quarta-feira, 31 de maio de 2017



                
              UMA BROXADA DE 3 MIL REAIS




Sonhos costumam ser aquela algaravia que a gente sabe, a maior parte não tem nexo nenhum, e mesmo quando fazem algum sentido, se apresentam mais como meros delírios desgarrados da realidade, uma espécie de válvulas escape para nossos assoberbados neurônios, que assim como o coração, nunca descansam. 
Não só não descansam como às vezes parecem se aventurar por outras dimensões, em que voltamos ao passado, a lugares tragados pelas brumas do tempo, que trazem de volta entes queridos que já partiram - quiçá para alguma dessas vidas paralelas -, e a contracenar, por assim dizer, com estranhos e pessoas que conhecemos apenas de vista. O que, por sinal, me acontece com muita frequência, inclusive sonhar com celebridades, principalmente - e para minha sorte - mulheres, em enredos rocambolescos, como disse de início, sem pé nem cabeça, mas ainda assim admiráveis em sua ontologia onírica.

Sem querer me aprofundar nesse terreno movediço, até mesmo por tratar-se de um tema já fartamente esmiuçado por exímios perscrutadores da mente humana como Freud, Jung e outros - se dúvidas persistem, é outro problema -, resolvi escrever a respeito na esperança de que os sonhos sirvam realmente de inspiração artística ou coisa que o valha. Que funcionou para muita gente, não há dúvida. 
Como para o brilhante escritor escocês Robert Louis Stevenson, que por sinal, tinha o hábito de anotar tudo que sonhava. E que, baseado num sonho, mais para pesadelo, escreveu seu livro mais 
famoso, O Médico e o Monstro. A mesma inspiração que levou Richard Bach ao enredo de Fernão Capelo Gaivota, um dos livros mais marcantes de minha geração. Representando a safra atual, figura a autora da badalada série Crepúsculo, Stephenie Meyer, que nunca havia escrito nada que prestasse, até sonhar que com um vampiro vegetariano fazendo estragos em pleno século 21, maluquice que resultou na série que a fez milionária.  
Pra se ver que talvez devamos prestar mais atenção as mensagens cifradas dos sonhos, ao invés de ficar esperando que alguma voz do além sopre os seis números da mega-sena...

Se bem que tudo leva a crer que os sonhos estejam de alguma forma relacionados com nossos pensamentos, interesses e atividades na vida real. Que esse conjunto de coisas acaba sendo, de alguma forma, processado em nossa mente, enquanto dormimos, produzindo e reproduzindo esses eventos no subconsciente, que os projeta intermitentemente no caleidoscópio maluco dos sonhos. Nos quais, eventualmente, e se prestarmos a devida atenção, estão não só as respostas como a inspiração para questões mal-resolvida e pendentes na vida real.
Como foi o caso do biólogo James Watson, que parecia fadado ao anonimato, como tantos estudiosos e pesquisadores, até certa noite ter um sonho revelador de uma recorrente escada em espiral, que o levou a descobrir a estrutura do DNA, que revolucionou a medicina e lhe deu fama e notoriedade. Fama e notoriedade que já faziam parte da vida do beatle Paul McCartney, que certa manhã acordou e foi direto ao piano, para compor a canção com que sonhara, nada menos nada mais que a antológica Yesterday.  
Motivos mais do que suficientes para valorizar e prestar a devida atenção a nossos sonhos. Vai que baixe aquela inspiração que nos catapulte à fama e à riqueza ?  Não custa nada, e na pior das hipóteses - como no sonho que em seguida relato -, pode render boas risadas.
Pois como disse de início, tenho sonhos majoritariamente com mulheres, e não raras vezes, com celebridades, o que Freud deve explicar. Sonhos não necessariamente eróticos, e quase sempre fragmentados, episódicos, em suma, amalucados. Mas este, em particular, teve começo, meio e fim, e não obstante o nonsense, acabou sendo muito engraçado.


O cenário inicial foi uma churrascada, em local que não reconheci, mas que subentendi ser a casa dos meus pais, lotada de gente. Apesar de meu pai, como bom gaúcho, ter sido um churrasqueiro de mão cheia, habituado a promover churrascadas pra lá de concorridas, em meu sonho fiquei preocupado com a trabalheira que estava passando para atender tanta gente. 
Vai daí que me senti aliviado quando vi chegar a empregada, uma moça por sinal bem bonita, que de relance, me pareceu muito parecida com uma atriz hollywoodiana que me fugia o nome. Mas qual não foi minha surpresa quando ao pedir que fosse ajudar meu pai, deu-me as costas, dizendo ter viajado a noite inteira e que iria para seu quarto descansar.
Corte para a rua, eu dirigindo meu carro, e a vejo caminhando pela calçada - ela, nossa empregada, agora sim, claramente a bela atriz Rachel Mc Adams.


