quarta-feira, 25 de setembro de 2019



                           sobrevida



               


Nesse mundo,
ninguém escapa de se ferrar de algum jeito.
De ser ferido, ferir alguém.
Dificilmente haverá algo mais triste do que
ser mandado embora de casa.
Uma floresta em chamas, talvez.
Mas eu não ligo, quero que o mundo se dane.


Eu morri num domingo à tarde, logo após o almoço,
mas ninguém notou.
Meu filho jogava vídeo-game no quarto.
Minha mulher, lavando louça na cozinha,
ao mesmo tempo em que falava com a amiga
no watts ap. Horas à fio.
E meu corpo ali, esfriando, 
jogado no sofá, com direito à fundo musical - era meu
programão dominical. 
Por um tempo levei a vida assim, paralisado, 
mumificado,
até que um dia minha mulher mexeu no meu celular
e achou uma ligação perdida suspeita.
"Eu sabia ! Você continua saindo com putas.
Arruma suas coisas e pode sair, ou saio eu.
E levo meu filho comigo e nunca mais vai nos ver".
Assim mesmo, na bucha, categoricamente. 

Bom, para quem já estava morto mesmo, de aviso prévio,
não fez 
muita diferença.
Peguei alguns trapos
e me mandei.
E desde então, ganhei uma sobrevida, 
Vê se me entendem, eu estava morto
na minha antiga vida, e não sabia.
Era um estranho no ninho na minha ex-casa,
Onde um pardal era só quem ligava para mim.
Que também morreu, logo depois que eu sai.
Fui esculachado, humilhado, descartado.
Menos do papel de provedor.

Mas faz parte.
Estamos condenados a arcar com as triviais
e imensas tarefas que assumimos.
Todavia, tudo seria mais fácil 
se nos fosse permitido
um ínfimo sentimento de gratidão e reconhecimento.
Um consolo para os momentos 
em que a sensação de perda, colapso, faz tudo parecer desperdiçado. 
Miseravelmente inútil.
















  











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