segunda-feira, 31 de julho de 2023



                        diásporas





A esfinge finge labirintos espalhafatosos.

Sofismas subvertem as tramas divergentes.

Meandros ensimesmam o que não nego.

Dizendo o contrário.

Farsas se opõe a memória.

A escória fuzila-se pelas costas.

Os fatos rejeitam provas quando o óbvio 

dispensa álibis.

Conflitos empíricos permeiam enredos oníricos.

O coração funde diásporas que tramam vilipêndios.

Na matéria finita, o desejo de evadir-se espia o caos

dos pactos inconsentidos.

Na ambiguidade, o olho azul quer descobrir-se.

O tempo-coletivo é señor de si mismo.

A alma suja conjura os devolutos lavradios.

Vivi para aprender que o ideal é sempre quimérico.

















 



                os vagares do amor



Ainda não é dia e os pactos se renovam.

Salmodias descobrem-se a luz crua dos deveres.

Farsas nefastas cultuam hábitos que se perpetuam.

A dor que cura ultrapassa o sofrimento.

Entre o novo e o limpo, o sujo asseia-se.

O esforço inútil desperta o que finda.

De tão triste, maldisse o sísifo.

O só pensar sobrecarrega o discernimento.

Velas ao vento, alea jacta est.

Os vagares do amor subvertem os desejos.

Nunca é tarde para o interminável.

O que não se explica, se estrumbica.

A tragédia do sexo é durar pouco.

Feroz e indisciplinado : meu amor 

não se presta a desagravos.






 










 

domingo, 30 de julho de 2023



                          é dando que se recebe




 



Amo a vida, apesar de tudo.

Amo tudo que é mudo, infecundo.

E até o eventualmente imundo.

Amo o obscuro, o que refulge no escuro.

Não necessariamente belo, muito menos puro.

Apenas e tão somente, humano.


Amo o imprevisto, o improvável.

O obsceno, o ordinário.

E acima de tudo, o palpável.

O que pode ser comprado

por um preço razoável.


Amo você, mulher objeto,

sem dono, assumidamente promíscua,

sem margem de erro.

Fiel ao lema

de que é dando que se recebe.





 






 


 



        por um fim plausível



Minha dor surda

paira sobre as coisas imundas.

Afeto e tédio, perfeita mistura reinventada

do meu desconsolo sem dolo.

Amor insaciável verdeja entre abóboras, pepinos.

O que seria da vida sem encher a cara ?

Agreste inocência poreja recatos e delicadezas.

Convenhamos, a magia é amarrada num belo porte.

Mas os feios também amam.

Às vezes, melhor que todo mundo.

Sob galhofas e galhardias.

Amor dispensa isometria.

Isenção não existe.

Nobreza, eventualmente.

Amor de pobre é diferente do de rico.

Questão de simetria.

Fidelidade não se impõe.

Aprendi com meu filho de 15 anos.

Impressionante o que não sei.

Do amor, principalmente.

Ser romântico virou piegas.

Como não gostar de boleros ?

Minha vida estagnou ao pé de transas empíricas.

Confusos enredos oníricos sabotam o coração barroco.

Minha grandeza está de luto, quem mandou ela me sacanear ?

Defuntos habitam meus rios mortos.

Mãos cheias de vazios solapam enluarados pomares.

Segredos não valem nada.

Não há convivência sadia.

Uns sempre querem foder com os outros.

Seremos para sempre felizes, descuidados e frágeis ?

Pecadores e pescadores comprovam o vazio da existência.

Money, é só o que importa, viu, velho ?

Vazio é uma palavra muito forte.

Eu aqui, ela lá, é quando tudo se ajusta.

A recíproca é verdadeira, quando de interesses mútuos.

Quietas varandas bafejam obscuras esperas.

Florações efêmeras despertam revelações cruentas.

Já não espero por nada que não seja plausível.

Um fim que não seja a morte, por exemplo.






































                     a parábola da vida



Oh, despertar para a realidade que finda a cada passo.

Oh, amargo amaranto de uma existência inútil.

Tão importante que se apaga como se não tivesse existido.

Lamento por não ter sido mais do que fui.

Não há um dia que não me questione por que vim.

Alguém se lembrará de mim por algum bem que fiz ?

Fiz mais mal do que bem com quem convivi, eis

o que levo de mim.

O tempo é meu jardim de flores insepultas.

Em que criaturas orvalhadas cantam 

                                               a parábola da vida.







