sábado, 21 de setembro de 2024

                             em casa




eu em casa

e a vida passando,

lá fora. 


eu em casa

e o mundo pulsando,

lá fora.


eu em casa

e a galera indo e vindo 

se virando

se divertindo

se consumindo

vegetando,

lá fora.


Carros circulando

sirenes soando

o lixo se acumulando

as pessoas se hostilizando

golpistas, psicopatas, facínoras

tomando conta de tudo

e eu em casa

ouvindo 

os Souvenirs de Chopin, por Lotaro Fukuma.





 


                    

                    o troféu





Abençoado ou vilipendiado, o amor cumpre 

sua tarefa com louvor.

Aventura-se por vielas e becos, consumindo-se 

entre o deleite e o desencanto. 

Escreve a sagração de seus desígnios expondo-se à insânia

das misérias terrestres.

Voraz, o apelo da carne impele a plenitude dos desejos.

Ao situar-se entre o desvario e o desencanto,

o relapso amor agoniza em seu pedacinho de céu. 

Fraqueja, sucumbe à tentação. 

A renúncia é o preço do troféu.   



  


                     o sono das nulidades



Saúdo o breve instante de ser feliz.

Em meio a rotina que fustiga ossos e querelas,

o trâmite das coisas fungíveis expele sonhos e fezes.

A realidade desterra a voragem das sementes heróicas. 

A raiva de hoje se funde em pletoras perfunctórias, para que

a senilidade obsidie a obsessão dos espelhos.

O instante de ser feliz vilipendia dignidades, mas 

o que importa ?

Viver é um engano extorquido por exércitos de rameiras.

O assombro que permanece respira ares esfaimados.

A preamar das hostilidades esquiva-se dos cadafalsos,

enquanto as carpideiras traçam rotas trágicas.

Sevícias asquerosas repelem os maus presságios.

O êxtase dos punhais embute megalomanias necrosadas,

ante o absurdo que permeia o absoluto.

Há que despertar do sono das nulidades.

O instante de ser feliz não espera.




                             enredo sem nexo



Enredo sem nexo, o processo imerso 

no progresso 

tropeça, trapaceia, tergiversa.

Sacode a poeira, morde a própria boca,

esbanja, mendiga,

e depois se suicida.


Enredo controverso (do inferno egresso ?),

amanhece e anoitece

respirando poeira e fuligem,

dormindo nas calçadas,

profanando os altares,

regressa ao começo

onde o batismo e a extrema unção confabulam.




                                   velhice



Envelhecer é triste, patético. 

E todo esforço para reverter o processo 

torna tudo 

ainda mais deprimente.


Não há como enganar o espelho.

Nem dá para comprar outro joelho.

Dentes e cabelos caindo, o sexo minguando,

mal consegue amarrar os cadarços.


Aceitar a dura realidade é preciso.

Para não se tornar inútil como um bebê.

Só que sem a menor graça. 








segunda-feira, 9 de setembro de 2024


                           a tragédia humana





Ideias pendentes pairam exauridas.

Merencórias vilegiaturas louvam as singraduras equânimes.

Suburras recalcitrantes lavam o rosto de magistrados venais.

Por osmose, a sabedoria tripudia mais do sábio 

do que do ignorante.

A quem prefere o nada, nada se pode dar.

Há uma espécie de maldição na felicidade.

Quando não é curta, nunca basta.

Questões mal resolvidas, perguntas impertinentes afiam os dentes. 

Existe amor sem sexo ?

Existe amizade sem interesse ?

Existe verdade sem uma certa dose de mentira ?

Existe poder sem tirania ?

Existe intimidade maior que a penetração ?

Existe justiça sem moralidade ?

Existe instrução sem educação ?

Existe integridade sem caráter ?

A canalhice é o dom humano por excelência.

A razão conspira contra os sentimentos.

A tragédia humana não se dá por vencida.

 



sábado, 7 de setembro de 2024

                     

         dor de consciência é para os fracos





As perdas são uma constante na vida.

Ninguém perde (nem ganha) por esperar.

As dores não se mensuram.

Cada qual com seu jeito de lidar.

O tempo traga os afetos entrelaçados e fraternos.

O sangue coagulado de nossa genealogia nos exime de culpas.

Somos geneticamente programados para tudo de bom

ou de ruim.

A vida racha e descamba sem aviso prévio.


Ungidos por um legado mais antigo que o tempo,

migramos entre o céu e o inferno 

em busca de minorar o sofrimento.

Poucos conseguem.

Poucos subsistem aos infortúnios sem sofrer sequelas.

Não depende de nós torcer o curso do destino.

Sequer cogitar que tristeza e sofrimento sejam fruto 

de mau comportamento.

Não tarda para alguém minimamente inteligente

concluir que, neste mundo,

tudo existe e acontece aleatoriamente.

Prova disto é que por maior que seja a obra

e o humano sacrifício,

a carne morre e a matéria fica.


Dito isto, francamente, nada mais tolo do que sentir-se

desvalorizado ou injustiçado, 

por ser, simplesmente bom e honesto.

Pois nada de bom existe que não tenha o seu 

lado ruim.

Todos os nossos atos estão sujeitos ao juízo 

arbitrário de alguém.

Não se culpe nem se prive de nada em função

de escrúpulos morais, que desvirtuam 

o sentido do que é certo e errado.

Não faz sentido dar crédito a tudo 

que aos prazeres se oponha. 

Dor de consciência é para os fracos e abduzidos

pelo hipocrisia do senso comum.

Todo mal que nos assola provém de conceitos distorcidos

e meias verdades.

A noção do pecado existe basicamente para se opor àquilo

que desejamos.

Ou seja, aos prazeres da vida.

Nem sempre puros, honestos.

Mas, afinal, a vida é suja, e como pregava Santo Agostinho,

"se há alguma coisa que é pior ainda do que o vício,

é o orgulho da (falsa?) virtude".


Os homens inventam leis, modificam à vontade os códigos, como

saber o momento preciso em que nossos atos passam da inocência 

ao crime ? (Anibal Machado).



 


 


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