segunda-feira, 29 de maio de 2023




                   a fuga da fuga




Sempre há tempo, enquanto há tempo.

De aproveitar cada momento ( como se 

não houvesse amanhã ?) há tempo.

Antes que se perca a autonomia, há tempo.

Tempo para vivenciar o ofício e os dotes.

De cantar o prazer das coisas simples.

A luta leal e destemida.

A mágica das semeaduras.

As bençãos que consolam.

As palavras de quase amor.

As singraduras do perdão.

As cores da aurora.

O galo que perdeu a hora.

O castigo que não veio.

Os gestos que redimem.

O ganho inesperado.

O orgulho de quem não se curva à indignidade.

As contradições renovadas, em prol da lucidez. 

O enjoo da vida doentia.

A fuga da fuga.

A mocidade morta, porém nunca extinta.


Sempre há tempo para tudo.

Enquanto há tempo.

O último dia ninguém sabe.

O que não se ganha, apropria-se.














 

domingo, 28 de maio de 2023


                           a bela 



A bela sabe que é bela mas mesmo

assim apela, com seus cílios postiços, 

vestidinho de pirigueti. 

Gosta de ser desejada mas se faz

de difícil. 

Provoca mas reage mal às cantadas.

Diz ser romântica mas não dispensa

um baile funk. 

Chama todo mundo de "amor" mas o coração,

que é bom, não entrega a ninguém.

Diz que já sofreu demais e

que homem nenhum presta.

Quem sou eu para tirar a razão dela ?




 

quarta-feira, 24 de maio de 2023



                    dias inglórios





Estou proscrito mas não conformado.

O desgoverno da vida devaneia em comodato.

Os sentimentos reciclados agonizam nos lindes 

da consciência.

Crenças e ossos depostos evolam-se no estertor

dos dias inglórios.

Os sóis dos passares afogam-se em sangue coagulado.

Abrem-se as portas do hades para urdir os ritos

misteriosos.

O coração arrancado do peito em louvor aos afetos 

frios e cálidos.

A misericórdia de Deus é infinita.

Perdoa até o livre-arbítrio da santa loucura.


  



tudo que soa bonito

embute artifícios

gera conflitos

não se presta a vereditos

e tenho dito ! 





             efeitos colaterais


alegria             -             apatia 

abundância      -             indiferença

confiança         -             descrença

fé                     -             ceticismo

poder               -              despotismo

riqueza            -              avareza

amor                -             desilusão

euforia             -             prostação

sapiência          -            niilismo

ambição           -             prisão ( metaforicamente ou não )





   



                     princípio e fim





 

Meu lado sombrio

é a hóstia 

do meu estio.


          Meu lado risonho

          é o princípio 

          e o fim do sonho.


Meu lado humano

é o lenho

da minha cruz.


        Em nome de Jesus,

        rogo por

        um pouco de luz.  



domingo, 21 de maio de 2023


                           viva a vida !





você que se lamenta

que reclama

que blasfema.


você que vive de mau humor

que se fecha para a vida

que só vê o lado ruim das coisas.


você que ignora as pequenas bençãos da vida

que não consegue ver nem é grato.


você que é um chato

mala sem alça

um pé no saco.


um dia se dará conta 

de que desperdiçou a vida à toa.


reze para que não seja tarde demais

quando um médico qualquer 

lhe disser :

"você está com câncer."



sábado, 20 de maio de 2023



                                  tempos de murici





No fim, o que resta é o marasmo que cultiva 

o vazio interior.

A coroa de espinhos.

O lixo dos dias.

A pressão alta.

Tempos de murici.

O muito que precede o pouco.

De tudo que foi excesso e carência.

As epifanias emprenhadas de vazios.

O desconsolo das ausências despetaladas 

sob lentas verdades e mitos.

De tudo que habita-se renascido nos ciclos

além dos desejos.

Além dos propósitos.


No fim, o fim oferta-se em sacrifício

resgatado do fogo purificador.

Lavado do hades interior.

No qual a verdade é luto 

e o Éden é a ausência de conflitos.


No fim, abandonado o velho roteiro, tudo carece

ser reescrito.

Como cada vez em que os tempos difíceis

maltratam a consciência

e profanam tudo e todos a quem nos apegamos.

O peso dos erros mescla-se ao desejo de celebrar

os fracassos.

Dançar sobre os cadáveres dos falsas afetos.





domingo, 14 de maio de 2023



                                         inventário





O que mais me pesa : não amei o suficiente, nem satisfatoriamente.


Vivi dando murro em ponta de faca e não aprendi.


Nunca soube dançar conforme a música.


Nunca fui sensato, sempre fui de jogar tudo para o alto.


Nunca me aprofundei em nada, a não ser em veleidades.


Meus melhores afetos já morreram e eu nem senti.