 



           nem tudo deu errado





Sonho acordado em lençóis de linho.

Correndo por campos eternos, 

nadando em riachos amáveis,

nada pode ser mais lindo.

Sempre atrás de uma bola, 

nos dias incríveis do Agudo.

Em que nada mais existia, 

além  da mais pura alegria.


Diferentemente do tempo adunco

de agora,

com sua tristeza crepuscular.

Fragmentos da vida que tive.

Amálgamas de mula sem cabeça com putas

de purezas decaídas.

Há feridas que nunca curam.

Queria ser jogador, me descobri fingidor

de sentimentos inocentes e intratáveis.

Pouco a lamentar.

Vem de longe meu inconformismo cruel.

A melhor parte de mim ficou pelo caminho.

Junto com os conflitos de culpas e apreensões.


Sonho acordado

que nem tudo deu errado.


 






sábado, 29 de julho de 2023



                  só os loucos são felizes



                            tela de Rene Magritte


O tédio chega como pássaros mudos 

e perfumes esmaecidos.

Me vejo como um andarilho perdido na grande estrada

que alude ao fim de tudo.

Como um santo que já não reza.

Um sábio que se perdeu entre trevos e campânulas 

cambiantes.

Uma criança precocemente envelhecida.

Pois assim se faz a vida.

Tudo o que se sabe é o que ignoramos.

Entre a folia e o horror, vivemos para enterrar 

nossos mortos.

O compasso das perdas rege todas as canções do mundo.

Entre idas e vindas, forjamos nossos medos e solidões.

Magníficos atores da tragicomédia humana, só os loucos

são felizes.






 





  

quinta-feira, 27 de julho de 2023



                    a tirania do tempo



O tempo se esgota e a gente nem nota.

As coisas se ampliam para menos.

Os vazios enchem os ermos de silêncio.

Os dias engalanam epifanias.

As magias se reduzem ao rescaldo das litanias.

O ocaso desdenha das quimeras amanhecidas 

de entremências.

Cada gota esgota outra gota da clepsidra 

tediosamente humana.

Para que a tirania do tempo possa urdir sua trama. 



 





              que a terra há de comer



O indevassável conflito requer requisitos insubornáveis.

Esqueletos de confeitos e normas imprescritíveis regem 

a negra transparência.

Sintaxes perfeitas de armários mofados marcham pelo

labirinto triunfante.

Impregnados de memórias incestuosas.

O inverso do nada coteja o ponderável.

O duro embate dispensa bravura.

Quando a morte já não é nem morte.

A treva engole a trama que a terra há de comer.

A dor universal de cada homem entoa metamorfoses

contagiantes.

Cada canto, cada praça subleva-se contra os pendões

da esperança.

A fome de justiça deslinda a farsa do futuro.



 

quarta-feira, 26 de julho de 2023



Se estou sozinho

anseio por tua presença.

Se estamos juntos

logo me enfastio.

Instáveis, 

somos por demais

compatíveis. 



terça-feira, 25 de julho de 2023



                      o caminho que não escolhi





Ando incógnito por um caminho que não escolhi.

Misturado ao torvelinho alucinado de vassalos de telas, teclas, 

aparatos digitais que invadem, assediam, corrompem

o perene rocio das virtudes.

No grande mar de rostos regurgitados por uma engrenagem

frenética e desregulada, herdeiros mal nascidos 

barbarizam 

em nome de deuses plastificados e desdenhosos.

Estranhos se tornam íntimos, espectadores tomam partido

em cada evento que se autodestrói, sucessivamente.

No ágora em que tudo e nada acontece, a milagrosa

iniciação claudica e prescreve, 

indiferente ao burburinho ordinário.

Como um fugitivo atento, me embrenho na autofagia 

do tempo para não ser devorado.

Antes de devorar-me o caminho que não escolhi.

A vida que não quis.

 








  

segunda-feira, 24 de julho de 2023


               entre engodos e mentiras





O cenário esculpido de mazelas zela por seus loucos.

Invectivando garras como a pítia sobre 

a trípode falsamente engenhosa.

Ora penetrando na absconsa gruta, ora redopiando 

em torno do nada.

A hora do desespero não perde a hora.

Exaustos, deixamos por isso mesmo. Os apelos do influxo

incorporam os pináculos frígidos dos estertores.

