sexta-feira, 22 de dezembro de 2023



          nunca foi tão bom viver



O mundo está indo para o caralho, 

é o que se diz.

Mas não parece.

Nunca houve tanta opulência.

Nunca houve tanta riqueza, ostentação.

Nunca se usufruiu de tanta liberdade, com uma 

ou outra exceção.

Nunca se desfrutou de tantos prazeres, 

de comida à lazeres.

Nunca se viveu tão bem, exceto para os mal nascidos

ou que optaram por vegetar, 

por enveredar pelos caminhos tortuosos

das drogas e da criminalidade.

O mundo pode estar indo para o caralho, mas, 

convenhamos,

nunca foi tão bom viver.









 

sábado, 16 de dezembro de 2023



                causas perdidas



Louve-se a perenidade das coisas sem nome.

O labor anônimo, o sacrifício velado às causas perdidas.

O bem que se faz apenas por fazer.

Bendito tudo que encanta, que alegra,

faz alguém sorrir.


Oxalá a vida fosse simples como repartir um pão,

para que cada um tivesse o seu quinhão,

e ao fim de cada dia, o aconchego de um lar

para apascentar o coração.


Mas o homem-primata não foi feito para viver

em paz e no sossego.

Expulso do Paraíso, perseguido pelos deuses 

desdenhosos do Olimpo,

seu destino inglório é perseverar no erro.

Rodeado de desamparo, transmuta-se

como um camaleão. 

Só não consegue ser feliz.






                   as coisas sem nome





O que aconteceu é tarefa já cumprida.

O presente se revela e se mascara de silêncios homicidas.

Descobre-se o mito que não tarda em desfazer-se.

Alegres e aflitos, matamos a esperança a

fim de engendrar novos inícios.

Crivados de enigmas e artifícios.

O equilíbrio do mundo rejeita a hipótese da inocência

sem culpa.

O indecifrável compreende a eternidade das coisas sem nome.


Quem dera a beatitude da luz que se derrama nos vergéis.

Para tornar menos penosa a manhã que chega prenhe

de imposturas. 

Poder amar a mudez expectante das torturas e feras enjauladas.

Perdoar-se pelo crime de viver.

Para que a vida ainda valha a pena ser vivida.











domingo, 10 de dezembro de 2023


                     libertação


Quando o futuro se vê lançado no abismo do nada,

e as coisas nunca mais serão como antes,

não tema. Não se desespere.

Pode ser, meramente, o fim de uma vida entorpecida

por anos de cativeiro e verdades encaixotadas.

De uma rotina macia, insuspeita, fatal, à sorver a fantasia 

viciada em desejos velados.


Da vida em que tudo parecia promissor

e sob controle, mas que aos poucos esmaeceu, 

se corrompeu,

até que a carne fraca, fecundada pelo tempo 

bastardo, capitulou a impensável traição,

despeça-se sem pesar.

Junte os cacos, respire fundo e siga em frente.

Às vezes uma aparente desgraça

pode ser uma benção.

Uma libertação.


 



sábado, 9 de dezembro de 2023



                 quando te vi pela primeira vez



 

Quando te vi pela primeira vez, 

teu olhar desconfiado 

atiçou em mim

uma espécie de inanição enroscada 

na garganta.

 

Fez meu coração bater como se estivesse

à beira de um despenhadeiro.


Quando te vi pela primeira vez,

senti iluminar o tráfego dos desejos.

Vi meus becos quebrarem o invólucro 

das gestações inflamáveis.


Nem santa nem puta, volveu vagas reativas.

Serei um novo eu a cometer os mesmos desatinos ?


É tão bonito o entardecer a teu lado.

Odores suicidas perfumam o ambiente insolúvel.

Revivendo medos cativos.

Vagos saberes partem o chão sem trilhas.


Quando te vi pela primeira vez,

senti que nada seria como antes.

Na vaga-vida-sofrida, os pés trincados absorvem

a poeira batalhada em pedra.

Vieste como uma tábua de salvação.

Resta saber para quem.









domingo, 3 de dezembro de 2023



                       degredo




 


Não me interroguem.

Não me questionem.

Nem eu sei o que faço.

Por que faço.

Detesto rótulos.

Dispenso exéquias.

Minhas limitações são meu flagelo.

Ando por aí pela força do hábito.

Nunca tive coragem de sair do casulo.

Experimentei todas as formas de abandono.

Amei as provações mais gloriosas e funestas.

Pela carne conheci a miséria dos silêncios e das traições.

Tudo em redor de mim ilumina o meu degredo.

Todas as vozes numa voz se atufam onde moro.

Eu sou o irmão das ausências e cegueiras.

Assim, renitente,

amado fui sem merecer.

Adolescência e madureza condenam-me 

pelo que não fiz.











sábado, 2 de dezembro de 2023



               o último tango


O tempo vai passando, passando,

os dias ficando iguais,

enquanto as lembranças mofam nas gavetas.

A vida escorre entre os dedos, em devaneios 

e cansaços.

Toda minha ambição consiste em driblar 

os desenganos 

e aprender a dançar tango.

Do amor nada mais espero.

O coração já não reluta.

Troco as musas todas

por um colo de puta.







 

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