Se não for pedir muito,
não seja pouco.
Se não for para ficar,
não se demore.
Se não for para dar,
não ofereça.
Se não for para cumprir,
não prometa.
Se não quer,
não enrole.
Se não sabe,
não fale.
o novo padrão vigente
Não invejo as novas gerações.
Com seus brinquedinhos eletrônicos.
Seu estilo de vida fútil, promíscuo,
regado à drogas,
fiéis devotos do consumismo, da cultura do lixo.
De gostos e hábitos estranhos.
Imersos no mundo virtual.
Escravos da aparência, dos modismos, das grifes.
Manipulados por gurus de araque.
Idólatras, ególatras, desajustados,
eis o novo padrão vigente.
Em que o normal
é não ser normal.
sem noção
Eu já fiz muita questão.
Corria atrás.
Não media esforços.
Absolutamente sem noção
das coisas.
Do ridículo.
E ao perder o amor-próprio,
perdi o que nunca poderia perder :
o respeito.
O auto-respeito.
A dignidade.
Hoje não faço questão
de mais nada.
Quem quiser, que me aceite do jeito
que sou.
Estou velho para mudar.
E nem quero.
Estou em paz comigo mesmo.
E é o que me basta.
desejo
Se eu pudesse formular um desejo,
satisfazer uma única vontade ,
tipo assim,
presente de aniversário,
garanto, juro,
não pediria uma conta recheada,
as mulheres mais lindas.
Tudo o que pediria
seria poder reviver um único dia
daqueles verões mágicos
no Agudo.
Rever minha grossmutter inesquecível,
meus tios, primos, curtir aquele ambiente
gostoso de final de ano,
e sobretudo,
reaver o espírito harmonioso
que ali imperava,
de uma verdadeira família,
em que meus pais pontificavam,
rindo, dançando,
esbanjando o amor que os manteve unidos
por mais de sessenta anos.
Até o fim de uma vida
que não existe mais.
minhas outras vidas
Eu vi a chegada dos deuses-astronautas,
que legaram inteligência e barbárie
à humanidade.
Eu fui um dos filhos de Adão e Eva,
tive filhos com minha própria irmã para assim
povoar o mundo.
Eu vi Caim matar Abel por inveja, inaugurando
em grande estilo a sanha perversa da humanidade.
Fui um homem das cavernas morto
por um tigre de sabre.
Eu vi a água subir até cobrir o topo
das montanhas, da proa da arca de Noé.
Eu fui um animal que não existe mais.
Fui animal,
verme, pó, até perdi a conta de quantas vezes,
só não fui Buda.
Eu vivi na civilização mais evoluída que já existiu
na face da terra, que no entanto,
afundou no meio do Atlântico pelos motivos de sempre.
Cuja cultura os gregos resgataram.
Eu fui um dos milhares de escravos
que construíram as sete maravilhas do mundo,
e muito mais.
Que remavam sob chibatadas
nas grandes esquadras, e morriam feito moscas
nas grandes batalhas.
Que edificavam, plantavam, trabalhavam,
como trabalham até hoje,
sob o tacão dos poderosos.
Fui guerreiro de vários exércitos, morto,
esquartejado, queimado, empalado, torturado,
fui herói e covarde, apodreci em campos de batalha,
como também morri gloriosamente,
como um dos bravos espartanos que tombaram
em Termópilas,
na mais épica e desigual batalha de todos os tempos.
Em que os 300 comandados por Leônidas
contiveram
por longos e sangrentos três dias,
o exército persa de mais de 300 mil homens
reunidos por Xerxes.
Mais sorte teve Fernão Cortez, que viu
do alto de seu cavalo - este que vos fala -
um milhão de aztecas se curvarem placidamente,
acreditando estar diante de um deus materializado.
Eles que nunca haviam visto um cavalo.
Meninos, eu vi e participei de tudo o que possam
imaginar, ao longo de minhas vidas.
A ascensão e queda dos maiores impérios.
Povos inteiros sendo dizimados,
genocídios, holocaustos, em nome das causas mais abomináveis.
Vi a flamante Cartago banhada em sangue,
Treblinka, Hiroshima...
Vi o melhor e pior da raça humana.
Fui um dos ladrões crucificados ao lado de Cristo -
o que não pediu perdão.
Fui mártir, covarde, experimentei todas as mortes,
liderei e desertei, traí e fui traído,
amei,
fui amado, odiado, uma infinidade de vezes.
Vivi centenas de vidas mas, querem saber ?
Nunca vi Deus.
um dia como outro qualquer
Um dia como outro qualquer.
Sem nada de diferente.
Sem nada de especial, como um dia já foi.
Na casa de meus pais.
Quando ainda tinha família.
A vida toda pela frente.
Agora que sou só eu e eu mesmo,
não tenho motivos especiais para comemorar
o dia dos meus anos.
Além dos de sempre.
Como, aliás, sempre faço.
Não exatamente comemorar, mas ter
consciência de que bem ou mal,
a vida tem sido boa.
Tenho me virado sem depender de ninguém.
Sem precisar de ninguém.
E hoje em dia, finalmente,
sem esperar nada de ninguém.
Posto que as expectativas frustradas
é que matam aos poucos.
E as que mantenho hoje são absolutamente
realistas.
Só dependem de mim.
De mim e da companhia luxuosa dos joões de barro, sabiás, bentivis,
que me saúdam infalivelmente, mal rompe a manhã.
Como nesse dia dos meus anos.
último ato Vem de longe o paradoxo em que me afundo. Encurralado no círculo vicioso da vida, me dester...