quarentena
Queria escrever um poema
Que não fosse de anátemas
Que tivesse o amor como tema
Mas, oh, que pena !
Meu coração continua de quarentena.
a realidade extraviada
Deixei-me nascer de novo.
Venho de caminhar por eras de cifras e marcos
que me legaram, por assim dizer,
três vidas em uma.
A memória sobranceira desapegou-se
das antigas diegeses.
E de tudo desaprendido - dúvidas, desejos,
paixões -, abraço essa realidade extraviada
como um presente inesperado.
Agora podem me ver como realmente sou.
Nem feliz, nem triste,
posto que despojado de tudo
o que me alegrava e me tolhia.
E, quase póstumo, me permito
viver como nunca consegui.
às margens do nada
Aqui termina essa viagem em que tudo é cansaço
e abandono.
A distância entre as coisas, nos dias de todos,
o que resta, senão, aceitar ?
Às margens do nada, as nuvens ignoram a verdade
desconcertante.
É tarde, cumpro o percurso que me redime ou me cega.
Fui aquele que preferiu contemporizar à dor.
Em todas as coisas aniquiladas, a precisão da punição
injusta se apega a tudo que não existe mais.
Enquanto a vida sangra sem qualquer esperança,
como uma fera mortalmente ferida.
aprendizado
O que eu descobri depois que te perdi :
Que hoje sou capaz de amar como se deve amar.
Que os dias sem você podem ser mais calmos e tranquilos,
mas nunca plenos.
Que a sabedoria chega quando já é tarde.
Que o melhor do amor não é o que vivi,
mas o que faltou viver.
Que só porque não te amei do jeito que você quis,
não significa que não te amei de verdade.
Que nunca me senti tão próximo de você, depois que
te perdi.
Que precisei passar pelo que passei, para valorizar
o que a gente tinha.
Que precisei te perder para ser uma pessoa melhor.
Que para encontrar paz, precisei fazer um pacto
com a solidão.
Que a força invencível que me permitiu superar
os desgostos
reside na memória das coisas boas
que tivemos.
Que foram muitas.
realismo mágico
O real e o irreal estão na imaginação.
A realidade de cada um é o disfarce
o simulacro
o discurso.
Há um lugar em que nada é impossível.
Em que alegrias e tristezas são indiferenciáveis.
E os vivos e os mortos se reencontram.
O real e o irreal estão na imaginação.
Basta um instante para que o desejo encontre
sua realidade.
Quando tudo acontece. Ou nada.
Escuta o silêncio, sinta os aromas, invente prazeres.
Sonhe que não é um sonho.
Tudo o que vemos são nichos de percepção.
Espaços demarcados de crimes sem culpas.
Semeaduras de sinecuras
flores reticentes
perpetuadas de ausências
o real e o irreal imiscuindo-se nos escombros.
Abajo la tristeza !
Abajo todo dolor !
Nada pode ser omitido e dissimulado
Naquele momento em que o amor vira crime de guerra.
Em que nada se consegue reter, nem saber o que é real ou irreal.
Em que tudo ou nada acontece.
Num dia que não aconteceu.
Em Macondo ou nas Mil e uma noites.
o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz. Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...