quinta-feira, 30 de julho de 2020


                    

                  o novo normal
           



 
Ai Jesus, meu Jesusinho, 
o que temos para hoje ?, acordo já me perguntando. 
O que nos aguarda além do usual,
dos ritos, gritos, aflições que ninguém ouve ?
O que temos além da recôndita agonia, 
a tenaz fruição do heroico impostor 
que "arrasta pelo ladrilho deformidades insolúveis ?" 

Ora, nada além de hipóteses denegadas, 
merencórios prantos face às inevitáveis perdas
de um mundo sem paz. 
Em que a morte ronda enquanto dormimos,
enquanto assistimos de camarote a peste 
que se alastra silenciosamente.
Cada vez mais perto. 
Ontem, um conhecido; hoje um amigo, um parente. 
Amanhã, de repente, a gente.  
Não nos bastassem outros perigos, 
ninguém está livre do traiçoeiro vírus.

Ai, meu Jesus, o que temos para hoje ?  
Sabendo que o mundo anda uma zona.
Que tudo de repente fenece. Tudo acaba. 
Assim mesmo como estamos vendo, aleatoriamente. 
Estranho se ver meramente protelando as coisas.
O velho mundo não existe mais.
Vivemos cada vez mais no virtual.
Até sexo on line.
Na loteria que comanda o universo, as loucas 
criaturas humanas enjauladas
amam e se odeiam em meio ao indizível terror.
Em seu labor, angústia, dor, 
e resquícios de honra ainda perduram.
Para que o amor, provável origem de tudo,
possa ter outra chance no novo normal.











 






 
  







 

domingo, 26 de julho de 2020





                                como manda o figurino







Estava tudo impecável, como manda o figurino. A igreja repleta, a entrada triunfal da noiva sob os acordes do tradicional "Jesus, Alegria dos Homens", a união do lindo casal enfim sacramentada aos pés do altar, com o esperado "sim" para as promessas de praxe, fidelidade, juntos nas alegrias e tristezas, até que a morte os separe, etc, etc.

Três meses depois cruzo com meu amigo na rua, e a pergunta é inevitável : e aí, que tal a vida de casado ?
- A maior roubada. Já separei.

Pois é. Sem entrar em detalhes, casamento não é apenas viver sob o mesmo teto. Ter com quem dormir. Como também apenas amar não é o suficiente. Amar qualquer um ama. A vida a dois requer muito mais. Compartilhamento. Cumplicidade. Abnegação. Estar disposto a se sacrificar em prol de um bem maior. O quê no caso dos homens, grosso modo, implica em entender e aceitar a transição de animal selvagem para animal doméstico. 

O fato é que todos os nubentes preferem ignorar que estão jogando contra as probabilidades. Apostando no azarão. Que as chances de dar errado são muito maiores. Mas o amor é cego, como se diz. Cego, lindo e teimoso. Tanto que vai tentando, se reinventado. Às vezes é tudo uma questão de não abandonar o barco só porque está fazendo água. Mesmo porque todos os barcos fazem água. 






 
















                  ser feliz







Ser feliz é esquecer.
É não ver.
Esquecer das tristezas e amarguras.
Não ver a desgraça ao largo.
Só é feliz quem não se martiriza 
com o que não pode mudar.
Só é feliz quem valoriza as coisas
boas,
que vive a vida 
como se andasse à toa.












                           CORTINA DE FUMAÇA






Ah, a vastidão humana !
Arcabouço de princípios, desventuras, elegias,
cacos do espelho estilhaçado da vida.
Mortalhas e guirlandas de nosso eterno desvario.
Nas múltiplas realidades da existência sem nexo,
o prazer e o horror entrelaçados,
o saber que ignora a alma fendida, 
o atro mistério de ser isso que invariavelmente somos : 
um monte de estrume. 
Nas máscaras que caem.
Na revelação da podridão que escamoteamos.
Pensamentos tenebrosos 
que mantemos em segredo, mas desfloram a alma,
defloram o espírito. 
Primazia de loucos e degenerados, 
condenados pelo mundo hipócrita,
posto que só o que nos diferencia
é a cortina de fumaça 
que impede que nos vejam
como realmente somos.

O quanto temos coragem de ser,
é o que realmente somos.
Que ninguém se peje, porém, 
que é em torno do erro e do pecado  
que o íntimo e pavoroso mundo  
gira,
tão logo a inocência acaba.



















sexta-feira, 24 de julho de 2020



                  o martelo de Nietzsche






Obediência e crendices, 
eis o que aprendemos desde cedo.
Educados para obedecer e crer.
A forja que, ao mesmo tempo, 
nos marca e aprisiona, como pássaros na gaiola.
Somos o que o mundo quer que sejamos.
O que permite que sejamos. 
Não mais que vassalos,
serviçais, zumbis,
massa de manobra, inocentes úteis...
Ora, nada mais cômodo que 
alguém que pense por nós.
Nada mais prático que seguir o rebanho.
Obedecer, acreditar, como nos ensinaram.
Dane-se a dor que tudo isso desencadeia.
Duvidar, contestar, para quê ? 
O que se ganha duvidando, contestando, 
além de desencanto, desavenças, desafetos ?
Razão ? Reconhecimento ? Uma pinoia !
Antes fosse. Dúvidas e contestações nunca soam bem.
Mesmo quando procedentes. 
Duvidar semeia discórdia. Contestar, antagonismo.
Mais sensato é deixar pra lá. O tempo sempre se encarrega
de mostrar a verdade.
Viver em paz não tem preço.
Conciliar vale mais que hostilizar.
Se tiver que fazer alguma coisa, faça na surdina,
por debaixo dos panos.
A verdade pouco importa. Mais importante
é manter as aparências. 
Posto que a verdade tem mil caras.
É à serventia da casa.
Felizes os que creem e erram, 
mas encontram na própria inconsciência
o consolo da felicidade fugidia. 
Algo que nunca consegui. Algo que sempre rejeitei. 
O martelo de Nietzsche só me trouxe problemas.










 









 

















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