segunda-feira, 29 de novembro de 2021



                                                 a mãe de todas as dores





De repente, o luto.

O luto que a tudo transcende.

Às tolas prevenções.

Às escolhas equivocadas.

Aos mal-entendidos.

Aos rancores, os passos erradios.

Luto que tripudia do orgulho besta.

Que reduz tudo à cinzas.


O luto é o soco no estômago.

O despertar tardio.

O vazio diante do despenhadeiro.

É o mundo do avesso.

É o avesso do avesso.

O exílio forçado.

É o medo que enclausura

a banda podre do tempo.


O luto é a mãe de todas as dores.

Luto por um filho, pelos pais, pelo país

permanentemente enlutado. 

Luto por aqueles que nunca mais veremos.

Pelo que nunca mais teremos.

O que pode ser mais terrível ?

Saber que nada será como antes.


Luto, luta que nunca acaba.

Luta para esquecer, para superar, seguir em frente.

Para quê ?

Descubra você !















                            peixes cegos




A maldição de Sísifo nos persegue.

Nada podemos reter. Nada é nosso, tudo é transitório, 

ilusório. 

Mesmo os afetos são como peixes cegos que nadam

em círculos, 

marchetados de corrompidas arquiteturas.

Há que sopesar a vida. Não ter medo de abraçar

o inimigo. 

Abster-se das infâmias, traições, egoísmos.

As altas torres do exausto coração um dia desmoronam,

em desocupados e cotidianos roteiros que zombam da morte.

Longos braços afeitos a adeuses 

acolhem a solidão que é de todos.

A fé em ruínas, refeita na dor peregrina,

lava o tempo terminal.

Vivemos para enterrar nossos mortos.

Até que a maldição acabe. 

No descanso eterno. 

  

  





 

sábado, 27 de novembro de 2021



               

       benditas sejam as dores que humanizam.




 

Todas as coisas são mais reais banhadas 

em velhos sais de sofrimento e melancolias.

Dor e privações humanizam. 

Benditas sejam, pois, não obstante indesejadas.

Mesmo as mais insuportáveis, de roteiros abandonados.

Desde que indeferida a eternidade, 

arrastamos nossos corpos entre adversidades

que engrandecem.

À espreita do reinado da treva e do caos interior.


Morte e renascimento andam lado à lado.

Onde há destruição, abrem-se novos caminhos.

No ciclo inexorável das coisas, louvada seja a luta sem glória.

O poder das frustrações cotidianas.

Lições que não ensinam na escola.

Que cada um aprende à sua maneira.

No amor ou na dor.





 

sexta-feira, 26 de novembro de 2021



           o amor que te coube matar





Vejo-te agora como se fora outra.

Bela e frágil como uma flor que quebra na haste.

Andamos tão longe e nos separamos.

Dispersos na distância em que tudo é saudade,

Vimos morrer o amor que te coube matar.


Já nada me pesa.

Nem teu coração de pedra.

Cujos segredos, 

hoje, despetalados, 

nosso amor profanaram.






quinta-feira, 25 de novembro de 2021



                            livre-arbítrio





Viver em busca de aprovação

é viver pela metade.

Ensinam-nos  a obedecer, seguir as regras.

Impõe-nos metas e obrigações como se fôramos

peças de uma engrenagem.

Que é o que realmente somos !

Em alguma engrenagem nos encaixamos.

Até nos tornarmos totalmente obsoletos.

Ah, fim mais triste não pode haver.

Definhamos, apodrecemos por dentro, nem sombra 

do que um dia fomos.

Todo ser humano deveria ter direto à eutanásia.

Para que serve o livre-arbítrio se nos negam

o direito de morrer dignamente ?



  

terça-feira, 23 de novembro de 2021



                      sem pressa





Para onde vão os mortos ? 

Para lugar algum, provavelmente.

Reencarnação ? Vida após a morte ? Tudo especulação.

Certo mesmo, é que ao pó voltaremos.

Já a alma, se é que exista, sem os prazeres da carne,

que espécie de Paraíso habita ?

Nada haverá de salvar-nos de cumprir 

o rito inapreensível.

A última morada é a do esquecimento que purifica.

