quarta-feira, 24 de agosto de 2016



UM BRINDE À AMIZADE (reminiscências curitibanas)



Comecei a trabalhar aos treze anos, em uma empresa de pequeno porte em Curitiba, lá pelos inocentes anos 60, na abençoada alienação de uma vida que fluía sem maiores complicações. Tive sorte de conviver com um pessoal muito gente fina e usufruir de um ambiente familiar que tornava o próprio trabalho agradável. Ao menos era o que me parecia, nos três anos que lá fiquei como office boy e ajudante de expedição, e sobretudo, fazendo amigos e conhecendo pessoas bacanas que lembrarei pela vida toda. 
Diferentemente da vida adulta, em que optei por me tornar recluso e introvertido, fui um garoto brincalhão e espevitado, que todo mundo gostava. Era conversador e curioso, e aparentemente inteligente, daí a facilidade de me relacionar com adultos. Esse dom, por assim dizer, fez com que me tornasse muito querido naquele ambiente de trabalho em que eu era o único menor de idade. Tanto que me tornei confidente da linda secretaria do patrão, uma morena alta, de corpo esbelto e pernas longilíneas, a sensual Sílvia, meu primeiro amor platônico e musa de sonhos eróticos que ela nem suspeitava - ou assim fingia. Lembro que quando a via triste ou com o semblante pensativo, esperava sempre uma oportunidade para puxar assunto e confortá-la, atrevendo-me a aconselhamentos que nem sei de onde tirava. Ainda mais em questões amorosas, que eram a causa das olheiras e expressão tristonha, que volta e meia exibia, para minha aflição. Aflição em termos, porque eram nesses momentos de vulnerabilidade que acalentava minhas mais ardorosas fantasias. Que infelizmente, sinto dizer, nunca se consumaram. 
Que saudades, meu Deus, daqueles tempos ingênuos e descomplicados, em que até o sorriso das pessoas parecia mais natural e autêntico. Sem saber, tive ali os melhores exemplos de convivência sadia e proveitosa que um jovem, com o caráter em formação, poderia ter. Coisas simples, elementares, bobas até, como disciplina, respeito a hierarquia, senso de responsabilidade, me foram incutidos naqueles anos sem eu me dar conta. Todas aquelas pessoas, com quem, naquele breve período, convivi mais do que com minha própria família, obviamente nunca souberam, como nem poderiam saber, dispersados como fomos - e continuamos sendo - pela vida afora, o quão importantes foram para minha formação, para forjar os valores que me nortearam e balizaram por essa longa jornada.
Sobretudo um certo Celso Ari Baruffi, que entrou indelevelmente na minha vida do mesmo jeitão despretensioso e até simplório com que dava conta da contabilidade da firma. Simpatia e bom humor sempre presentes mesmo para com um rapazola mal saído dos cueiros, como eu. E que se mantiveram à toda prova durante o ano inteiro em que me acolheu em sua casa, quando minha família mudou-se para Santos, mesmo sendo ele recém-casado, e compreensivelmente à contra-gosto da própria mulher, a estimada Gisela, e a quem também sempre serei eternamente grato pela hospitalidade e amizade.
Mais de 50 anos se passaram, nunca mais tivemos contato, até outro dia, quando o descobri no indefectível facebook, ainda com traços inconfundíveis e o mesmo jeito bonachão transparecendo nas fotos. Fecho os olhos e ainda relembro de nossas conversas, de seus conselhos ponderados, das citações em latim que aprendeu no curso de teologia que acabou abandonando, quando sentiu que lhe faltava vocação para o celibato. 
Te lembras disso, querido amigo ? Alguma vez imaginou que aqueles momentos, aquela breve e fraternal convivência tivessem o poder de transpor o tempo, e se eternizar em lembranças que me sinto instado a revelar agora, antes de partir, ou de partirmos ? Momentos sublimes na simplicidade de uma convivência calorosa e alegre, como as bandas que dávamos no fusquinha que compraste, que nosso amigo Jaime tratou de personalizar, deixando-o com cara de stock car, e que de tão rebaixado sacolejava mais do que uma carroça. Eita vida boa...
Que da vida não levamos nada, sabemos perfeitamente. Pois então, que levemos para o túmulo, o além, ou seja lá o que nos espera, a certeza de termos plantado algo de bom, deixado um legado que excede as nossas obrigações e realizações mais comezinhas, e o que é mais reconfortante - do qual nem suspeitávamos.
  

