sexta-feira, 7 de agosto de 2020


                         um peso, duas medidas





Por motivo algum e motivos vários,

sou a melhor e a pior das criaturas.

A mais digna e a mais vil.

Louvado e execrado. 

Anjo e demônio.

O melhor e o pior filho, pai presente e 

ao mesmo tempo ausente.

Amante fogoso e relapso. 

O outro que existe em mim, afinal,

quem é ?

Sadio e podre,

o certo e o errado, numa só pessoa.

Ou alguém que foi sem nunca ter sido ?


A um só tempo, belo e sujo.

Incrível e sórdido.

Herói e psicopata.

Intenso e promíscuo.

Assim mesmo, aos olhos 

de quem mais me conhece.

Há que se dar crédito...

Meu coração generoso e ardiloso,

mártir e algoz de si mesmo,

em paroxismos se diverte e padece.

Despojado de atrativos, às feras lançado,

julgado e condenado 

sob um peso e duas medidas.


Eis como tenho sido retratado.

A um tempo triunfante e espicaçado.

Demiurgo de antigas fantasias, amado e 

repudiado, fiz de mim um simulacro

do que deveria ter sido.

Dói saber 

que quem mais me difama, 

consta que um dia me amou.












 






  




quarta-feira, 5 de agosto de 2020



                              a sorte grande



Sem mistério, a vida é uma loteria. 
Um jogo de cartas marcadas.
Alguns são sortudos, nascem bem dotados,
ou em berço de ouro.
Mas a grande maioria é de perdedores. Fodidos
e mal pagos.
Lutam e labutam sem o bafejo da sorte.
E sem sorte, irmão, nada se consegue.

Há quem diga que a sorte é a gente 
que faz. 
Fruto de talento e dedicação.
Pode até ser, no plano profissional.
Mas ter sucesso, ser feliz na vida, 
não se resume a ganhar dinheiro.
As escolhas é que são determinantes.
E não somos nós que escolhemos.
Somos escolhidos, desde o útero materno,
que vai determinar quem seremos,
a quem delegaremos nossos cromossomos, 
a fundamental herança genética.
No mais,
naquilo de mais importante que nos compete,
nem para encontrar a pessoa certa
estamos habilitados.
É como tirar a sorte grande.














 


 



              CHOVE, CHUVA





Nuvens negras,
raios, trovoadas...
É a chuva chegando, já sinto
o cheiro da terra molhada.
Mesmo não querendo, me pego perguntando, 
e o meu amor, onde andará ?
Bem que aqui podia estar,
debaixo desse cobertor,
enquanto chove,
troveja,
relampeia,
neva,
ou o mundo se exploda.
But, i know, never again.
A outros temporais 
sucumbimos.







 






















                             

                                        BREVIÁRIO

                   



Besteira lutar para mudar aquilo que não está 
a seu alcance. Onde não há reciprocidade,
deixe ir, poupe-se de fiascos, desaforos, humilhações.

A maior culpa é não sentir culpa.

Às vezes não é só  ter coragem 
para se livrar do que te faz mal, é ter consciência disso.

Meu maior desejo é não ter desejo.

Difícil mesmo é aprender a silenciar.

As relações se constroem muito mais em cima
de mentiras do que de verdades. Tudo é uma
questão de dosar.

Acordar de manhã sem dor, no corpo, na alma,
pode haver benção maior ?

Há as perdas irreparáveis, as remediáveis
e as benéficas. Tudo a seu tempo. 
A vida é sábia, o problema é entendê-la.















 

terça-feira, 4 de agosto de 2020




                o que a pandemia nos ensina




Meu filho mais novo me pergunta se acho que as pessoas vão
mudar em função das lições da pandemia. Sinto dizer, mas duvido.
A humanidade já passou por momentos bem mais críticos, como as duas guerras mundiais, o holocausto, as bombas de Nagasaki e Hiroshima, a própria gripe espanhola, que matou quase 50 milhões no começo do século 20, e nem por isso diminuíram os conflitos, a xenofobia, o ódio, com o agravante da mentalidade fútil 
e hedonista ensejada pela era digital que impera hoje em dia. 
É claro que não se pode generalizar, e como praticamente o mundo todo está sendo afetado pela doença, algumas lições estão sendo digeridas na marra. A começar pelos governos, quase todos pegos
totalmente despreparados para enfrentar um vírus com tal potencial de contágio, dos quais o mínimo que se espera é um apoio maior a área da saúde. 
Quanto as pessoas, ameaçadas por um patógeno cuja letalidade ainda está longe de controlada, além das perdas em termos materiais e principalmente de vidas, não há como ignorar o recado da Criação embutido em algo que botou virtualmente o mundo de cabeça para baixo. 
Que é preciso cuidar mais da Natureza, valorizar mais as relações humanas, resgatar as pequenas prazeres repentinamente suprimidos 
por decreto.

   






  




                     BAILE DE MÁSCARAS
                      




Claro, óbvio, evidente : é muito mais fácil, mais cômodo, 
esperar que os outros mudem, atendam nossas expectativas.
Mas e quanto a nós ? De repente, não seremos tão ou mais
problemáticos, desajustados ? 
" As pessoas não são como achamos que são. São como nós 
as vemos."
Ouvi certa vez num filme, e pensando bem, é bem isso. Vemos 
os outros sob a nossa ótica, nossos valores, conceitos, mas quem
garante o acerto, a lisura dos mesmos ? 
Só nós mesmos.
Vai daí o grande problema desse raciocínio : a maioria das pessoas
não presta. Julga, condena os outros conforme suas conveniências,
em juízos apressados e deturpados.  
Fazer o quê, se a vida é um baile de máscaras ?
Não me pergunte, só pense a respeito.



segunda-feira, 3 de agosto de 2020


                           sonho e pesadelo 



 
Então é só isso, a vida ?
Um contínuo romper da tênue linha que separa
o momento presente do amanhã ?
Às vezes sonho, às vezes pesadelo, a realidade 
a maldição de Sísifo remonta. 
Para onde tudo vai depois que acaba, 
se nada se consegue reter ?
O que se perde, não há como repor.
Ah, os entes queridos, o amor, expoentes da beleza
e da desdita, quantas dores, 
quantos dissabores nos deixam.

É só isso, a vida ?
Um breve encantamento.
Um sopro que logo se desfaz.
Sob o manto fugaz da beleza, esconde 
as maiores tristezas.

Viver não custa nada, mas exige muito.
Sabedoria, forças insuspeitas.
Prazer e diversão é o que mais nos apraz, 
mas, ironicamente, 
é na adversidade que vive-se mais
plenamente.
Nada ensina mais que o sofrimento.
O tempo, avalanche em queda abrupta,
nos enleva e enluta
em meio a constante disputa
entre o bem e mal.

Então é isso, a vida ?
Gulosa e predatória via de duas mãos. 
De ida, mas sem volta.





 






 






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