Ao tempo em que o anelo digital penetra pelas órbitas

insaciáveis, engolindo bosta e expelindo sensações

de brisa.

Somos mais virtuais que reais, sob a hedionda máscara

do deleite sem culpa.

A pequena vida lateja como estátua num jardim abandonado.

Um deus vítreo e metálico despreza os fantoches dançantes

ungidos por adoradores do reles.

O que se pode fazer quando alguns tem só direitos,

enquanto outros só obrigações ? 

Tudo e nada.

Nada e tudo.

Nada acontece sem um motivo. Nem sempre razoáveis.

Cristo subiu ao calvário para salvar 

o que não pode ser salvo.

É lícito supor que não o faria de novo.

Mais sensato é orientar-se com os cegos 

e festejar com os loucos.

Entre o engodo e a mentira, erguem-se as tochas

e os cantos de vitória.

Traidores da pátria refestelam-se como criminosos

homiziados.

Marcham intactos desde os primórdios.

Nada pode derrota-los.

Que importa se tudo se faz de novo ?

A palavra conforta e distrai.

Somos todos e um só. Estar na plateia ou no palco

já nos condena a consumição perpétua.

O teu fracasso é o meu fracasso, desconhecido irmão.













 



 








 

domingo, 23 de julho de 2023



               negociando com a vida





Arrasto meus ossos cansados por aí

pensando em como o tempo vai suprimindo os prazeres,

até mesmo os mais simples, como caminhar, ter uma 

noite inteira de sono.

Triste, mas é a vida, não há muito o que fazer, a não ser

procurar mitigar e se possível, tirar algum proveito.

Buscar compensações. 

Aprendendo a negociar com a vida.

Saber enquadrar-se nos prós e contra da nova realidade,

mudando a percepção do que se perde, 

para o que se pode ganhar. 

Ao invés da agitação, valorizar a calmaria, o sossego.

Ao invés da vida desregrada, curtir, degustar.

Ao invés do ímpeto irresponsável, o comedimento.

Ao invés de noitadas, uma boa noite de sono.

Ao invés de vícios, voltar-se à espiritualidade, seja 

num centro espírita ou num templo budista.

Ao invés de hiper-dimensionar as preocupações 

comezinhas da vida, descomplicar.  

Ao invés de sonhar com o impossível, viver

a plenitude do possível.

Arrasto meus ossos cansados por aí sem entregar

os pontos. 


















   

sábado, 22 de julho de 2023



                       



A verdade é que em matéria de relacionamentos,

o ideal está longe daquilo que se pratica.

Senão, vejamos.

Amar, em tese, é desejar o melhor para a pessoa

amada. 

É fazer de tudo para deixa-la feliz, certo ?

Só que na prática raramente isso acontece.

Deixamos sempre à desejar.

Exigindo demais e entregando de menos.








Nada mais complicado na vida que os relacionamentos.

Que só prosperam com muita paciência e inteligência

emocional. O quê infelizmente nunca tive.


                     Há pessoas tão sem noção que o único jeito 

              de lidar com elas é ignora-las. 


Tenho medo de ser feliz. A vida

não deixa barato.

O preço costuma ser alto.










                  

                               sonho de consumo


                       remorsos da consciência/arte surrealista



Náusea de espelho.

Náusea de mim mesmo.

Ecos de Borges a dessonhar as quimeras.

Esculpindo o indecifrável.

Fragmentos do limbo ensimesmam a melancolia.

Líquens deliquem em festins de felações impudicas. 

O apogeu do epigeu faz jus à modernidade insuportável.

Detendo-se na espessa ausência rimbaudiana. 

Poemar não é mais preciso.

A um passo do cadafalso, tudo que é falso range.

Exorbitâncias estupefatas liquefazem 

o sangue de barata.

O descompasso premedita o inesperado.

Cai a noite e a lua demora.

Barcos exaustos retornam alados.

A calmaria assenhora-se das horas.

A ventania festeja a vitória e a derrota.

Eros ferozes despedaçam-se a vista de Lebos.

A tara de Tirésias é nosso sonho de consumo.





quinta-feira, 20 de julho de 2023



                  pequenas partilhas





Bem pouco na vida é duradouro.

Bem pouco se retém, além de inefáveis pequenas partilhas, 

findas ou infindas.

O vasto mundo se reduz a bulha oca da alienação,

em meio a indomável vocação para a incúria.

A vida não se faz a não ser contra a não-vida.

A vida não se faz a não ser fora da vida.

