domingo, 10 de novembro de 2024



Nós já fomos esquecidos

antes mesmo de nascidos.


              Esse novo homem que me tornei

              não me é estranho.

              Faz as mesmas coisas que eu fazia.


Amor à primeira vista

dispensa retórica.


             A solidão me apraz.

             O anonimato me compraz.

             Nada é mais importante 

             do que minha paz.



 


                                     epifanias



Certos pensamentos

como que flutuam,

revirados pelo vento.


Vagam sem dono,

surgem e desaparecem,

sem pressa, sofregamente.


Certos pensamentos

afligem e reverberam.

Pouco confiáveis, de tão amáveis


Tudo que é belo e sujo

os pensamentos esmagam e processam.

À sombra das epifanias.




                   ilusão de ótica



Cada dia tem sua própria história.

O coração bate alheio a qualquer discórdia.

Algum sentido oculto há em cada trajetória.

Um deus com quem comungar a derrota e a vitória.

Algum luto antigo para manter viva a memória.


Nenhuma dor se compara.

Nenhum amor se equipara.

Nada nem ninguém se iguala.

O palco das circunstâncias engendra

simulacros e apoteoses.

Tudo o que existe existe

inexistindo.

A realidade de cada um 

é uma ilusão de ótica.



sexta-feira, 8 de novembro de 2024

                                           


                     carta aberta à meu filho






Não me odeie, meu filho, se para você 

não passo de um chato, ranzinza, antiquado, 

um pé no saco.

É o meu jeito de ser e estou velho para mudar.

Acredite, dou o meu melhor, faço o possível

para dar conta da árdua tarefa de pai.

Não pense que gosto de ficar te chamando a atenção,

te cobrando responsabilidade e bons modos.

E, principalmente, o velho e bom respeito,

que nós, das antigas, aprendíamos a mostrar na marra.

Sei muito bem que os tempos são outros, que as coisas

mudaram radicalmente 

e a própria instituição da família já não é a mesma.

Mas não abro mão de meu papel de pai, e goste você

ou não, vou continuar cobrando, falando, aconselhando,

só não posso te obrigar a obedecer.

Espero que você não descubra tarde demais

que faço tudo isso pelo teu bem.

Logo, logo você estará fazendo 18 anos e estará livre

para fazer o que bem entender de sua vida, 

sem o velho pai para encher o saco.

Do jeito que as coisas estão hoje em dia,

já me darei por satisfeito

com o simples fato de você não me odiar.










                      chororô



Só quem viu a cara hedionda da morte.

Só quem se viu sozinho, abandonado, largado,

sem ter para onde ir, com quem contar.

Só quem se viu pregado num leito de hospital,

à mercê de estranhos, sendo furado, cortado,

sem forças para nada.

Só quem perdeu os pais prematuramente, um filho,

a família.

Só quem se viu sem dinheiro, endividado, sem recursos 

para viver com um mínimo de dignidade.

Só quem perdeu a fé, a esperança, 

a vontade de viver. Só quem passou e sofreu

por semelhantes provações,

é capaz de entender o verdadeiro 

sentido da vida.

Tudo mais é perfumaria. 

Chororô de criança mimada.






quinta-feira, 7 de novembro de 2024



              sêmen sujo





Quando a vida desossada encarna

o entusiasmo das torturas,

assombros infernais abraçam o silêncio 

investido de retóricas complacentes.

O sono cansado espera o azado perquirir 

de quem erra. 

Nada é pouco para o finito.

A força que nos impele envelhece cercada de zelos.

Água sem fonte escorre das paisagens defasadas.

Bocas sem haustos louvam o esplendor do desconhecido.

De ramo em ramo as flores se alteiam, possuídas.

Afogados na lama, gerações de boçais 

glorificam o sêmen sujo.

Uma vez expostas as qualidades estéreis,

a verdade engasga com a falsa fala

e o peixe pesca o pescador.


Nada permanece.

Não há vitória nem derrota.

Não há guerra nem paz.

Não há conquistas nem fracassos.

Não há dor nem prazer.

Nada que dure para sempre.

A razão que enlouquece atesta o jugo emocional.

O que nos impede de ganhar dinheiro

é o que nos impede de ser avaro. 

O focinho da besta deixa-se acariciar

brutalmente,

vorazmente,

posto que aceito

o pacto

o arguir aristotélico

penetrando a grave célula

em que tudo afunda

enquanto se aprofunda 

a perpétua face dos infortúnios.

























 



   

quinta-feira, 31 de outubro de 2024



                    almas sem asas





Nos dias em que nada acontece, almas sem asas 

alçam voo sobre as vertentes do tempo.

Exalando ideias e ideais ordinariamente dispersos.

Quando sem rumo nem consenso, o coração assombrado 

aprende a viver sem impostura.

A glória dos flagelos prefere os descaminhos.

A mentira, velha senhora, ainda circunda as ameias.

Monótona, a vida emperra na instantaneidade 

mundana.

O primado das heresias introduz-se, adulterando 

as elegias da inocência.

O caos ferve em louvor ao sobre-humano,

para expulsar a dor do Paraíso. 




 

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