evoé ! sou uma lâmpada queimada
Inútil conjecturar, martirizar-se à toa.
Tudo está como sempre esteve.
Os cânones existenciais são pétreos.
Os mais fortes prevalecem, canibalizam os mais fracos.
Há que ter astúcia
para sobreviver, mesmo os fortes sucumbem.
A normalidade doentia nos agarra pelo pescoço.
Todos tem fraquezas, neuroses, taras.
Eu, por exemplo, gosto de ouvir o coração
para não me sentir sozinho.
Consolo estúpido, porém, eu não sou Endimião.
Descreio das inapeláveis cosmogonias.
Em compensação, já não me defendo nem me debato,
prestes a apagar
como uma lâmpada que queima ao toque no interruptor.
Pufff, já era. Acabou.
Uma lâmpada queimada é a metáfora da minha vida.
Evoé !
Prefiro catálogos à livros. São convenientemente
práticos.
Palavras muitas vezes repetidas caem no vazio.
Reducionismo, superficialidade, rebaixamento cultural,
a era digital é uma farsa.
Mas bosta enlatada também vende, acredite.
Desconheço as leis da atração.
Eu sou a fome e o alimento do meu canto.
De tanto ser sozinho, não preciso
que ninguém me goste. Evoé !
O que eu quero da vida ?
Meu bote está à deriva, onde vai dar só os deuses sabem.
São seis horas da manhã e está tudo como sempre.
Ao menos aparentemente. Ao menos por enquanto.
A vida empacada nas suposições.
Mas de repente, consigo me ver como o mundo me vê.
Mais um perdedor, é claro, mas tudo bem.
Não tenho mais veleidades. Sinto o mundo se fechando,
mas é bom sentir essa leveza.
Não decepciono mais ninguém e ainda quebro
o galho, como um velho candeeiro. Evoé !