O coração arbitrário sempre fez tudo ao contrário.


Escapei de morrer um par de vezes, só Deus sabe por que.


Deixei de sonhar com o que me falta, talvez

porque nada me falta.


Nunca soube o que fazer da minha vida, mas nunca

odiei nem fiz mal a ninguém. A não ser a mim mesmo.


Meu maior desejo é chegar onde tudo recomeça.


De tudo que me lembro, só restaram dois ou três amigos

inesquecíveis. 

O resto é vasto, justo e jubiloso.


Do que se conclui que nada é tão bom

que não se possa abrir mão.


Minhas afeições de nada me valeram, de uma forma ou de outra,

todas me abandonaram.


Valho mais pelo que não fui.


Minha vida sempre foi boa, as agruras nunca passaram

de melodrama barato.


Meu maior erro foi ter nascido.














  

sábado, 13 de maio de 2023



                   desperdício 


Toda vez que cai, levantei.

O mal me fez bem.

Precisei sofrer para ser melhor.

Atirei meu corpo ao mar

e o mar devolveu.

Desperdicei o amor de quem mais me amou

para amar alguém

que sequer merece.


 








 

sexta-feira, 12 de maio de 2023


                        a espera do que não virá





A espera do que não virá é longa.

O que fazer do tempo, ou de nós mesmos,

de todos os falhados, o evolver das coisas,

a brisa da espera afadigada de soprar -  haverá algo 

do rancor antigo nas aflições de hoje ?


A espera do que não virá é infinita.

No desfile dos dias, o aboio das vespertinas ausências

se sobrepõe a todos os clamores.

A solidão veludosa das ruínas em que tudo se encerra

remonta à eloquentes mutismos.

Como alguém que se despede.

Como tudo que flui e o verme corrói.

O amor em pouso doendo na alma.

A espera do que não virá.





domingo, 7 de maio de 2023



                  o maior crime é viver



           


Poucos tem a sorte de Ulisses, cuja mulher-rainha 

manteve-se fiel por longos dez anos.

Fez-se deus de músculos e garras para conjurar

a confusão voraz de ser e não ser humano.

O senso do dever não resolve o teorema do mal 

que faz bem.

O maior crime é viver.

A entrega que não se entrega devora pupilas e pedras

de fugazes castelos.

Sossega, irmão, o mal compensa.

A beleza exasperada induz a tentação que levou o padre

a perdição.

Menininhas sem noção atiçam a carne, no alvoroço

dos desejos sonegados.

Narcisos descontentes amam orgulhos humilhados.

Confuso e autocomplacente, eis o meu fardo.

A parábola das façanhas arbitrárias confunde o amor,

como peixes asfixiados.

O bolor dos desenganos retorna em sebes novas.

Quem me curou das dores de amar não sabe amar.

Todo sonho que não aconteceu dura além de seu termo.

A banalidade da existência é a maior das riquezas.

Gatos e ratos são irmãos que se desconhecem.

É tempo de ignorar as ignorâncias para que possamos

tolerar os ignorantes.

Beatos regam as balsaminas do desespero. Em vão.

O prazer lavada de remorso é tão pouco venerável

quanto a velhice.

De que valem as afeições não correspondidas ?

Não há melhor companhia que um livro e um bom vinho

( no dizer de uma alma velha).


 







sábado, 6 de maio de 2023



Lavo-me da vida

sempre suja.

Esfrego, esfrego e não me limpo

da sujeira que me faz humano.

Desejo, luxúria, usura.


 



Não sou solitário, anti-social.

Sou tão somente seletivo.

E faço gosto que a reciproca 

seja verdadeira. 







                     venturosa história





 

Tive toda sorte do mundo.

Não nasci desnaturado, aleijado.

Não me perdi em berço de ouro 

nem chorei por abandono.


Tive toda sorte do mundo.

Nunca precisei mais do que tive.

Afeto, alimento, nunca me faltaram.

Meu anjo da guarda sempre esteve comigo.


Tive toda sorte do mundo.

Mesmo tudo perdendo, sempre me recuperei.

Não sou rico mas nada me falta.

Até um novo amor encontrei.


Tive toda sorte do mundo.

Com mais sorte do que juízo.

Oxalá o epílogo esteja à altura

de tão venturosa história.









                 sem respostas



Amanhece.

Nada é o que parece. 

A vida reinventa seu exuberante inferno.

Reunindo e apartando.

Ferindo e curando.

Abrindo e fechando portas.

Articulando e desfazendo.

Recompondo-se sem  distinguir

o certo e o errado.

Alteando-se ao desumano convívio.

Transitando entre exílios e ardis sexuais.


O eflúvio das manhãs irrompem em meio

a embriões e eternas controvérsias.

Qual a receita para os dias mais ásperos ?

Qualquer tempo é tempo de nascer e de morrer.