Carona oferecida, carona aceita, e toca procurar um motel, ou algum local apropriado para consumar o que se prenunciava como um gran finale daqueles. Na busca, fomos parar numa espécie de cais aparentemente deserto, e que me pareceu adequado a meus propósitos libidinosos. 
E assim partimos para o chamado rala-e-rola, ao relento e no cimento duro mesmo, mas não é que o instrumento que deveria ficar duro, como direi, minguou. Miou. Desacorçoado com o vexame, ainda tentei esboçar uma desculpa, lançando um olhar preocupado à volta. "Estou com receio de aparecer alguém", balbuciei, enquanto ela se recompunha, visivelmente contrariada.

- Não quero nem saber, os meus 3 mil reais você vai ter que pagar -, disse ela, transformando meu sonho num verdadeiro pastiche.
...
- Tudo isso ? Não tenho essa grana toda aqui comigo. Posso fazer um depósito na sua conta ?..., por fim me ocorreu propor, antes de acordar e enfiar a cara no travesseiro. 
Mas não de vergonha, e sim para sufocar a vontade de gargalhar em plena madrugada, ao despertar de sonho tão estapafúrdio.
Risadas que ecoaram pela casa logo cedo, quando contei a minha mulher sobre o insólito sonho de uma broxada de 3 mil reais.  
      

    



                  



      


segunda-feira, 29 de maio de 2017

                                   FREUD EXPLICA





A vida não gosta de calmaria. Sossego, tranquilidade, só a dos cemitérios. Embora a paz seja um bem almejado por todos,  o espírito beligerante e destrutivo do ser humano, conspira, mesmo inconscientemente, contra viver em harmonia, pacificamente.

A turbulenta história da humanidade mostra que não nascemos para ser felizes. A verdade é que não estamos aqui para cruzarmos incólumes pelos inúmeros obstáculos que a vida nos interpõem. Antes mesmo de desembarcarmos nesse mundo hostil, a primeira grande batalha começa já no tortuoso e conflagrado caminho percorrido pelo heroico espermatozoide até fertilizar o óvulo que vai gerar a vida. 

Vida milagrosamente concebida para ser única e original. Exceto na vocação predadora e maligna que nos impele a maltratar e atazanar não só ao próximo, como a nós mesmos. Daí as regras e convenções impostas a ferro e fogo se necessário, para que condições mínimas de convívio prevalecem. Freios ainda assim precários e incapazes de impedir que a maldade, a violência gratuita e a barbárie venham à tona, sob os mais variados pretextos. 
Desde as simples relações ditas sociais ao antagonismos visceral entre os povos - todos teórica e cinicamente imbuídos dos melhores propósitos, inclusive sob o escudo religioso -, a natureza perversa da humanidade sempre dá um jeito de prevalecer.

E quanto mais pecamos, deturpamos, prevaricamos, sacaneamos, mais livres e estimulados nos sentimos para continuar nesse caminho. Afinal, Deus a tudo perdoa, basta que nos arrependamos, que oremos, e sejamos generosos, principalmente no dízimo, asseguram igrejas de todos os credos.

Talvez seja injusto generalizar, com alguma boa vontade muitos desses desatinos podem ser atribuídos a ignorância, a miséria, a influência do meio ambiente, mas o fato é que o bem parece estar sempre em desvantagem, em minoria. E mesmo quando procuramos nos manter longe dos maus pensamentos, das tentações e inclinações negativas, ninguém está livre de sucumbir ante os meandros escamoteados nos subterrâneos da mente. 

Freud explica. Ou não.



domingo, 28 de maio de 2017

ASSUNTO ENCERRADO




Tarde demais.
As lembranças já não me afetam mais.
Perdoar ou ser perdoado já não carece.
Não preciso mais compreender nem ser compreendido.
A fase de tentativas passou.
Tudo já foi dito.
Tudo já foi vivenciado.
Assunto encerrado.

Não há palavras ou atitudes que sirvam 
para remediar as coisas.
Disfarces já não cabem.
O sorriso amarelou.
O gesto amigo se desvaneceu, confraternizar nunca mais.
Olho para trás e não reconheço mais quem me foi tão caro.
Nem eles a mim, com certeza.
Cada um de nós, movidos por razões e convicções pessoais,
desertamos.
Podemos, enfim, nos dar ao luxo 
de sermos nós mesmos.








