sexta-feira, 10 de abril de 2020



                               
                       

                                 Ophelinha ( e a dor de corno ) :










Para me mostrar o seu desprezo, ou, pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de 
um discurso tão comprido, nem da série de "razões"
tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-mo. Assim entendo da mesma maneira, mas dói-me mais.
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal ? 
A Ophelinha pode preferir quem quiser : não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade ( a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requeriment0s de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso "entalar". Porque não é franca comigo ? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém -, a quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lha venham acrescentar
Ofélia Queiroz, a namorada de F.P.
criando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça. Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica disto tudo sou eu.
Eu próprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se
tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse
no sofrimento que tem prazer em causar-me 
sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio
bem que amá-la não é razão bastante para o merecer.
Enfim...


Tais versos, em forma de carta, dignas de qualquer apaixonado desiludido e com direito à peculiar pieguice, não são, no entanto, de um qualquer. 
Até os grandes poetas e eruditos, como Fernando Pessoa, perdem a finesse e à mão, quando se trata de dor de corno.


  













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