amar nunca é em vão
Enxugue as lágrimas
Apascenta o coração.
Por mais difícil que seja
Ouve a voz da razão.
Lava o espírito
que outros amores virão.
Ou não !
Creia, por maior que tenha sido
a desilusão,
amar nunca é em vão.
a náusea de viver
Em algum lugar há alguém que vai cruzar seu caminho,
e marcá-lo para sempre. Para o bem ou para o mal.
Em algum momento a vida vai partir-se ao meio,
parindo mágoa, morte, dor.
Em algum passo em falso, a sorte vai te abandonar como
um cavalo em pânico.
Nos dias que se abrem e repartem, há que reaprender
a liturgia dos símbolos.
A oferenda da liberdade e do livre-arbítrio.
Contornar as armadilhas da carência.
Aprumar-se ante as vertigens do sexo.
A cada nova situação, um novo enfoque a trabalhar-se.
Adequar-se ao rude ofício, não se intimidar com o uivo
do lobo, o bramido do tigre, que nos espreitam
ao longo da labuta inclemente.
Há sempre muito à aprender.
Às vezes, aprendendo a desaprender.
Abandonar as crenças infundidas.
As virtudes corrompidas.
O amor conspurcado.
Refazer-se da mágoa de existir.
Renascer no esgar dos sentimentos exauridos,
num contemplar-se quase obsceno.
Posto que a vida carece de ser um pouco suja.
Na aventura renovada, refazer-se para ter olhos para ver.
Renunciar às pantominas dos dramas.
Afeiçoar-se àquilo que escalavra e corrói.
Dar outro sentido para o que não tem sentido.
Da pedra colher uma flor dura.
Encontrar-se nas coisas possuídas sem segredos.
Para suscitar outros desejos, a despeito
da náusea de viver.
creia
Creia, amor, não vai ser fácil me esquecer.
Em tudo, um pouco de mim vai permanecer.
Do modo como te tratava.
De como me empenhei para dar certo.
De como te amei, de um modo como ninguém
mais vai te amar.
Das coisas que te dei.
E sobretudo, do que ainda iria te dar.
Creia, amor, não vai fácil me esquecer.
Por um bom tempo, você vai se questionar,
se lamentar, ver o orgulho aos poucos derreter,
até admitir o quanto errou.
Do quanto perdeu.
Do quanto vai penar até se habituar
a minha ausência e tudo o que representei.
Creia, amor,
ninguém ama impunemente.
meu nome é ninguém
Meu nome é ninguém.
Abandonei as esperanças antes que elas
me abandonassem.
De relapsa ascese fiz meu caminho.
Relutando em aceitar que a vida
é um jogo sem nexo.
Cumpro meu destino com sede de viver.
Sem outra ambição que não seja descobrir
a beleza de ser.
Me penitenciando dos males que fiz
como fiel depositário do onipresente imaginário.
O coração saltimbanco já não olha para trás.
Curado dos maus lençóis, carapaça às favas !
Drama, comédia, farsa, no eterno baile
de máscaras a história se repete.
O circo de horrores sempre acaba em pizza.
A fúria dos dias guarda as falsas alegrias.
O vivido busca sentido no olvido.
O nada constrói o vazio do meu dharma.
Meu nome é ninguém.
Cansei de buscar verdades.
As verdades que me encontrem.
a fuga da fuga
Sempre há tempo, enquanto há tempo.
De aproveitar cada momento ( como se
não houvesse amanhã ?) há tempo.
Antes que se perca a autonomia, há tempo.
Tempo para vivenciar o ofício e os dotes.
De cantar o prazer das coisas simples.
A luta leal e destemida.
A mágica das semeaduras.
As bençãos que consolam.
As palavras de quase amor.
As singraduras do perdão.
As cores da aurora.
O galo que perdeu a hora.
O castigo que não veio.
Os gestos que redimem.
O ganho inesperado.
O orgulho de quem não se curva à indignidade.
As contradições renovadas, em prol da lucidez.
O enjoo da vida doentia.
A fuga da fuga.
A mocidade morta, porém nunca extinta.
Sempre há tempo para tudo.
Enquanto há tempo.
O último dia ninguém sabe.
O que não se ganha, apropria-se.
a bela
A bela sabe que é bela mas mesmo
assim apela, com seus cílios postiços,
vestidinho de pirigueti.
Gosta de ser desejada mas se faz
de difícil.
Provoca mas reage mal às cantadas.
Diz ser romântica mas não dispensa
um baile funk.
Chama todo mundo de "amor" mas o coração,
que é bom, não entrega a ninguém.
Diz que já sofreu demais e
que homem nenhum presta.
Quem sou eu para tirar a razão dela ?
o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz. Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...