segunda-feira, 6 de maio de 2024



                               segunda-feira





A vida se mascara e se revela

tão perto e tão longe de tudo. 

Andamos à esmo como animais perdidos.

Segunda-feira começa tudo de novo.


As notícias não são boas.

Rompem o chão elegias de cansaços,

acorrentados as humanas labutas.

Segunda-feira começa tudo de novo.


Gente diferente de além-mar entoa

hinos de amor e guerra.

O drama da convivência dispensa tréguas.

Segunda-feira começa tudo de novo.


Falta comida na mesa.

Falta esperança e alegria.

Falta tudo o que não pode faltar.

De segunda à segunda é sempre 

a mesma coisa.


A vida não se faz de rogada.






domingo, 5 de maio de 2024



                                    regresso





Saem os barcos para o mar, sabendo 

que podem não voltar.

Assim o tempo de Deus se põe-se de pé, 

veraz e inapelável.

Nele adentra o denso sol da tragédia, as vertigens luminosas

das devoções, o despertar entre os mortos. 

Que anoitecidas formas de ser conjuram o turvo

das águas dormidas ?

Alheio ao perigo, abrasam-se os anseios em meio

aos escombros cotidianos. 

Nada importa afora o clamor das privações.

Já não poder vencê-las sem provar o torpor exausto

dos desejos, eis o enfurecido repto.

Que olhos do mar espreitam os dibujos del puerto ?

Não mais que sempre se mostra o mundo partido, 

as âncoras da vida arrastando as sagas contratuais,

os monopólios da infância, 

as baldrocas oratórias. 

Saem os barcos para o mar sabendo

que podem não voltar.

Mas quase sempre voltam. 

Isente-se o coração quando o nítido rosto 

sem feições do amor 

regressa.

 



sábado, 4 de maio de 2024


                  a matéria-prima da vida




Aprendemos assim, na marra.

Quem hoje ri, amanhã chora.

Não se trata de destino, sina.

É apenas a matéria-prima da vida.


Como dizem os falsos magos

e pseudopoetas, 

pombo e falcão não voam juntos.


Veio o verão sem sol.

Veio o plantio sem colheita.

Veio a negra indiferença.

Veio o amor sem esperança.

A ordem e a revolta reinventados.


O duro silêncio tudo acalma.

A palavra revisada emudece a mente.

O sujo e o feio entrelaçados

em dias fétidos molhados de suor.


A paciência da espera ignora

o mau humor.

O homem que tudo come

enche a barriga

mas não mata a fome. 


Tudo é falso até que se prove 

o contrário.

De nada em nada, il vento 

come fa se tace.

Vão-se as folhas, e recria-se o novo.

Vagos, risonhos, fátuos sonhos.







 



sexta-feira, 3 de maio de 2024


                             a fuga dos caminhos





O verdadeiro recria-se como um ovo.

Súbito, o sonho de Cervantes faz-se alto e real.

A fim de compor poemas cáusticos.

O remoto segue adiante surdo ao novo, articulando

esboços de mil mesclas.

Você protesta mas ninguém escuta.

Quer revidar mas não consegue.

Você está vivendo a vida de outros mas não

consegue mudar. Que merda, hein ?


Perdido na fuga dos caminhos, tudo se torna ausente 

sem quebrar.

Teu lamento abriga tardes antigas, farsas, falácias.

A ferida que não fecha, ignorada e pisada,

cala e consola.

Onde as nuvens rangem e os telhados choram

lutar é proibido.

Não há saudade nem temor no encanto de falsas sereias.

Sobre prebendas de incompreensões paira a poeira

dos desencontros. 

O que dizem de ti não importa.

Pior seria se não dissessem nada.








 

quarta-feira, 1 de maio de 2024


                                        exaltação do dia



Na exaltação do dia

Inverdades sinceras

Queimam as heresias

Acordam sonhos

Colhidos às pressas.


No dia perfeito

O adeus se despede

A doçura brota

De escolhas equivocadas

Coração vazio

De mansa vastidão.


Desejo frio

Desejo no frio

A cama vazia 

A noite em branco

Sonho ao contrário

Acordado.


Plenitude do tempo

Crinas de vento

Lentos entraves

Resgates despertam

A mente assassina

Descortina a memória.


Não procure a verdade

A verdade te achará.



terça-feira, 30 de abril de 2024


                    refugos do mundo


A urbe silencia entre imagens gastas.

A multidão rasteja como uma centopeia cega,

sem rumo e sem saída.

Arrastando renques de torturadas vértebras,

sob o olhar duro de um vil magistrado.

A espaventosa guirlanda de valores necrosados

envergonha os noticiários.

Nem os pensamentos escapam a censura.


Inútil contestar a máquina fóssil que persegue 

convulsos féretros.

O monstro togado escogita iniquidades impudentes.

Palavras a esmo desdenham dos patriotas castrados,

enquanto a urbe estronda parlengas ludopédicas.

Refugos do mundo monopolizam as atenções.

Águas do dilúvio ancestral lava os confins da terra.

Enquanto o apocalipse não chega.



segunda-feira, 29 de abril de 2024


                         nós e os outros





Não procure o que não existe.

Não do jeito que você pensa.

Não nos outros.

Mesmo de quem você ama.

Expectativas sempre ficam aquém da realidade.

Porque os outros se mascaram.

Porque os outros dissimulam.

Porque os outros se compram e se vendem.

Mas, lembre-se, para os outros, nós somos os outros.

Mentira, traição, náusea, são as únicas garantias.

O mal atrai o mal e ambos se entendem.

Cumpre libertar-se do jogo perigoso das aparências.

Separar o silêncio da mordaça.

Tudo que é divino sucumbe diante do real.

A lucidez se forma oculta e embriagada.

Só o que é impessoal e livre perdura.

A margem de ti hiberna a própria vida desejada.

Não há amor imaculado nem tardes limpas.

Porque amei como se o amor fosse eterno.

E quebrei a cara.




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