segunda-feira, 22 de julho de 2019
ÁGUA OU PEDRA
Os anos trazem e levam tudo da gente.
A vida que floresce, envelhece
e se despede das coisas.
Dos amigos que vêm e vão.
Dos amores que vêm e vão.
A cronologia da saga humana se dispersa em elegias
e catálogos defuntos.
Sempre há perdas e mortos à prantear.
Despedidas e luto são as únicas coisas permanentes.
A pátria saqueada, o povo espoliado,
sempre a mesma história.
Reescrita e convenientemente deformada
pelos donos do poder,
ou apologistas de doutrinas sanguinárias.
O mundo não se lava das guerras,
não se limpa do sangue dos inocentes,
nem se livra do ódio e da discriminação.
Os tiranos se olham no espelho
e sentem prazer no que veem.
Ainda assim, a cada fim de tarde,
os sons e vozes abafadas que adentram a noite eterna,
fecundam as entranhas da terra
em seu recolhimento seminal.
Em infatigável resistência e desesperados atavios,
a desgraça e grandeza humana entrelaçados.
Nada se perde, tudo se transforma,
a lei máxima da Natureza se incumbe
das transmutações feéricas e telúricas.
Na vida que se deteriora e se regenera.
Assim como a criança que não brinca não é criança,
o homem que não sofre, não se faz homem.
Só o sofrimento e a dor ensinam e redimem.
Água ou pedra, fluir ou quedar-se.
Ser como um veleiro preso numa garrafa
Ou aventurar-se por mares quiméricos.
Viver ou ver a vida passar,
anódina e irredimível.
domingo, 21 de julho de 2019
simulacros
Veja, não há engano maior do que supor que conhece
as pessoas. Mesmo as íntimas, de convívio diário,
não raro as mais estranhas, enigmáticas.
Pois ninguém é o que parece, o que aparenta.
No fundo, mero simulacros de si próprios.
A antiga musa, quem diria, companheira de tantos anos,
era um poço de dissimulação e ressentimento.
A musa que se apresenta, ora veja, não obstante
linda e descolada, não passa de uma manipuladora,
trapaceira na arte do amor.
E assim vamos.
O aparentemente dócil e inofensivo morador de rua
que tento ajudar, mexendo os pauzinhos daqui e dali,
esbarra no atestado de sanidade mental exigido pela administração pública,
para dá-lo como apto a algum edificante emprego.
Na coleta de lixo, limpador de privadas, gari.
São as opções disponíveis. Desde que passe pelo crivo
da vaca que o entrevista, da psicóloga, do aval do RH,
deixe seu endereço, o contato, que "quando surgir alguma vaga chamamos, ok ?"
Como é que é ? Qual seria o endereço de um morador de rua ?
Ah, sim, pode ser algum albergue da prefeitura. Desde que
haja vaga, é claro.
"Tá vendo, doutor ? Isso aqui é uma palhaçada ! Já estive aqui
Ah, sim, pode ser algum albergue da prefeitura. Desde que
haja vaga, é claro.
"Tá vendo, doutor ? Isso aqui é uma palhaçada ! Já estive aqui
antes e é sempre assim.
Eu quero é cuidar da natureza ! Ouviram bem ?
Eu quero cuidar da natureza, das tartarugas !
Não quero ser lixeiro, catar merda de cachorro.
Meu Deus, meu Deus, porque é tão difícil ?",
desabafa aos gritos, transtornado, pondo tudo a perder.
Volto para meu prédio.
Cruzo no elevador com o sr. João, meu vizinho,
o velhinho simpático de 86 anos que mora sozinho,
cujo coragem e disposição já homenageei em outros versos.
"Não tenho visto o senhor na padaria", puxei assunto, me referindo ao local onde o conheci, em que é habitué e uma atração à parte,
com sua eloquência e cantorias de arias e boleros
Eu quero cuidar da natureza, das tartarugas !
Não quero ser lixeiro, catar merda de cachorro.
Meu Deus, meu Deus, porque é tão difícil ?",
desabafa aos gritos, transtornado, pondo tudo a perder.
Volto para meu prédio.
Cruzo no elevador com o sr. João, meu vizinho,
o velhinho simpático de 86 anos que mora sozinho,
cujo coragem e disposição já homenageei em outros versos.
