sexta-feira, 31 de dezembro de 2021


                  mutatis mutandis



                        


Tudo está em constante mutação.

Ainda que às vezes imperceptível.

Às vezes para melhor, mas quase sempre

para pior.

À medida que envelhecemos.

Às vezes antes disso.

Não há mudança indolor.

Mesmo quando tudo parece bem,

no fundo,

é apenas a véspera dos infortúnios.

Até o amor fere.

Pode ser a coisa mais bela

e a mais triste.

O tempo repartido é provedor e algoz.

Entender a vontade de Deus transcende 

ao conhecimento.

O conhecimento nunca é suficiente.

O efêmero garante que a vida prossiga.

Mutatis mutandis, e segue o baile.










                 mais valia





Desejaria não ter desejos.

Não obstante, tenho-os em demasia.

Mais do que gostaria.

Em sua maioria, alegorias.

Saturadas de mais valia. 




 



                     palavra de ordem 





Resistir é preciso.

Resistir é a palavra de ordem.

Resistir, resistir,

até a vida se extinguir.


 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021


                               irretocável e irrevogável





Não sei mais que conselhos de vida

dou a meu filho.

Minhas velhas lições gastas

soam anacrônicas, às vezes até cômicas.

De tanto ver triunfar as nulidades (né, poeta ?)   

nem sei mais o que é certo ou errado.

Bons exemplos não bastam.

Corretivos muito menos, desde que a velha e boa tunda

foi abolida, e até proibida. 

Irrevogável e irretocável, no fim das contas, 

só o velho mantra do bom pilantra :

faça o que eu digo mas não faça o que eu faço.





 

 



terça-feira, 21 de dezembro de 2021



                  o bem e o mal andam de mão dadas





Não há culpados nem inocentes no reino de Deus, Alá,

ou de qualquer outra divindade fajuta.

O bem e o mal andam de mãos dadas,

mudam de lado constantemente.

O certo e o errado se confundem, quem faz o bem

hoje é o assassino de amanhã.

Tudo depende das circunstâncias, do ponto de vista.

Mais de 6 milhões de judeus foram mortos nos campos

de concentração nazistas na segunda Grande Guerra, 

e agora são os judeus que mantém milhares de palestinos 

confinados na Faixa de Gaza, sob bombardeios 

constantes e toda sorte de privações. 


Serão os genocidas um mal necessário? 

Alguém tem que fazer o trabalho sujo.

Nascem, são "escalados " para isso.

Se pudessem escolher, provavelmente declinariam do terrível 

papel que lhes é reservado.

Um mundo de paz e bondade é desejável mas inviável. 

A dura verdade é que sem as guerras, os genocídios, 

o mundo seria inabitável.

E será, do jeito que as coisas andam.

Somos mais de 8 bilhões de habitantes, até 2050

será o dobro. Haverá comida, água, meios de subsistência

para todos ?

Há quem acredite que epidemias como a Covid

são uma reação à profanação da Natureza. 

Faz sentido. Mas reação de quem ? 

Causas naturais ( divinas) ou induzidas ( humanas) ?,

eis a pergunta que fica no ar.







   



 



 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021




                     desejos e contatos

                         



 



Há um ranço de adeus em conformidade com o momento.

Na nova casa irremediavelmente devoluta,

onde a velha mobília guarda indeléveis marcas

de um passado que finalmente achou seu lugar.

Tudo se foi num piscar de olhos.

Menos mal que onde havia o corte, e a dor,

cicatrizes humanizam os corações conflagrados.

Mas já não há como partilhar 

desejos e contatos

sofreados sob o peso das novas condições.

Há um homem que anda na chuva e sente frio.

Há uma mulher que chora em seu quarto, 

sem trinco nem chave.

Há lutas, cinzas, bandagens cobrindo corpos

que só querem seguir seu caminho.

Apartados do amor que não pode mais ser repartido.

Posto que desgarrado da existência que um dia

foi deles.

Porque finalmente as coisas são como sempre deveriam

ter sido.

Lavadas do rancor e do desespero.

Tristes, quando nem triste são.




















 



                        quem me dera


 




Quem me dera não o profano,

mas o humano.

Quem me dera não o doente,

mas o sano.

