Às vezes tudo é uma questão de não abandonar
o barco só porque está fazendo água.
Mesmo porque todos os barcos fazem água.
enganando o coração
Já joguei muita bola, empinei pipa,
brinquei de pião,
jogo de botão.
Hoje, brinco de enganar o coração.
Já tive tudo na vida,
hoje nem pai nem mãe tenho mais.
Minha cama é de pregos.
Meus dias, de um prisioneiro. Todos os corredores
me conduzem ao patíbulo de meus erros.
Não há mais possibilidade de fuga.
Sequer há para onde fugir.
Sem a mocidade que nos impele para o abismo,
tenho a mente crivada de dúvidas e incertezas.
Ainda bem.
Nada mais enganoso que as certezas.
raça de titãs
Foi-se a alegria, pesa-nos nos ombros
o fardo da velhice.
A vastidão do mundo tornou-se insuportável,
ainda que vivendo em confortável calabouço.
Nos corrói as lembranças que iluminam os caminhos
do aniquilamento.
Assim se extingue a última raça dos
deserdados do mundo utilitarista.
Que, qual serpente, envenena a côdea
de nossas carcomidas certezas.
Tudo soa a trapaça e demência.
Os porteiros do inferno não dão conta
de tanta gente.
Envolto em bandagens, como múmias egípcias,
agonizamos em camas de prego,
em quartos cheirando a naftalina e clorofórmio.
Definha, mija nas calças a raça de titãs
que sobreviveu
ao horror dos horrores,
guerras de extermínio, fornos crematórios,
genocídios, revoluções.
Para bancar a vida fútil e frívola das novas
gerações.
o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz. Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...