    















domingo, 21 de agosto de 2016

  
           OURO SOFRIDO, COM GOSTO DE PÃO DORMIDO

Nada mais natural e compreensível que a emoção fale mais alto nessas horas. Emoção extravasada em choro, desabafo, abraços, permeados, como não poderia deixa de ser, pelo exagero característico dos grandes eventos, das grandes conquistas. Análises mais frias e realistas nesse clima, obviamente, nem soariam bem, mas há que fazê-las para que o clima de festa não oblitere a realidade. 
Dizer, por exemplo, que a trajetória para ganhar o sonhado ouro nunca foi tão fácil, pois praticamente só pegamos galinhas mortas,e na hora de decidir contra um adversário não mais do que razoável, tivemos que passar pelo drama dos pênaltis para ficar com o título.
Dizer que, emotividade e passionalismo à parte, o time não fez mais do que sua obrigação ao finalmente conquistar o único título que nos faltava ao jogar em casa, com a motivação extra de poder se desforrar da Alemanha, ainda que nem a sombra daquela. E que precisar da loteria dos pênaltis não estava no script.
Dizer também que, sem desmerecer ou deixar de reconhecer a superioridade da equipe no cômputo geral, individualmente, nossos badalados atletas mais uma vez deixaram a desejar. Inclusive Neymar, que a rigor brilhou apenas nas cobranças da falta e do pênalti decisivo. Como, aliás, ficou explícito no choro convulsivo de alívio que mais uma vez tomou conta da rapaziada, e dele em particular.
Dizer ainda...bem, deixa pra lá. O momento é de comemorar e valorizar a conquista, não só pelo ineditismo mas principalmente pelo resgate de nossa massacrada auto-estima, porque de proselitismo barato e arroubos demagógicos já bastam os de nossa trupe de prestidigitadores midiáticos. Que vão da fúria iconoclasta ao desbunde total com a mesma facilidade com que o camaleão muda de cor. 
Com a diferença de que, ao contrário do simpático bichinho, que se limita apenas a observar, nossa histriônica mídia esportiva tem o feio vício de falar mais do que pensar. Daí as frequentes gafes, saia-justas, bolas fora que medalhões como Galvão Bueno e seus adestrados macaquinhos globais costumam protagonizar.Vexames em todo caso, ficam em segundo plano diante do inegável significado da conquista, que mesmo com gosto de pão dormido, quebrou um tabu de mais de um século. E sobretudo, pela afirmação de um nova safra de valores aparentemente apta a formar no time principal. 
O que não poderia ter vindo em momento mais apropriado, com Tite iniciando sua árdua missão de, no mínimo, assegurar nossa presença na copa de 2018, na Rússia. E que não deixa de ser uma obrigação ainda maior.

sábado, 20 de agosto de 2016


                                    DOZE PASSOS PARA O ABISMO





Nada mais insensato do que se angustiar com problemas e preocupações que não estão ao nosso alcance resolver. Nem falo das grandes questões existenciais, para as quais jamais obteremos respostas definitivas, mas de questões e atribulações mais comezinhas, que quando levadas ao extremo, podem se transformar em fardos pesados demais para suportar.
O pensador francês Jean Luc Martineaux, enumerou doze posturas que reputa como sofrimentos tolos, desprovidos da verdadeira dor, não obstante causem tortura mental que desencadeiam males maiores.

Ei-los :

1. A pressão da crítica e o medo do fracasso.
2. A hostilidade como auto-defesa.
3. A mesquinharia como norma de vida.
4. A incompreensão da crise benéfica, construtiva.
5. O radicalismo e a intransigência como auto-afirmação.
6. A pressão do afeto familiar.
7. A fidelidade como símbolo do amor.
8. A ingratidão como pretexto para queimar pontes e prevenções auto-excludentes.
9. O fantasma da solidão como fator de postergação.
10. Sentir-se responsável por tudo e por todos.
11. Delegar à religião ou a terceiros decisões que seriam suas.
12. O concretismo exacerbado e o ceticismo fechado.

O vazio existencial que faz com que as pessoas se sintam profundamente infelizes, e se distanciarem dos valores mais simples e nobres, reside na confusão mental que obstrui nossas potencialidades e capacidade de valorizar as coisas boas da vida. 
Coisas que às vezes só damos valor tardiamente, depois que as perdemos. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2016