Qualquer tempo é tempo de fazer valer a pena.

Qualquer tempo habita um tempo para viver

e que foi vivido.


Pequenas fugas, doenças ocultas, a vida desmorona

nos elementos que ignoramos.

O que passa decifra-se até as lindes do inconsciente.

O mundo de cada um deixa-se possuir pelo que degrada,

pelo amor que se vinga,

quando o disfarce já não serve,

quando as delícias punem,

e a vida dadivosa se desfaz.


Amanhece. Nada é o que parece ou pareceu.

Os males de nascença, os laços que consomem,

o amor que trai. 

A manhã engravida o dia de mortes sem morte.

Dia que se interroga e entardece sem respostas.

A vida distribui e recolhe.

É tudo que se pode saber.
















 



                    os engenhos da paixão   



                 



Inquiro os insolentes engenhos da paixão.

Se tudo se limita aos apelos do sexo.

Se a mentira é doce como mel.

Se o futuro é risonho e bem-aventurado.

Se a imaginação é melhor que a realidade.

Se ninguém é confiável.

Se o penhor da entrega é chorar as lágrimas 

de todos os olhos.






                    o que não podemos ver



O que não conseguimos ver.

A verdade sonegada.

A farsa,

os segredos obscuros,

a vida dupla,

as mazelas,

coisas inimagináveis, insuspeitas.

Abscônditas, cuja revelação retardada

tudo consome,

tudo transfigura,

o amor irremediavelmente macula.








 

sexta-feira, 5 de maio de 2023



                   sangue fresco




Minhas lembranças são como vidas passadas.

Volto pelos caminhos a procura de mim, sem encontrar-me.

Em cada etapa da vida fui outro.

Sou o outro que sabe ter vivido de enganos.

Que traz consigo o pó das coisas findas.

O espectro das ilusões jamais confirmadas nem desfeitas,

poreja a existência sucateada.


Morri para as vidas que tive me evadindo dos afetos

mordentes,

que a tudo e a nada me levaram.

Renasço contra o mundo desfeito.

A sombra da sombra do homem que fui.

Surpreendentemente refeito das tantas vezes que me

assassinaram.


O sangue fresco de uma nova era - bendita ninfa ! -

referenda o novo sentir,

a vida reinventada sob novas condições.

Amar de novo, por que não ?

O céu das possibilidades já não é azul,

nem a alma límpida, mas a despeito de tudo, 

alguma coisa em mim me obriga a continuar acreditando.

Uma força interior me protege dos desastres

cotidianos.


As vidas que vivi morreram sem pompa nem circunstância,

posto que esvaídas até a última gota.

O defunto amor morreu por mim.

Horrível dizer, mas foi melhor assim.

O que morre se torna melhor depois que morre.











 

quarta-feira, 3 de maio de 2023




                   sonho ou pesadelo ?






Cem anos em dez anos.

Dez anos em um ano.

Um ano em um dia.

Assim caminha a humanidade.

Célere e incontrolável como um trem desgovernado.

Um novo-velho-mundo emerge das sofisticadas tecnologias

da era digital.

Rompendo as barreiras do impossível.

Computadores, máquinas, robôs, redefinindo conceitos,

estabelecendo novos padrões de trabalho, de relacionamentos,

de conduta.

A privacidade devassada. A liberdade vigiada. 

O tribunal do santo ofício redivivo nas redes sociais.

A Inteligência Artificial prometendo tornar o homem obsoleto.

Sonho ou pesadelo ?

O tempo dirá.





  

segunda-feira, 1 de maio de 2023



                                   



Dias heroicos transcorrem

tontos de lucidez.

A vida caminha sem vontade para o espaço hostil,

onde a história estrebucha

em atroz lirismo.


Prisioneiro dos dias, cada instante remonta

a podridão dos remorsos.

Os passos extraviados se opõe a nudez abandonada.

No vagaroso tempo, ausente, maduro, 

recuerdos indeléveis se elevam do luto,

para glória deste amor extinto.




 



                    sei lá



Sei lá por que te quero.

Não sei se é amor...ou vício...

Ou talvez seja esse seu repertório

de máscaras, dramas, fugas,

que me mantém preso à trama.

Em que um Eros debochado

tira meleca do nariz.






                  o corno do corno



Para você é muito cômodo.

Sai comigo durante a semana,

fica com o marido no fim de semana.

Diz que me ama

mas não larga o corno.


Até entendo o seu dilema.

Sei que muitas coisas estão em jogo.

Rupturas são sempre complicadas.

Daí ter me sujeitado até agora

a ser o corno do corno.


Mas cansei de ser tolerante.

Não me contento mais em ser 

simples amante.

Muito menos figurante.

Não consigo mais te dividir.

Chegou a hora de decidir.

É pegar ou largar.







 

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