"Não tenho visto o senhor na padaria", puxei assunto, me referindo ao local onde o conheci, em que é habitué e uma atração à parte,
com sua eloquência e cantorias de arias e boleros
a la Andrea Bocelli.
"Não vou mais lá. Briguei com os donos. Dois portugas
"Não vou mais lá. Briguei com os donos. Dois portugas
mãos de vaca !"
"Como assim, sr. João ?"
"Imagina que resolvi comprar um carro, para não depender
"Como assim, sr. João ?"
"Imagina que resolvi comprar um carro, para não depender
mais da minha filha, mas me faltava 8 mil para completar o pagamento.
Pedi para passarem no cartão de crédito da padaria,
que depois pagaria as parcelas, acredita que tiveram
Pedi para passarem no cartão de crédito da padaria,
que depois pagaria as parcelas, acredita que tiveram
a coragem de recusar ?
Na certa, acharam que vou dar calote.
O ser humano não vale nada, meu filho!"
Quem sou eu para contraria-lo, sr. João.
Na certa, acharam que vou dar calote.
O ser humano não vale nada, meu filho!"
Quem sou eu para contraria-lo, sr. João.
RENÚNCIA
Renuncio a tudo aquilo que ainda não renunciei.
Dignidade, consciência tranquila,
essas baboseiras que para nada servem.
Que só servem para atravancar a vida da gente.
Renuncio a ser correto, decente,
essas coisas que ninguém dá valor.
Que só trazem dissabor, ingratidão.
essas coisas que ninguém dá valor.
Que só trazem dissabor, ingratidão.
Renuncio a ser sincero, solidário,
posto que cada um só pensa no próprio rabo.
Reciprocidade que é bom, nada.
posto que cada um só pensa no próprio rabo.
Reciprocidade que é bom, nada.
Renuncio a ser bacana, humano,
pois não vale a pena.
Ninguém reconhece, e ainda por cima
se sentem no direito de cobrar.
pois não vale a pena.
Ninguém reconhece, e ainda por cima
se sentem no direito de cobrar.
Renuncio, sobretudo, a ser otário, babaca,
como tenho sido anos a fio
Confiando, labutando, me doando
sem reconhecimento, sempre sob crivo implacável,
todo tipo de cobrança.
Otário que não hesita em abrir mão de tudo,
do pouco que tem,
para suprir, atender as exigências e expectativas
daqueles que se julga tolamente responsável.
Tolamente, sim, posto que para tudo há um limite.
A vida é uma via de duas mãos.
É um toma-lá-dá-cá. Sem isso, um estará bancando o otário.
E é ao que renuncio agora.
Em caráter irrevogável.
Só a viver não renuncio
porque a vida não me pertence.
Não é minha.
Pertence aos princípios que ora renuncio.
como tenho sido anos a fio
Confiando, labutando, me doando
sem reconhecimento, sempre sob crivo implacável,
todo tipo de cobrança.
Otário que não hesita em abrir mão de tudo,
do pouco que tem,
para suprir, atender as exigências e expectativas
daqueles que se julga tolamente responsável.
Tolamente, sim, posto que para tudo há um limite.
A vida é uma via de duas mãos.
É um toma-lá-dá-cá. Sem isso, um estará bancando o otário.
E é ao que renuncio agora.
Em caráter irrevogável.
Só a viver não renuncio
porque a vida não me pertence.
Não é minha.
Pertence aos princípios que ora renuncio.
sábado, 20 de julho de 2019
a lei da sobrevivência
A pergunta que não quer calar :
até que ponto podemos ser ingênuos ?
Para não passar aquele limite que nos transforma
em otários.
Porque, que ninguém se iluda, as pessoas te enganam,
te usam de tudo que é jeito.
Te iludem, te exploram, se bobear até as calças te tiram.
Sem o menor escrúpulo ou consideração.
É a lei da sobrevivência levada às últimas consequências.
O extinto que sobrepuja os sentimentos.
Mesmo afetivos, familiares.
Primeiro, eu.
Segundo, eu.
Terceiro, vamos ver.
Ninguém admite, ninguém assume
mas é assim que as coisas funcionam.
Mentira e dissimulação imperam.
Ser correto, verdadeiro, é para os fortes.
Suportar injustiça, ingratidão, raça em extinção.
Perde-se o sono mais por mágoa e inconformismo
do que por dor de consciência.
Até nisso os psicopatas e sociopatas levam vantagem.
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