                          UM NOVO STATUS QUO

Como todos sabem, o mundo está chapado de dementes e degenerados de toda espécie. Está como sempre esteve, é verdade, mas com a diferença de que hoje em dia essa escória vive e prolifera no ambiente ideal, sob os onipresentes holofotes de uma mídia autofágica e percuciente, que se locupleta com as barbáries que se encarrega de divulgar. 
Não é à toa que o famigerado Estado Islâmico, com quem nossa cerebral presidenta escanteada sugeriu dialogar, em discurso perpetrado em plena ONU, dá tanta ênfase ao trabalho de divulgação via blogosfera, que pari-passu com a mídia, se presta a todo tipo de (des)serviço. E por aí vamos, cada vez mais condicionados e expostos a um manancial de informações, factoides e entulhos que, de certa forma, nos remete a um novo status quo forjado a luz de uma óbvia e temerária subversão de valores. 
Cenário em que deus ex machina reina absoluto. O deus surgido da máquina. Da terra de ninguém da internet, em que o bem e o mal se misturam e colidem em encontros e confrontos potencializados pela repercussão instantânea e interatividade. Recursos explorados à exaustão como armas de persuasão, intimidação, protesto, e ao que tudo indica, precursores de uma nova era de dependência e submissão a avassaladora escalada tecnológica em curso.   

"Eu temo o dia em que a tecnologia ultrapassar a interação humana, pois o mundo terá uma geração de idiotas". Albert Eistein




                  A NABABESCA FARRA OLÍMPICA

Como é de praxe em mega-eventos dessa natureza, mais uma vez nos tornamos literalmente  reféns do jornalismo de saturação com que a mídia, organizadores, patrocinadores e beneficiários em geral, unem forças para mostrar ao mundo como se ganha e se torra dinheiro às custas dos incautos e trouxas que bancam a farra, também conhecidos como contribuintes. Ou há dúvidas de onde saíram os quase 100 bilhões que custearam a joia da coroa da megalomaníaca governança petista, que não satisfeita em promover a Copa do Mundo de 2014, emendou logo outa farra ainda mais nababesca.
Que me desculpem os deslumbrados com o folclórico (para dizer o mínimo) desfile da tal tocha que rodopiou mais do que charuto em boca de bêbado, bem como os que aparentemente não estão nem aí para os sacrifícios impostos a população - o Rio chegou a decretar estado de calamidade pública por falta de recursos até mesmo para pagar as aposentadorias do funcionalismo público - com a malversação de tanta grana, mas para mim, francamente, a forçação de barra é notória e intragável. A começar pelo tradicional reco-reco comandado pelo papagaio-mór, Galvão Bueno, cujos clichês e arroubos ninguém aguenta mais, clamando por aposentadoria. Como, aliás, outros globais e que tais que mobilizam a telinha há décadas.
Uma xaropada com direito a um não menos espaventoso estúdio anexo ao complexo central dos jogos, espécie de picadeiro digital de um show midiático animado por um batalhão de prestidigitadores que supera os aproximadamente 10.500 atletas que competirão. Sendo que cerca de 2 mil profissionais só da Globo. Em suma, um porre de cobertura que promete esmiuçar todas as contendas previstas para os 46 luxuosos (?) palcos erigidos para a competição, afora os avulsos designados para o futebol.
Enfim, não havendo nada que se possa fazer a respeito,nem mesmo uma recepção apropriada aos pais da criança, já que tanto Dilma como Lula sintomaticamente abdicaram de marcar presença, não nos resta senão segurar o rojão e torcer para que, mais uma vez, não passemos vergonha. Dentro (o que não seria nenhuma novidade) e, principalmente, fora das praças esportivas, já que a bandidagem, como se sabe, não tira férias.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

                 ENSAIO À MODA ANTIGA





Às vezes me pergunto se ainda é possível 
o amor sobreviver nesse mundo louco.
Não o amor vulgar e mercantilizado, 
à venda nas melhores casas do ramo,
ao gosto (e bolso) do freguês.
Falo do amor à antiga, cantado em prosa e verso,
em livros e canções que hoje soam anacrônicos,
piegas até.
Afinal, quem ainda manda flores, faz a corte,
elabora versos como os que cometo aqui,
não sem um pé atrás ?

Tudo bem, de minha parte assumo a nostalgia,
o desencanto com o que vejo por aí.
Com a frivolidade das relações,
latente no próprio linguajar chulo
com que os casais modernos se tratam.
Com a falta de cavalheirismo, de feminilidade.
da vugaridade que impera de um modo geral.

Que fim terá levado o velho e bom romantismo,
o ritual da conquista,
o protocolo da aproximação, 
com direito a rubor nas faces 
e as atabalhoadas cantadas ?

Nesses tempos sob a égide da cultura do lixo, 
do lixo da cultura,
do culto às drogas e banalização do sexo,
amar que é bom, é um luxo para poucos.

A palavra de ordem é curtir, ficar.
O resto é resto.









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