domingo, 17 de março de 2019




                    PERDÃO, MEU PAI


Tudo bem, aqui se faz, aqui se paga.
Colhemos o que plantamos. 
Mas o problema é que nem todas as sementes vingam.
A terra tem que ser boa.
Plantar no tempo certo.
E dar sorte.

Meu pai, não por ser meu pai, 
a melhor pessoa que já conheci,
começando a vida, lá pelos idos de 50, 
arrendou terras no interiorzão gaúcho, 
fez empréstimo no Banco do Brasil. 
Recém casado, cheio de gás, 
nos seus 20 e poucos anos, foi plantar arroz.
Meses de trabalho, no cu do mundo, a bem dizer,
morando num casebre, com minha mãe e este que vos fala,
com 2 ou 3 anos, 
incrível que ainda lembre de tantas coisas.
Como quando o rio Jacuí que tanto amávamos, 
em que pescávamos e nos banhávamos, 
subiu da noite para o dia.
Chuva que não parou por dias à fio,
invadiu nossa casa.
Acabou com alqueires e mais alqueires de plantação.
Tudo debaixo d'agua.
Ainda lembro perfeitamente,
ainda sonho com o barulho da chuva intermitente
no telhado de zinco do galpão em que ficamos ilhados.
No alto da coxilha, tendo trator, arados, colhedeiras, 
sacos de sementes, sapos e grilos como companhia. 
Ah, sim, e de um casal de corujas 
encarapitadas no alto do telhado,
e cujo lúgubre piado à noite era a única coisa 
que me metia medo.
Impressionante ainda lembrar disso e de tantas outras coisas,
relacionadas ao trabalho incansável,
às andanças do meu pai. 
Sem nunca abandonar a família, embora as constantes ausências,
por conta do ofício de vendedor que acabou abraçando,
depois do fracasso como agricultor.

Fracasso ? Retiro o que disse. 
Nunca, jamais, em tempo algum meu pai conheceu algo parecido. 
Honesto até o último fio de cabelo.
Ativo, sempre de bom humor, não havia quem dele não gostasse.
Ajudou um monte de gente, como vendedor de uma grande empresa de material de pesca, 
avalizava ele mesmo as compras daqueles que estavam sem crédito, 
Algo comum num ramo filho da puta como a pesca. 
Em que, igual a agricultura, um dia se tem, outro dia a própria natureza leva tudo.

Ah, meu pai, como me dói te-lo incentivado a entrar no ramo da pesca,
e comprar um barco, o imponente Asa Branca.
Que logo na primeira viagem, bateu num navio no porto do Rio Grande...
E nunca mais as coisas foram as mesmas.
Me perdoa, porque eu nunca consegui me perdoar.
Tanto que mesmo depois que partiste, 
ainda penso nisso, ainda me remoo por dentro.
Como agora,
que comecei a escrever uma coisa
e acabou dando nisso : um incontido
desabafo de remorso e culpa.
Um tardio pedido de perdão.





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