  

Santos 21/5/2012
    



sexta-feira, 26 de maio de 2017



                    
                                  

                                      FRUTA MADURA





As garotas de hoje são como fruta madura
a beira da estrada.
São fáceis, acessíveis, quando assim o querem.
Quando se interessam por alguém.
Que só não pode ser um zé-ninguém, naturalmente.
Muito pelo contrário.

Não se pejam em ser liberais.
Marias-chuteiras, macacas de auditório,
são fissuradas em qualquer celebridade.
Vulgaridade à flor da pele, dão tudo, 
fazem literalmente de tudo,
desde que o investimento valha a pena, naturalmente.
Beleza pouco importa.
Grana, fama, status, eis a escala de prioridades em voga.



As garotas de hoje querem ser iguais aos homens.
Ter os mesmos direitos.
Nada mais justo e natural.
Na putaria reinante,
tudo bem confundir sensualidade com libertinagem.
Achar bacana ser vulgar, sacana.
Rebolar na boquinha da garrafa,
exibir os dotes feito carne no açougue...
Sexo como moeda de troca, qual o problema ?

As garotas de hoje querem curtir a vida.
E não estão nem aí para o que os outros acham.
Para as aparências. 
Meninas, querem ser mulheres.
Mulheres, querem ser meninas.
Fazem de tudo para ser apreciadas, desejadas, 
gostosas como fruta madura, a beira da estrada.
Se bichadas ou tem marimbondo no pé, 
só pagando pra ver. 





  


terça-feira, 16 de maio de 2017



                          
                 TUDO OU NADA 
  


QUEM MUITO TEM, NADA TEM
CEDO OU TARDE TUDO ACABA
IGUAL PARA TODO MUNDO
NO ALÉM E SEM UM VINTÉM

O QUE EU TENHO É POUCO
MAS É MELHOR QUE NADA
PORQUE QUEM TUDO QUER
ACABA FAZENDO TRAPALHADA.


O QUE EU QUERO NÃO É MUITO
MAS TAMBÉM NÃO É POUCO
PORQUE O POUCO PODE SER MUITO
QUANDO SE GANHA COM O SUOR DO ROSTO.

TER POUCO OU MUITO NÃO FAZ DIFERENÇA
QUANDO SE PERDE A NOÇÃO DAS COISAS
PORQUE O QUE TEM MAIS VALOR
DINHEIRO NENHUM COMPRA.

NÃO TENHO MUITO NEM POUCO
MAS O POUCO QUE TENHO VALE MUITO
PORQUE O QUE EU NÃO TENHO
NÃO VALE MINHA PAZ DE ESPÍRITO. 

SE O QUE EU TENHO É POUCO OU MUITO
DEPENDE DO PONTO DE VISTA
PODE SER POUCO PARA QUEM TUDO TEM
E MUITO PARA QUEM CONQUISTA



  
















sábado, 13 de maio de 2017



            
NADA A FAZER

Não há nada que se possa fazer
quanto ao que não pode ser desfeito.
Nada que possa mudar  
o que não pode ser mudado.
Nada a fazer frente ao intangível, ao irremediável.
Nada que possa demover o irredutível.
Recuperar o insanável.
Relevar o imperdoável.
Restabelecer a confiança perdida.
O amor exaurido em armadilhas domésticas.
Laços fraternos e amorosos vergastados 
pela chibata inclemente do tempo.
Não há nada que se possa fazer
quando o tempo de fazê-lo passou.









quinta-feira, 4 de maio de 2017



                          

               DA BOCA PARA FORA



À luz dos fatos, da esbórnia reinante, salta à vista
a desimportância de tudo que é importante.
A irrelevância de tudo que é relevante. 
O valor do que é desvalorizado, depreciado. 
Que vem a ser os valores outrora vigentes e considerados.

Cabe não relevar a motivação dos covardes, dos omissos.
O apelo da sinecura, das rebordosas, mesmo as mais
pusilânimes e recalcitrantes.
E subentender que o arrebatamento, o pecado sem arrependimento,
sem comedimento,
vem a reboque do status quo 
que privilegia o ignominioso, o reprovável, o condenável.

