sábado, 11 de abril de 2020





               AS CINCO FASES
           (ou o câncer do amor)






1. Negação

A pessoa recusa-se a aceitar, não acredita que possa ser grave.

2. Revolta

Passa a sentir-se injustiçado, reage com hostilidade.

3. Barganha

Questiona, tenta negociar, imagina que possa haver saídas alternativas.

4. Depressão

A ficha cai. A tristeza profunda advém ao perceber que nada pode fazer.

5. Aceitação

Passado o choque emocional, aceita os fatos, e aos poucos reage, passa a acreditar na possibilidade de cura.


Essas são as cinco etapas que normalmente ocorrem após o diagnóstico de câncer. 
Curiosamente, o mesmo processo que envolve o fim de um grande amor.































sexta-feira, 10 de abril de 2020





  





   


                               
                       

                                 Ophelinha ( e a dor de corno ) :










Para me mostrar o seu desprezo, ou, pelo menos, a sua indiferença real, não era preciso o disfarce transparente de 
um discurso tão comprido, nem da série de "razões"
tão pouco sinceras como convincentes, que me escreveu. Bastava dizer-mo. Assim entendo da mesma maneira, mas dói-me mais.
Se prefere a mim o rapaz que namora, e de quem naturalmente gosta muito, como lhe posso eu levar isso a mal ? 
A Ophelinha pode preferir quem quiser : não tem obrigação - creio eu - de amar-me, nem, realmente necessidade ( a não ser que queira divertir-se) de fingir que me ama.
Quem ama verdadeiramente não escreve cartas que parecem requeriment0s de advogado. O amor não estuda tanto as cousas, nem trata os outros como réus que é preciso "entalar". Porque não é franca comigo ? Que empenho tem em fazer sofrer quem não lhe fez mal - nem a si, nem a ninguém -, a quem tem por peso e dor bastante a própria vida isolada e triste, e não precisa de que lha venham acrescentar
Ofélia Queiroz, a namorada de F.P.
criando-lhe esperanças falsas, mostrando-lhe afeições fingidas, e isto sem que se perceba com que interesse, mesmo de divertimento, ou com que proveito, mesmo de troça. Reconheço que tudo isto é cômico, e que a parte mais cômica disto tudo sou eu.
Eu próprio acharia graça, se não a amasse tanto, e se
tivesse tempo para pensar em outra cousa que não fosse
no sofrimento que tem prazer em causar-me 
sem que eu, a não ser por amá-la, o tenha merecido, e creio
bem que amá-la não é razão bastante para o merecer.
Enfim...


Tais versos, em forma de carta, dignas de qualquer apaixonado desiludido e com direito à peculiar pieguice, não são, no entanto, de um qualquer. 
Até os grandes poetas e eruditos, como Fernando Pessoa, perdem a finesse e à mão, quando se trata de dor de corno.


  













quinta-feira, 9 de abril de 2020



                                                   

                                                         peter pan






Eu sou aquele cara que nunca precisou de inimigos 
para foder com as coisas.
Pois sempre me incumbi de ser meu maior inimigo.
Me auto-sabotar. Complicar, estragar tudo.
Fazendo e falando o que não devo.
Fui aquele menino que a mãe falava para não fazer,
e aí mesmo é que eu fazia. 
Castigo, chineladas, essas coisas,
nunca me intimidaram. 
Não foi à toa que fui  parar num internato, aos seis anos.
Quando adulto, não foi muito diferente.
Sempre rebelde, sempre cutucando a onça com vara curta.
Ideais e carreiras abreviadas, abortadas,
por puro impulso, por mandar alguém à merda
incautamente.
Dois casamentos, dos quais sai como vilão.
Não exatamente por maldade, juro, nunca levantei
a mão para elas, 
ao contrário, nunca deixei faltar nada em casa.

Não sou má pessoa. 
O problema, na verdade, é que nunca amadureci. 
No fundo, ainda sou aquele moleque
que pintava e bordava no engenho do meu avô,
sem ligar para nada. 
E que chega à velhice, vendo tudo desabar,
por não ter crescido, por pura imaturidade.
Por ainda não ter aprendido a lidar com as coisas,
por não medir as consequências.
Sob a minha ótica de Peter Pan desajustado.










































segunda-feira, 6 de abril de 2020

             

                                                                obsolescência




                           
A gente está sempre se enganando.
Acreditando em quem não deve.
À espera do improvável.
Do quê nunca acontece.
E isso vai nos matando aos poucos.
Pessoas, situações, cada decepção deixa marcas.
E a descrença cria raízes, passamos a duvidar 
de tudo e de todos.

A arte de viver se dispersa em dores punitivas 
e fadigas.
A vida que me foi dada, aos poucos solapada.
O jogo divertido e as lutas sofreadas enroscados 
no roteiro de equívocos que se abraçam. 
Que tudo abarcam,  à míngua de qualquer razão 
para continuar acreditando.

No entanto, a crença irrefletida permanece.
E na trama que destrama, que ressurge, 
e pune, a vida, o amor,
rebaixados à condição de mera utilidade.
Na desordem que se espraia, 
a obsolescência silente e melancólica jaz,
compassiva, permissiva, letal.
Deus me livre de ter esperança.




























domingo, 5 de abril de 2020





           
     o beco do gato







O Grande Irmão foi passado para trás.
Pode tudo ver, a todos vigiar, mas não manda. Não decide.
Sabe até a cor da cueca da gente, mas quem escolhe o modelo,
quem decide o que comemos, no que acreditamos, é alguém ainda mais invasivo e poderoso.
Além de onipresente e onipotente, se infiltra, se imiscui, 
penetra em nossas mentes, adestra, tange, faz a nossa cabeça, 
nos condiciona, transforma, influencia, avilta, prostitui.
Nada se compara a seu poder.
Nem o céu é o limite. Tem tudo armazenado, a tudo
devassa a um simples toque de dedos.
Fala todas as línguas mas só obedece aos algoritmos. 
Cujo domínio pôs o mundo nas mãos  de semi-deuses cibernéticos, que nem o Grande Irmão preconizado por Orwell faz frente. 
A Internet é a novilíngua por excelência,  a verdade reinventada ao gosto do freguês.
É a mentira institucionalizada que permeia a política, o comércio, 
a religião, o jornalismo.
Nem as relações pessoais escapam.
Sobretudo, elas.
O último refúgio da humanidade, que sob a ótica distorcida 
da realidade virtual, se vê como no espelho grotesto
do Beco do Gato, de Valle-Inclán.
Onde a sós e desarmados, nos imaginamos, incautamente,
melhores do que somos.



























Postagem em destaque

                          o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz.  Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...