terça-feira, 26 de março de 2019



             CHUTANDO O PAU DA BARRACA


Reza a lenda que certa feita, num acesso de fúria, o grande Genghis Kahn decepou a cabeça da criatura de seu maior apreço, um falcão que o acompanhava em suas longas jornadas e intermináveis batalhas. Até aí, nada demais, em se tratando de um dos maiores sanguinários da História. As circunstâncias é que foram de lascar. 

Marchava ele e seu exercito de mongóis há semanas por um deserto, cansados e sedentos, quando a ave os conduz a um pequeno oásis, onde se regojizam com a maravilhosa visão de um córrego se precipitando do alto uma cachoeira. Como de praxe, coube ao chefe a primazia de primeiro matar a sede, mas eis que para surpresa de todos, num voo rasante, o falcão o impede de beber, afastando o vasilhame com as garras. 

Mais pasmo do que irado, Genghis Kahn brincou com seus comandados que o provavelmente o calor havia afetado os miolos do bicho. Mas ficou possesso quando ao repetir o gesto, o falcão volta a impedi-lo de beber. Ao que saca da espada e ameaça matá-la, caso insista no que lhe parece uma afronta injustificável. Dito e feito : ao ver o pássaro aproximar-se em nova investida, decepa-lhe a cabeça num golpe certeiro.   

Após sacrificar assim, impulsivamente, o companheiro de tantas jornadas, o qual estimava mais do que a todos, agachou-se para enfim recolher o precioso líquido, quando do alto do penhasco de onde despencava a cachoeira, um de seus guerreiros gritou para que não o fizesse, chamando-o para ver o que havia encontrado na nascente do córrego : uma imensa cobra, já em adiantado estado de putrefação. 
Ou seja, a água estava envenenada, e se dela bebesse, ele e seu exercito provavelmente morreriam. E a história da humanidade seria outra.    

Verídica ou não, a passagem embute uma lição muito óbvia : a de que jamais devemos tomar decisões radicais levados por impulso ou emoções exacerbadas. Pois elas afetam o juízo, induzem a erro, equívocos, injustiças muitas vezes irremediáveis.

O que não significa que todas as explosões e reações intempestivas sejam maléficas. Há situações-limite que não só justificam como exigem tomadas de posição à altura. É quando o famoso chutar o pau da barraca se torna imperioso, uma questão de moral, dignidade. Diferentemente do primeiro caso, as perdas aqui são saneadoras, benéficas, ainda que sujeitas a naturais dúvidas e questionamentos. Principalmente quando se trata de rompimentos de cunho afetivo, em que as boas recordações tendem a causar surtos de arrependimento e auto-flagelação. 
   
Faz parte do processo assumir culpas e responsabilidades, hiper-valorizar o que foi supostamente perdido, mitigar as reais causas da ruptura, esquecendo-se do que antes era motivo de crescente e insuportável insatisfação. Coisas como o distanciamento, a indiferença, a falta de interesse sexual, e uma série de outros problemas daí decorrentes, protelados ao extremo de ensejarem desfechos radicais e traumáticos. Sentimentos represados que quando transbordam, às vezes do nada, posto que já no limite, causam estragos gigantescos e irreparáveis. 

Nada é mais desafiador para o ser humano do que controlar seus instintos e emoções. Mesmo quando justificáveis, tais rompantes sempre deixam sequelas. Quase sempre dolorosas. Mesmo quando benéficas. 













Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

                                       não acredite                         quando digo                        que te amo Não acredite quand...