Destruir e postular povoam o novo e o antigo.

De tempos em tempos tudo acaba e se renova.

O insano jogo é o jugo que permanece.

Em pequenos apocalipses, o homem ama e odeia,

atrai e repele.

Como uma maldição hereditária.












quinta-feira, 13 de julho de 2023



                razão de viver





O que perdi quando me achei ?

A razão de viver ? 

A vida sem rumo ?

A fuga completa de ser ?

Os desejos se opõe a sonolência dos cursos.

A matéria conspurcada ornamenta o lento processo

que resiste a violência do tempo.

Em busca de achar-me, abraço a transitoriedade

de tudo

com os sentimentos revoltos.

O que deixei pelo caminho mofa nos desvãos da memória.

Se agora me interrogo é porque não tenho

mais nada a perder.

Pouco importa o que fui, se o que sou

remonta às coisas que não aconteceram.

Vivo em função do que nunca aconteceu.













  

segunda-feira, 10 de julho de 2023




                  
                o milagre da espera






Vivo o milagre da espera.

Ou a espera do milagre.

Debruçado sobre dias sem perspectivas.

Em que tudo parece já ter sido.

Amadureço o porvir para longe de todo

e qualquer lugar.

É simples quando não se sabe para onde ir.

Quando o fim é apenas um atraso.

As diferenças se assemelham quando descendem 

do exagero.

Ou da penúria.

De túnel em túnel, a luz se apaga.

A covardia de viver falsifica-se

para aplacar o cansaço de abraçar o mundo.

Chega um tempo em que não há mais tempo 

para queimar etapas.

Não há virtudes sem fins lucrativos.

Nem quem não caia numa boa conversa.

O que mais há é gente se passando por boa.

Pactos (e himens) existem para serem quebrados.

Tudo está perdido, portanto, aproveite. 

A vida é bela. No silêncio e no escuro.

Como diria Hamlet, há algo de podre 

em cada quintal. 




domingo, 9 de julho de 2023


                          coração dissoluto





Em cada dia que passa e o tempo encurta,

tudo que ainda vivo se desfaz

como bichos que se devoram.

As lembranças descoradas, a lucidez embaçada, 

o amor corrompido,

fecundam as carências merencórias. 

No espelho, o algoz reconhece-se na vítima.

A graça de viver se nutre de sais que se dissolvem à esmo.

A débil vontade se encontra na impostura.

Que plano de vida aspirar quando todas as possibilidades

se esgotaram ?

Eu sou o meu próprio mundo desintegrado.

Canto o tempo esgotado que convulsa a realidade.

A revolta serena grita calada.

Nem sempre, e no entanto, sempre os caminhos se fundem.

No coração dissoluto cabem todos os abismos.














 

quarta-feira, 5 de julho de 2023



                     como se não houvesse amanhã



 


Amo-te como uma rosa caída.

Mulher em flor, despetala-se na fenda 

do tempo escorregadio. 

Nutre-se do abandono do tempo que foi, 

que é, e não mais será,

enquanto a primavera orla na janela.


Amo-te, todavia, não obstante as aflições de ontem, 

dos antigos dissabores. 

Amo tua voz de musgo úmido,

o toque aveludado de teu corpo junto ao meu, 

o desejo incontido que regressa de noite 

como um animal ferido.


Tu és a rosa pendida, quase perdida, 

amor recém-nascido nos ritos do presente.

Que me coube aceitar.

Dessa vez, como deve ser.

Como se não houvesse amanhã.




 

 

 

segunda-feira, 3 de julho de 2023



                      coração partido



No abandono dos sonhos encontrei o meu refúgio.

A hora de deixá-los rejeita a ideia do aniquilamento.

Subsiste na dura memória as formas elaboradas que velam

o sofrimento emancipado.

Quero esquecer mas não posso.

O coração partido refaz-se a espera que o tempo

cumpra o prometido.

Amar e desamar para continuar vivo.






   

domingo, 2 de julho de 2023



                                           

                   fulgor e fedor





É tempo de sentar-se à mesa com os ladrões

e assassinos.

É tempo de abrir as cortinas para o dia que não veio,

de separar a luz das trevas. De decifrar as manhãs 

ardentes e defloradas.


É tempo de abraçar o desconhecido e conjurar o perigo.

É tempo de debruçar-se sobre os farrapos dos dias,

de plantar platitudes atrozes, de desmontar os ardis dos intrusos.