Em face do quê, não serei eu a exaltar o amor, a virtude, 
o politicamente correto.
Hoje não. Ao menos no papel 
também quero ter o direito de fraquejar,
compactuar com o vício e as fraquezas, 
de despautérios e vexames. 
Igualado e igualmente humano,
louvar as derrotas, os derrotados. 
Me ombrear aos fracos e oprimidos, 
aos embusteiros e caloteiros, que malgrado as transgressões, dormem o sono dos justos.
Não, hoje não serei a palmatória do mundo, 
o dedo em riste,
muito menos o dono da verdade. 
Concedo-me o direito de ser fraco, 
falso, hipócrita. De trapacear. 
De dar o troco na mesma moeda.
Ser como todo mundo.   
Com a consciência tranquila da boca para fora 




terça-feira, 2 de maio de 2017

                          


                          É FATO



É fato que se pode amar, doar-se, 
fazer de tudo para que as coisas deem certo, 
e às vezes nem assim funcionem. 

É fato que erros e imperfeições, inerentes a cada um, 
acabam por sabotar os esforços, 
e até mesmo se sobrepor a tudo de bom
que tenha acontecido, que se tenha feito. 

É fato que quando o todo é tomado por um episódio 
isolado,
nem sempre é possível contornar, 
impedir que as coisas desandem.

É fato que, quando o conjunto da obra é comprometido
por um acorde fora de tom, 
antecedentes manchados por algum tropeço esporádico, 
os resquícios de desconfiança e dúvidas 
sempre acabam vindo à tona, falando mais alto.

Pode-se eventualmente até desculpar, relevar, 
mas esquecer, jamais. 
E o que parecia uma fortaleza indevassável, 
de repente não passa de um frágil castelo de areia.
De fato, é fato. 






    

segunda-feira, 1 de maio de 2017





                          EXISTO, LOGO PENSO
                       
                         





Existo, logo penso na trágica sina de sofrimento, morte e destruição que a humanidade se auto-inflige.

Existo, logo penso nos conflitos seculares, hegemônicos, étnico-raciais que persistem, sem qualquer sinal de apaziguamento.

Existo, logo penso nas milhares de pessoas que tombam nas guerrilhas urbanas, ensejadas pelo flagelo das drogas, e cujo combate tem sido inútil, em função da crescente demanda.

Existo, logo penso no eterno drama dos excluídos, exilados, discriminados, perseguidos e abandonados de toda natureza.

Existo, logo penso na miséria e desamparo que predomina em quase todos os cantos do mundo, ao mesmo tempo em que bilhões são roubados, desviados, sonegados por governantes inescrupulosos e desonestos. 

Existo, logo penso nos injustiçados pelas capciosas leis dos homens, invariavelmente norteadas pelo famigerado princípio de dois pesos e duas medidas.
Existo, logo penso nos doentes, nos inválidos, e deficientes físicos, em sua luta desigual e titânica pelos direitos mais elementares.

Existo, logo penso nos genocídios ignominiosos, nos povos expulsos à força de suas terras, sem direito a nada, relegados à própria sorte.
Existo, logo penso nas crianças que nascem e crescem em meio a lares destroçados, ao martírio das bombas, execuções sumárias e à rotina de imolações promovidos por ditadores sanguinários e assassinos da pior espécie, que distorcem os cânones religiosos para justificar seus dantescos propósitos.

Existo, logo penso na destruição sistemática e inexorável imposta ao planeta, por insensibilidade, ignorância, e principalmente, ganância e descaso com as evidentes alterações climáticas, evidente no colapso de eco-sistemas vitais da natureza. 

Existo, logo penso no futuro desse mundo em que o belo e o insano se confundem e convivem aos trancos e barrancos.

Existo, logo penso que não obstante o dom da inteligência, a humanidade continua ignorando os prenúncios e avisos de estar cavando seu próprio fim. 

Penso, logo existo. Mas de entender tanta insânia, desisto. 



          






               imanência
                   



Nada é o que parece. 
Nada em que se possa confiar. 
Nada é duradouro. 
Nada que não possa mudar 
num piscar de olhos.

Nada é o que aparenta.
Relações, sentimentos, compromissos,
laços de amor e amizade.
Nada que qualquer deslize ou o próprio tempo,
não acabem por macular, ou destruir.

Ninguém é o que pensamos ser. 
Muito menos o que idealizamos.
Na vida, como nos relacionamentos, não há 
porto seguro, 
salvo- conduto, bilhete de loteria premiado.
Ninguém está livre de deslizes. Infortúnios. 
Os quais, quando não são os outros, você 
mesmo se inflige.
E que são os piores. 

Nada é como imaginamos.
A vida vivida sempre é diferente da sonhada.
Quando parece pouco, geralmente é muito.
Quando parece muito, geralmente é pouco.
Tudo o que se faz presente demora.
Fiel à imanência dos desastres.


















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