terça-feira, 19 de junho de 2018


                              DIZEM POR AÍ 




Dizem por aí que me estrumbiquei, 
que quebrei a cara ao perder a vida que eu tinha.
Ainda mais com idade para ter mais sabedoria.
E de fato, o que será de mim só Deus sabe, e olhe lá.
Mas, à parte de não me restar mais nada - família, 
sonhos, esperança - não me sinto culpado.
Porque tenho a consciência tranquila 
de ter feito o que podia.

Quase uma via inteira dedicada à árdua 
e ingrata missão de suprir e atender as expectativas, 
sempre elevadas, de meus entes queridos.
E se mais não fiz não foi por falta de vontade
e empenho,
mas porque não pude,
porque não soube.
Se falhei em tudo, azar o meu.

Não sei que futuro aguarda meu destino sem leme.
Estou só, como há muito tempo tenho estado.
Mesmo quando no seio da família, 
cercado pelos que me são caros, sempre estive só.
Sempre labutei e travei minhas batalhas sozinho.
Sempre visto como mero provedor.
Como alguém de quem tudo se cobrava e esperava,
sem que a recíproca fosse verdadeira.

Não, no fundo não perdi nada que já não houvera perdido.
Mesmo da mulher amada, que agora me repudia,
que golpe atroz é saber que há muito tempo
bom juízo de mim não fazia.
Que só faltava um bom pretexto para dar tudo
por acabado.

Paro à beira de mim mesmo e encaro a presente solidão 
como uma revelação.
Como uma libertação de uma vida que não vivi.
Pelo bem que me negaram.
Um mínimo de tardio respeito e reconhecimento
que amenizassem meu fardo.
Mas nem isso. Ingratidão e ressentimento 
é o que me foi delegado.
Não obstante, nada me pesa.
Para mim, agora, qualquer caminho leva à toda parte.
Senão contente, nato e liberto.

Dizem por aí que me dei mal, 
que um futuro tenebroso me espera.
É possível, é bem provável.
Mas quanto mais penso na propensão que temos
de nos iludir,
mais me convenço da necessidade de aceitar as coisas 
como são,
para manter resquícios de fé
e a capacidade de resgatar os valores perdidos.
Para voltar a ser aquele que não teme 
ficar só consigo mesmo.

Razão pela qual, careço agora de me abster
dos versos toscos
com que tenho me flagelado,
na inútil tentativa de resgatar 
o que não pode ser resgatado.
Para que meu rosto volte a refletir no espelho da vida
a indulgência e a serenidade perdida.

Tu dirás, até que enfim, basta dessa patacoada !
E eu respirarei fundo e me despedirei de mim mesmo,
para buscar emoções esquecidas na memória,
em busca de milagres não acontecidos.
Que meu largo canto ecoe acima das mágoas e
ressentimentos
E que eu possa renascer 
livre das mentiras postergadas.







  




segunda-feira, 18 de junho de 2018


 

         REDENÇÃO

Nada à derribar.
Nada à lamentar.
Minha derrota é minha redenção.
Assim como Cristo morreu na cruz 
para nos salvar
Eu morri para que meu amor
volte à  viver.





               

                                    Uma seleção respeitável 



domingo, 17 de junho de 2018



"El alacrán, cansado de ser un alácran, pero necesitado de sua propia alacranidad para dejar de ser um alácran". (Julio Cortázar)





                       CAMISA DE FORÇA






O que mais queremos da vida é a vida 
que não temos.
O que nos contenta, é o que nos confrange e coage.
Quando tudo vira hábito, obrigação 
para satisfazer as necessidades e expectativas alheias.
Seguindo regras estúpidas,
convenções que nos esfolam e assaltam a carteira.

Não podemos ser o que somos para não causar 
melindres, inviabilizar as relações.
O que somos é a metade do que queríamos ser.
Poder fazer o que se quer,
sem peias nem amarras.
Ah, quantos de nós dessa liberdade desfrutam ?
Viver a vida para a qual estamos manietados.
Não precisar ser agradável, educado,
com quem não é agradável, educado.
Não precisar trapacear para ganhar o sustento.
Não precisar mentir para não ser incompreendido.
Amar sem se sentir sufocado.
Não se sentir obrigado a nada senão ao desejado.
Ser feliz como quando criança,
quando tudo era simples e descomplicado.
E tudo parecia se esgotar em si mesmo,
sem a consciência e o peso das coisas
que acabam por nos meter numa camisa de força.
Ou num caixão...



              
                        recomeço


No inefável torpor de meu sonho mais profundo,
volto a ser o que fui antes de ser o que sou.
O que quis ser e não pude,
em face dos mil disfarces que a vida nos obriga.
Movido por fantasias em que me enredei,
como um peixe descuidado, 
que morre sem saber porque.

Eu, que do teu coração por tanto tempo fui dono,
e fui por ele abruptamente enjeitado,
é com absoluta franqueza que te digo :
embora não acredites, dei-te o meu melhor.
Não o perfeito, o ideal, sequer o desejado.
Simplesmente o meu sofrido legado.
Fados, fardos, traumas que não consegui superar.
Te decepcionei, não te amei o suficiente,
não porque não quis,
mas do único jeito que sabia.
Do único jeito que aprendi.

Na hora incerta que antecede a aurora,
sonho meu sonho indecifrável,
no qual tudo é possível.
Sonho que não obstante ser apenas sonho,
que frente a dura realidade nada significa,
permite-me ao menos lamber as feridas.
Resignado como um anacoreta 
que na solidão ora
para que Deus o acuda, e os anjos digam amém.

Não temos muitas escolhas na vida.
A vida escolhe por nós.
Cada coisa a seu tempo,
enquanto o mundo gira e nos impele
a renunciar a si própria em prol de algo maior.
Porque a grandeza humana está em amar e perdoar
Estar disposto a recomeçar.
Pois só há um caminho na vida,
seguir em frente sem olhar para trás...








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                          o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz.  Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...