roteiros
É sempre o indizível que deslinda
a paz do meu tormento.
No pedestal do tempo, os roteiros retorcidos
se ajustam ao penhor deste desterro.
Para que eu possa seguir além dos enganos.
Sem o repertório de máscaras da trama
que ora finda.
Influxos
É preciso coragem para viver.
A vertiginosa pululação do dramatis personae
se embacia de fastio.
No ar, o voo pesado de abutres gordos paira como
metáfora recorrente.
Líquido e certo que um dia a catástrofe sobrevêm.
Os demiurgos amassam as premonições, enquanto
o crepúsculo esculpe estátuas.
Noite após noite, o homem se refaz sonhando-se adormecido.
Compreende que o engenho de modelar a matéria requer
velhos olhos.
Esgotados os votos aos numes terrestres, desperta da intolerável
lucidez da insônia.
Implora por desconhecido socorro.
Um múltiplo deus se revela e preconiza que uma vez
cumprido os ritos da dor, gradualmente,
habituar-se-à a realidade dos heresiarcas e dos crucificados.
E vai cuspir seus surdos apelos,
como se embandeirasse um cume longínquo.
Não menos vil, porém, escudado por gnósticas cosmogonias,
descobre que a bem-aventurança (assim como o bem)
é um atributo que não deve ser usurpado por anátemas
sem provas.
Em conjecturas que se esgotam no ditame de leis
labirínticas, atreladas ao acaso.
Sob o influxo de deuses degenerados.
o timoneiro
Ensaio hoje o meu schwanengesang.
Áugure da efemeridade das coisas.
Na plenitude e esgar dos sonhos.
Paradoxalmente, nunca tão só.
No epílogo da rematada jornada.
Porém, com largas compensações.
Nunca tão lúcido.
Nunca tão despojado dos entulhos que acumulamos
ao longo da vida.
Acima de tudo, o coração alto e doce impera.
Uma resignação madura bate a terra dura
com o casco das coisas humildes.
Fiquei muito aquém do que podia,
mas não naufraguei.
Tendo Deus como timoneiro, "não sou eu quem
me navega,
quem me navega é o mar."
(O Timoneiro/Paulinho da Viola)
o cotidiano báratro
Há abundância de mentira e fome no mundo.
De solidão e arrependimento.
Tiranos no poder, como sempre.
Pranto de crianças em todo canto.
Há abismos, súplicas, vociferações por toda parte.
Ausências, sortilégios, suicídios entretecem
o cotidiano báratro.
Bárbaros dirigem automóveis, mimam os filhos,
paparicam os cães de estimação,
e põem os pais no asilo.
O Inferno de Dante é aqui.
hora marcada
Sou um homem já sem venturas e pesares.
Que espera e sonha
Com flores de cera sobre o mármore.
O campo está arado e as uvas, maduras.
A eternidade me espera na encruzilhada das estrelas.
Sob o elmo quimérico e irascível, o eterno inimigo
Do absoluto mede o tempo.
Estamos em paz : na desabitada vida,
Anseio pela hora marcada.
o quanto sei de mim Faço do meu papel o sonho de um desditado. Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o go...