É tempo de maturar os sinistros diálogos. De largar 

as muletas dos pais, de aconselhar-se com as crianças.


É tempo de sonhar os sonhos factíveis, de restituir 

o que foi denegado, de pagar pelos pecados.

De cortar os pulsos.


É tempo de enfrentar os jagunços, de comungar 

do silêncio dos bichos, das beatitudes conflagradas,

dos desejos profanados.


É tempo de incendiar o logro dos altares, de unir 

o pecado e o prazer, de queimar os santos hereges. 


É tempo de impugnar a justiça marota, de vã espera 

e homicídios inocentes.


É tempo de alianças incontornáveis, de apontar

o dedo sujo para o acusado, de anular o que já foi julgado.


É tempo de redescobrir o riso, de abolir o rito,

de esquadrinhar o mito, até que fique o dito pelo não dito.


É tempo de roer a corda, soltar o verbo, soldar 

o concreto e o abstrato. 


É tempo de oxímoros, anacolutos, sinédoques,

de hipérboles aziagas e funções fora de hora.

É tempo de fulgor e fedor. De especificar-se,

de belezas banalizadas e demônios que rebolam. 


É tempo de pústulas e parasitas. De despautérios e

vilipêndios, de bacantes e bacanais virtuais. 

É tempo de arquiteturas do mal, de retóricas adulteradas,

de oráculos subsidiados.


É tempo de cegueiras lúcidas, de ignorantes letrados, 

de iconoclastas aloprados. 


É tempo de acender uma vela para Deus e outra

para o diabo.











 




sábado, 1 de julho de 2023



                         contrato de risco



Não se iluda.

O começo do fim se amotina em seu auge.

Quando tudo parece calmo, perfeito.

O começo do fim é o momento mais improvável.

O mais memorável.

Quando o amor parece mais grandioso, inabalável.


Tanta ventura não fica impune.

Afrodite é ciumenta, vingativa.

Engendra ciladas, intrigas, desditas. 

Põe o amor à prova, testando a paciência,

a resiliência, o sexo...

Até que o que era imenso, sublime, 

fenece,

desaparece.

Posto que mesmo em face do maior encanto,

nada dura, muito menos infinito.


Te amei mais do que a mim mesmo.

E jurava que a recíproca era verdadeira.

O que não impediu que tudo se perdesse.

E o que havia de melhor e mais raro,

no mais sórdido desfecho se transformasse.


Do auge ao declínio, é só uma questão de tempo.

Cumpre sopesar, entender que muito mais 

que de grandes momentos,

o amor não passa de um contrato de risco.

Sem prazo nem garantia. 











 



Madrugada.

É quando melhor me conheço.

E nada temo.

Além de meus medos.

De não saber mais quem eu sou.

De que depois da morte 

seja sempre noite.






Peixes cegos. Cobras voadoras.

Pássaros sem asas.

O Eufrates que seca.

Os sinais estão por toda parte.

Florestas em chamas.

A envenenada paisagem brilha 

como água luminosa.

Gotejando pura como nunca.

Deus está aqui.

Em todas as coisas infectadas.


 



Hoje está tudo bem.

Amanhã, já não sei.

A vida se repete

até chegar ao impasse,

ou a um ponto sem volta.

Que é quando as pedras rolam.


 





O urubu me espreita,

enquanto bica a carcaça de um peixe.

certo ele, pensei.

Um olho no gato, outro na sardinha. 




                            

                        meu melhor acalanto





Lembro do silvo agudo dos maçaricos voando 

antes das tempestades.

Os eucaliptos encharcados tremulando ao vento.

O cheiro luxuoso da chuva empapando a terra.

Os andorinhões  procurando abrigo nas árvores.

O céu inteiro prestes a desabar ao rebombar das trovoadas.

As poças se formando no quintal,

que depois ia chapinhar sob o alarido alegre

dos meus dois cães de guarda.


Sempre gostei da chuva. Lembro com carinho

das tempestades repentinas dos escaldantes verões 

da minha infância gaúcha, 

e mais tarde, da garoa gelada das manhãs curitibanas. 

Os pingos ecoando na rua, batendo na vegetação,

ainda são o meu melhor acalanto.

A chuva lava a sujeira da vida. 














  

Postagem em destaque

                               de segunda à segunda A vida se mascara e se revela tão perto e tão longe de tudo.   Andamos à esmo como anima...