Quem me dera não a serpente, 

mas o antídoto.




 

sábado, 18 de dezembro de 2021



                      cantiga antiga





Bem sei que essa minha cantiga

pode soar um pouco antiga,

nesses tempos de funks e outras estrovengas.

Pode soar piegas, por evocar coisas fora de moda.

Fora de moda, mas não antiquadas.

É uma cantiga despretensiosa, talvez não à altura

de alguém tão especial.

Muito mais que um objeto sexual, 

que usa-se e joga-se fora, como se faz hoje em dia.

Longe disso.

Não a quero por uma noite.

Por alguns momentos.

Eu a quero do jeito que se queria antigamente.

Por hoje e para sempre.






   





 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021




                                        as redes da putaria






Falta de empatia.

Supressão da consciência.

Dessensibilização.

Fenômenos da pós-modernidade.

É a humanidade ladeira abaixo.

Sob os auspícios do (sub)mundo digital.

Tudo muito simples, muito fácil.

A putaria chancelada pelas redes sociais.

Aberta à todos os públicos.

Um Pix e tudo se consegue.






 

terça-feira, 14 de dezembro de 2021




                   às vezes a vida é só o que é


Gravura de Salvador Dali



Às vezes a vida é só o que é.

De indescritível horror. Na violência implícita

e explícita do dia-a-dia. No drama silencioso de cada um.


                "Quando eu era pequeno, ia pelo calçadão no sol, sem

                 chinelo, com medo de ser roubado, nas horas de folga,

                 ia com minha prancha no alfalto quente, 

                 e trabalhava pesado com 10 anos de idade, e completei

                 os estudos, e cuidei das minhas irmãs, e ainda treinava

                 musculação, fazia surfe, hoje em dia levanto

                 a traseira (sic) de uma ambulância, tomo remédios

                 fortes, e agora sou normal.


                 Eu bati a cabeça num fusca com 5 anos de idade,

                 a culpa não foi minha, 60 quilômetros 

                 por 20 de bicicleta, calcula, perdi parte da massa

                 cefálica (sic), e não tem cura."


Às vezes a vida é só o que é.


  * Depoimento de Cesario Parada Neto Parada em sua página no Facebook.


 

domingo, 12 de dezembro de 2021


                          tarde ontológica 





 


Envolta em angustiante quietude,

a tarde ontológica

esconde desejos prementes,

desde sempre pendentes,

renitentemente ausentes. 


Nada muito urgente,

nem extravagante,

diria até pouco inteligente.

Apenas o grito pungente

de um ser carente, reagente,

dependente daquilo que a gente

mais finge que sente

do que sente.


Honestamente ?

Tudo pode esperar.

A verdade dos supremos desconsolos.

A espera que aclara os sofrimentos.

A repulsa moral.

A esperança que não tenho.

Tudo pode esperar.

Tudo e nada que compõe 

o pouco e o demasiado.

A falta e o excesso.


Ora, um poema não precisa ser um poema.

Apenas um ato-falho.

O halo.

O talo.

O hipotálamo.

Mais bucólico que 

um hipopótamo 

tomando sol

na tarde ontológica.











 

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021




                     água dura em pedra mole





Há dias em que as horas desaparecem na brancura,

e os desertos ásperos do esquecimento trituram

ossos, estrelas, os próprios enganos.

Para, enfim, conduzir-me para além dos erros,

enquanto o coração derrete.


Sou eu mesmo, agora. 

O que posso dar de mim nem sei se é amor.

Poderia ser mas não faz mais diferença. 

O que eu sou é onde estou, 

vi o chão molhado de enredos oníricos e me afastei.

O que sobrou : pensamentos que vagueiam

como singelo arroio entre as duras rochas.

Sou água dura em pedra mole.






    

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021




                            sinopse





Calmaria.

Saudades da Maria.

Passou na minha vida

Feito uma ventania.


               Tristeza

                      dispensa

                      destreza.


Certezas.

Há que conhecer

suas sutilezas.


               Feliz é o beija-flor.

               Íntimo de todas as flores. 


       Do amor já fui escravo

       Hoje sou feitor.




sábado, 4 de dezembro de 2021



                    pelo resto da tua vida

               ( ou a lei bruta da Natureza)




                                           1.