O rosto que vejo no espelho não é o meu.

É das tantas máscaras que usei.

E que agora, para nada servem.

A grande aventura engendra auroras e crepúsculos

ensanguentados.

Não há um só dia que não possa ser o último.

Ou o primeiro.

Na cíclica trama de ferro e de cristal,

somos os que se vão.

Para onde ? Não tenho pressa em saber.







 

segunda-feira, 22 de novembro de 2021


                          a confraria dos véios 





Não deveriam beber, fumar, comer petiscos gordurosos,

mas não estão nem aí para os ditames da tal vida saudável.

Se há algo que a confraria dos véios dos botequins, das praças, 

das padarias, 

não abre mãos, é curtir os prazeres que ainda estão ao alcance.

Entre os quais, é claro, a conversa fiada sobre todo

e qualquer assunto. Com direitos aos disparates de praxe.

Você sabe, se não sabe fique sabendo : há véios e véios. 

Os véios das confrarias são diferenciados. São aqueles que

labutaram - alguns ainda labutam -, aprontaram, experimentaram

os altos e baixos da vida, e por fim, se recusam 

a entregar os pontos e resignar-se às agruras da velhice.

Volta e meia um tropeça num palito de fósforo, entorna 

a bebida na roupa, mija nas calças - ah, a maldita 

incontinência urinária que chega sem aviso prévio !

Mas para os véios da confraria, bater ponto no segundo lar

é sagrado. Para tomar uma gelada, beliscar um tira-gosto, 

o pão besuntado de manteiga, o sanduba de mortadela, de pernil. 

Que o diga o seu João, 

o Toninho, o Maneco, o Paulo, o Genaro, o Zé Luiz, e cia, 

habitués da padaria Caiçara, na Ponta da Praia de Santos.


Loquacidade à toda prova, assunto nunca falta para eles. 

Mesmo sendo quase sempre os mesmos. 

De manhã à noitinha, há sempre uma rodinha,

ou um petit comitê encostado no balcão, como se ninguém

tivesse pressa, ter o que fazer. 

E não têm mesmo. 

Ocupar o tempo ou cair nas garras da obsolescência, 

é o ( derradeiro ?) desafio que se impõe.

Ficar em casa é um suplício. Por causa ou por falta da mulher.

Da companheira de décadas que virou uma chata, ou de quem 

se separou, ou bateu as botas...

Sabem-se sobreviventes, os véios das confrarias, 

mas as baixas são inevitáveis. 

Heróis, fracassados, ou meramente cansados, exauridos,

consumidos, 

buscam apenas um bálsamo para suas perdas e dores.

Basicamente, alguém que lhes escute, lhes dê atenção.

Algo gradativamente suprimido do convívio com seus entes queridos. 


(Homenagem a todas confrarias de véios, desta e de outras plagas).



 

   









  



  

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

 



                             estrelas e espinhos


                                 (tela de Salvador Dali)



Nesses dias de carências inúteis e

escassas expectativas,

quase nada precisa ser dito ou feito. 

As ações falam por nós.

Águas quietas e escuras guardam os segredos

que já não importam.

Nada do que aprendemos tem serventia

quando a escuridão cobre os dias.

Apenas a constatação de que nem todo amor 

que ornamentou a vida de estrelas e espinhos, 

vale mais do que o que 

não se pode dar.


 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

sexta-feira, 5 de novembro de 2021




A humanidade vive hoje o seu ápice :

tornou tudo descartável. 







A rotina nos devora.

Só as dores se renovam.

Mudam de patamar com o tempo.

À procura de seus próprios e tortuosos fins.




 



                             distrações





Naquele instante mágico

em que tudo acontece,

iludidos e pretenciosos,

imaginamo-nos,

regentes do que somos.

Esquecidos de que nada somos, 

nada temos,

além de breves distrações 

em meio 

aos intermináveis suplícios da vida. 

Sim, o mundo é cruel, 

especialmente às primeiras horas da manhã,

quando quase todo mundo dorme,

sem imaginar toda a merda que vai acontecer.









terça-feira, 2 de novembro de 2021



Se há um dia em que não me importo

de não ser lembrado por ninguém,

é hoje. Finados.







 

 

 

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