fulgor e fedor
É tempo de sentar-se à mesa com os ladrões
e assassinos.
É tempo de abrir as cortinas para o dia que não veio,
de separar a luz das trevas. De decifrar as manhãs
ardentes e defloradas.
É tempo de abraçar o desconhecido e conjurar o perigo.
É tempo de debruçar-se sobre os farrapos dos dias,
de plantar platitudes atrozes, de desmontar os ardis dos intrusos.
É tempo de maturar os sinistros diálogos. De largar
as muletas dos pais, de aconselhar-se com as crianças.
É tempo de sonhar os sonhos factíveis, de restituir
o que foi denegado, de pagar pelos pecados.
De cortar os pulsos.
É tempo de enfrentar os jagunços, de comungar
do silêncio dos bichos, das beatitudes conflagradas,
dos desejos profanados.
É tempo de incendiar o logro dos altares, de unir
o pecado e o prazer, de queimar os santos hereges.
É tempo de impugnar a justiça marota, de vã espera
e homicídios inocentes.
É tempo de alianças incontornáveis, de apontar
o dedo sujo para o acusado, de anular o que já foi julgado.
É tempo de redescobrir o riso, de abolir o rito,
de esquadrinhar o mito, até que fique o dito pelo não dito.
É tempo de roer a corda, soltar o verbo, soldar
o concreto e o abstrato.
É tempo de oxímoros, anacolutos, sinédoques,
de hipérboles aziagas e funções fora de hora.
É tempo de fulgor e fedor. De especificar-se,
de belezas banalizadas e demônios que rebolam.
É tempo de pústulas e parasitas. De despautérios e
vilipêndios, de bacantes e bacanais virtuais.
É tempo de arquiteturas do mal, de retóricas adulteradas,
de oráculos subsidiados.
É tempo de cegueiras lúcidas, de ignorantes letrados,
de iconoclastas aloprados.
É tempo de acender uma vela para Deus e outra
para o diabo.
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