Aí você põe um filho no mundo.

Sem noção do tamanho da responsabilidade que está assumindo. 

Da encrenca em que está se metendo.

Sem fazer ideia das mudanças que estão por vir,

passado aquele instante mágico, único, inigualável, 

de ter dado a luz aquele pequeno ser, 

saído de suas entranhas, 

um pedaço de você.

Um ser que veio para te preencher, mas também 

para sugar toda tua energia, 

exigir toda a tua atenção, 

de modo a tornar todo o resto secundário. 

Pelo resto da tua vida.

Inclusive em relação ao distinto progenitor, na verdade

aquele que mais perde, por se ver naturalmente preterido,

relegado a segundo plano.

Tal qual prescrevem as leis brutas da Natureza. 


Sim, por filhos no mundo é a coisa mais fácil,

tanto que muitos deles sequer são desejados,

nascem acidentalmente, à contragosto,

sem planejamento, respaldo.

Como esperar que tenham uma vida normal ? 

Que sejam normais ? 

"Crescei e multiplicai-vos", teria sido a ordem do Criador,

cumprida à risca por uma humanidade

que prolifera feito barata.

Prolifera à revelia.

Prolifera por proliferar.

Criar é que são "elas". 

Reunir as condições necessárias.

Como esperar por um mundo melhor 

se a grande maioria

nem criar os filhos 

direito 

consegue ?


                                              2.


Aí você põe um filho no mundo.

E você é daquelas que leva a missão à sério.

Afinal, é a realização de um sonho, lutou para isso,

custou a engravidar, fez tratamento,

como não se empenhar de corpo e alma para que

aquela criaturinha tenha do bom e do melhor ?

Só que não é tão simples assim.

Nem todo amor, empenho, dedicação, é garantia de nada.

Você deveria saber que filho não é para sempre.

Que lá pelas tantas, a bruta lei da natureza fala mais alto.

E seu filhote começa a desgarrar. Já não aceita ordens

passivamente, reage mal às cobranças, 

dá sinais de rebeldia, e um belo dia, mal saído dos cueiros,

lasca na sua cara que não vê a hora de sair de casa.

Que é quando você se questiona, onde foi que eu errei ?

Você que tudo fez, negligenciou o próprio marido, companheiro,

viu a relação naufragar, o corpo mudar, até doente ficou, 

para, no fim, ouvir daquela criaturinha amada

que seus cuidados já não são necessários, muito menos

indispensáveis, foda, né ?


                                  3.


Aí você põe um filho no mundo.

Não sabe nem quem é o pai. Tentou abortar, mas quando 

descobriu já era tarde.

Teve que aceitar na marra. Pensou em dar para adoção,

mas faltou coragem.

Conhece muito bem esse sentimento, de rejeição,

não saber quem são os pais.

E trata de fazer o que lhe está ao alcance. 

Algo que dentro das parcas condições que desfruta, 

está longe de suprir as necessidades daquela criança.

Daquele adolescente. Que logo vai para a rua, 

onde experimenta de tudo,

aprende da pior maneira, para se tornar alguém 

que a própria mãe desconhece.

                                        

                                          4.

E aí você põe um filho no mundo.

Para saber como é.


                                      



  



 



 





 











 



 






  



  

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021


                  os inimigos





Os inimigos estão por toda parte. Criminosos, psicopatas,

golpistas, ressentidos, a fauna é grande.

Cruzamos com eles a toda hora, em todos os lugares.

Até os mais improváveis. Às vezes na própria cama. 

São criativos em seus disfarces. São exímios atores.  

Podem ser afáveis, aparentemente normais, 

inofensivos.

Mas não se iludam, são como feras enjauladas, bestas 

empanzinadas. 

Traiçoeiros como cobras peçonhentas.


Filhos dos dias de sombras coaguladas, 

caminham sem rumo nos asilos da alma.

Sujos e denegridos, chafurdam em seus próprios

estreitos labirintos.

Ferem como o mundo fere as feras.

Crânios carcomidos por vermes que matam a pureza,a paz, a liberdade.

Matam o Homem, 

a si próprios, 

ao deixarem de ser humanos.

À imagem e semelhança do Criador.







 

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