                começa bem e acaba mal.


Nem alegre, nem triste.

Nem começo, nem fim.

Não é a primeira vez 

que mentem pra mim.


         Mal chegou e logo partiu.

         Esqueci de passar a tranca

         e o amor fugiu.



                       Sol e ventania.

                       Adeus calmaria.


Não há cura

sem uma dose 

de loucura.




                     ser ou não ser




Me deparei com a morte algumas vezes.

Não me pareceu assim tão tenebrosa.

Devo dizer que me foi até amistosa.

Da última vez, me olhou na cara, piscou o olho

e foi embora.

Só faltou dizer, velho, fica frio,

volto outra hora.


            Toda dança tem seu ritmo

            Todo rio tem seu curso

            Todo povo tem o governo que merece.


Ser de esquerda, sabendo-se, sobejamente, 

que a esquerda não presta,

é próprio de quem, sendo intelectualmente inepto,

jumenta-se. 


             Muita parafernália e pouco tutano.

               Ases nos games, asnos na vida. 

               Estúpidos, desarticulados,

               fumam seus baseados

               não largam dos celulares

               não tem opinião sobre nada

               nada além do que falam os youtubbers

               que ganham fortunas para tutelar

               essa geração que vive sem viver

               emparedados entre dois mundos

               entre ser ou não ser.

               

               




               

               





 


                                 DEUS NOS FEZ ASSIM



La sottise, l`erreur, le péché, la lésine
occupent nos esprits et travaillent nos corps.
Tu le connais, lecteur, le monstre délicat
- hypocrite lecteur -, mon semblate, mon frére !
(Badeulaire) 


Não existe o perfeito

o infalível

o incorruptível.

Muito menos o salvador da pátria.


Não existe o santo

o mito

o céu

muito menos o inferno.


Vícios, manias, taras :

um pouco de indecência 

pode ser saudável ( vide D.H.Lawrence).

Quem não as tem, que atire a primeira pedra.

Somos humanos, ora pois.

Deus nos fez assim.

Falíveis. Compreensivelmente falíveis.

Previamente perdoados.

Vivendo de esquecer.

Sem outro castigo senão perseverar no erro.












 




 


O amor é traiçoeiro.

Só é fiel ao dinheiro.


 


                                poeminha





Bem-aventurados os que não se degradam, não se prostituem,

em meio a tantas tentações.


Bem-aventurados os que não se deixam dominar pelo ódio,

pelo rancor, mesmo tendo motivos de sobra para tanto.


Bem-aventurados os que não se convertem as mitologias profanas,

crenças e idolatrais cegas, que escravizam o espírito.


Bem-aventurados os que não sofrem à toa, não fazem drama 

por qualquer coisa, culpando os outros ou a própria vida por

suas escolhas erradas.


Bem-aventurados os que fazem o bem sem esperar retribuição,

que é grato pelas graças que desfruta, 

que prefere que os outros estejam certos, como diz Borges,

a quem dedico esse poeminha. 






 


  



               cegueiras inatas





A paz dormia

a sono solto

exausta

frágil

desamparada

como quem vive de toda espécie

de carência.

Tentando abrir portas trancadas

entre cegueiras inatas

a ouvir dos homens, do alto de sua

sacrossanta ignorância : desta água

não beberei.

Ouve o crocitar dos corvos

e retira-se

para longe.

Onde só os mansos de espírito

conhecem a morada.







 



                 nasce, amadurece e apodrece





A gente luta

tenta

investe

concede

se reinventa

arrisca

sofre

se desdobra, não mede esforços

para fazer dar certo

aquilo que nunca se contenta

o que não se sustenta

não tem lógica

mutila

rasga por dentro

maltrata

sangra

até converter-se em náusea.

Na coisa mais sórdida.

Simplesmente porque como tudo, 

o amor nasce, 

amadurece 

e apodrece.




 

 


                         fetiche

                  (miniconto)





Vi que não ia dar certo quando ela me disse que tinha o fetiche 

de ser estuprada. Desde que o cara fosse 

bonitão, másculo, ou usasse uniforme de policial, por exemplo.

"Vai dizer que você nunca teve vontade ?"

"Estuprar ? Claro que não ! Eu, hein?"

"Credo ! Você não é normal".




sexta-feira, 16 de setembro de 2022



                                 o aborto




Não sou ninguém.

Não sou nada.

Não existi.

Não vivi.

Não senti.

Não nasci.

Sou apenas um embrião.

Do tamanho de um feijão.

Um aborto.

Mereço ser morto ?


 



                       correspondências





Assim como uma pedra sempre será uma pedra,

uma vez puta, sempre puta.


           Hoje eu sei

              onde foi que eu errei.

              Toda vez que amei

              nunca me entreguei.


Já não sonho.

Sonhar é para os tolos.

Quem sonha não vive.

Se distrai da realidade.

Com a qual não mantém correspondência.

Sequer afinidade.

Quando muito uma certa urgência

de amar e ser amado.

No que, por sinal, 

não há nada de errado.






 


                            nada mais traiçoeiro



 

o amor é ligeiro

faceiro

matreiro

nada mais traiçoeiro.

encanta

seduz

consome

arde feito fogo

até a exaustão.

quando acaba o tesão

vira carvão. 







           breve canto 

           do amor 

           não compartilhado





Tudo é solidão. Silenciosamente, buscamos correspondência

em fortuitas e aventureiras conquistas. 

Distraídos com os privilégios casuais da busca.

Dispersos pelos indecifráveis labirintos do tempo.

Tecendo e destecendo máscaras, agonias, alvoradas.

No breve canto, que não teme a dor, sequer a morte,

o duradouro e o desvalido se entretecem. 

Em meio a perdida gente, dias sem data ignoram o repouso.

Versados em causas inúteis, plantamos platitudes

que alguns transformam em ouro, singraduras, servidão.

A servidão que é metáfora e trama.

Nos sonhos que se desfazem em outros sonhos.

Em que o ontem e o hoje são iguais.

Solitários, como o amor não compartilhado.



 


quinta-feira, 15 de setembro de 2022



                  para o bom entendedor




Ah, os leitores, fãs de poesia.

Tão solertes e perspicazes.

Confundem maçã do rosto com a fruta.

Incapazes de enxergar

nada além da realidade preexistente.

Se atém a denotação em detrimento

da conotação.

Justamente a essência da poesia.

A atemporalidade, a metalinguagem.

"Não apenas conjugar os versos

mas fazê-los sangrar", como nos diz

Álvaro Pacheco. 




 

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