sexta-feira, 23 de outubro de 2020

  






                cadáver insepulto





Nada mais pode ferir-me.

Nem as velhas coisas estimadas, enfim exorcizadas. 

Coisas esquecidas que durarão para sempre, 

estranhamente eternizadas.

Mas agora, submissas como tácitos escravos.


Paira sobre mim a aura do irredimível passado,

que resiste em sonhos persevagantes,

que se perdem na vertigem do tempo.

Estou pronto para o que der e vier.

Não temo a solidão, pois há muito já estou só.

Não temo o sofrimento, o esquecimento,

posto que purificam.

Não temo o que virá, o que provavelmente

não entenderei.

Deixei de sonhar-me.

O destino irrevogável encena a trama que se esgota.

Em que o amor jaz como um cadáver insepulto.

Que já não cheira nem fede.









                                                  compensações





Saúde

Trabalho

Poucos, porém sólidos,

afetos.

O que mais se pode querer

da vida ?


Nada do que se ganha de graça

presta.

Pois não se dá valor.

Acostuma mal.

Nunca satisfaz.


Nunca ganhei nada 

de mão beijada.

Nem o que me era devido.

Mas fui largamente compensado.


Com saúde.

Trabalho.

Poucos, porém sólidos,

afetos.




quarta-feira, 21 de outubro de 2020




                                                  momentos





Momentos. 

Então,

é só o que ficou ? 

Vagas lembranças de uma história

de quase vinte anos 

reduzidos a...momentos. 


As milhares de palavras

que busquei para tentar entender 

e assimilar

um fim tão amargo,

você só precisou de uma

para matar a charada. 

Momentos.

Pura e simplesmente momentos, e como tais,

efêmeros,

descartáveis.


O que explica também, é claro,

o distanciamento,

a frieza, a indiferença que tanto 

me machucaram.

E tantos versos loucos suscitaram. 

Como pude ser tão imbecil ?







  

terça-feira, 20 de outubro de 2020



                     em nome do Pai



   


Senhor, 

sei que não sou digno 

de nada pedir.

Consciente da infinidade de desatinos

que tenho cometido.

Da minha pouca fé.

Mas, Senhor,

não peço nada para mim.

E não tenho a quem recorrer.

Não sei mais o que fazer.

Em não sendo suficiente minha boa vontade. 

O que tenho feito no plano material. 

Dentro de minhas parcas possibilidades.

Eis me, então,

ao lado dos fracos e desesperados,

que não tendo mais em que se agarrar,

recorre a ti, Senhor,

para que em nome deste amor que a tudo se

sobrepõe,

ampare aquela de quem sou tão devedor.

Pela gratidão que transcende o próprio amor.


Em nome do Pai,

Do filho,

e do Espírito Santo,

Amém.




 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

domingo, 18 de outubro de 2020


                      virgens em bordel




A verdade é que a gente não sabe nada 

das mulheres. 

Ao acreditar e fantasiar, não passamos 

de verdadeiros trouxas nas mãos (e aos pés) delas.  

Até esquecemos que as musas, as deusas, as gatas

maravilhosas e super-produzidas que a gente

vê nas redes sociais, são de carne e 

osso como todo mundo.

Peidam e cagam como qualquer mortal. 


Ah, as musas...

Pouco ou quase nada diferem das putas tradicionais.

Posando de virgens em bordel. Dando mole 

e reclamando de assédio. 

Indo a orgias e se dizendo vítimas de estupro.

As musas de antigamente não jogavam 

tão baixo.







                o remédio


Como diz o velho Bukowski, chega um momento em que a gente fica tão sozinho que tudo começa a fazer sentido. Não no sentido de expiação, castigo, desgraça, embora às vezes assim o pareça. Mas para quem chegou a esse ponto por opção, ou mediante um providencial empurrãozinho do destino, a solidão, estar sozinho, chega a ser uma benção.

Pense nas vantagens de não se chatear à toa, nem chatear ninguém. Não precisar dar satisfações nem justificativas pelas mínimas coisas. Não precisar mentir, disfarçar, esconder, por senha no celular, não se sentir desprezado, usado, excluído, enganado, uma merda.

Pode se distrair sem culpa, fazer o que der na veneta, fazer merda, enfim, ser dono do próprio nariz.

Mas, é claro, tudo na vida é relativo. Devo reconhecer que em meio ao turbilhão em que me vi nesses últimos anos, topei com uma doida que só não me levou a passar por essa via crucis de novo porque ela não quis. Foi mais um inestimável favor que me fez. Não topar uma relação sem futuro, com alguém ainda preso ao passado, a um amor insubstituível. 

Mais um motivo para valorizar essa solidão que é mais uma libertação. Das injunções da vida a dois. O que um dia cansa, satura, bagunça o coreto. Às vezes ao ponto da ruptura. Nem por isso menos sofrida, dolorosa. Quando a chama do amor não se extinguiu, apenas amornou, arrefeceu.

Daí o drama das separações. Até a aceitação de que há males que vem para bem. Que não há uma só coisa perdida que não projete uma sombra, que não ofereça novas oportunidades.

O remédio é tornar as boas lembranças aliadas, ao invés do virtual luto que a separação, o ocaso de um grande amor ocasionam. Quando, na verdade, só o que morreu foi o tédio.


 







 






 









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