quarta-feira, 16 de março de 2022



                  todos passam pela cruz






A vida só faz sentido no olho do furacão.

No turbilhão das tragédias.

Quando tudo desmorona, as mãos se despetalam e

os mais belos sentimentos afloram.

De repente, no vislumbre do que foi o existir cinzento,

voltamos a crer como criança.

E ao redor deste espanto, os anseios mais antigos confabulam

um novo itinerário.


Mas a via crucis é inevitável.

Todos passam pela cruz.

Crescemos na dor que humaniza.

Na tristeza previsível ou no bojo de fatalidades

incompreensíveis.

Reconciliados nas cercanias da morte, enfim nos livramos

dos truques e disfarces.

E assim, purgados,

voltamos a ser o anjo que em outra dimensão

fomos.




  

sábado, 12 de março de 2022




                              descartável



            


Ah, se você soubesse o quão rapidamente

será esquecido, proscrito, substituído, 

não alimentaria qualquer remordimento 

pelo que fez ou deixou de fazer. 

Pois no fim das contas não faria diferença.

Se fez pouco ou muito. 

Porque nada mais importa, depois que você se for. 

Nada de planos nem datas nem suposições 

nem perrengues ou engenhosas versões escapistas. 

Pois o esquecimento começa naquele instante 

que antecede o fim, quando você se depara 

com o nada que restou do fundo de seus dias. 

Preterido por uma realidade decadente qualquer, 

debaixo de um sol que continuará a nascer e se por, 

indiferentemente ao que foi sua descartável existência. 

Porque você nunca passou disso : descartável.



















 



                           aqui jaz



Eis o homem que não existiu.

Houve um tempo em que o amaram incondicionalmente.

Ele não sabia, e se sabia, não ligava. 

Arrogante, ignorava que o mundo é cruel.

Que a vida dá e tira.

A começar pelo que há de mais sagrado : a família.

Despojado de tudo, aqui jaz o homem que foi

sem nunca ter sido.

Já está esquecido antes mesmo 

que lhe fechem o caixão.



  



                             sumidoro



Todas as coisas parecem requisitar de nós conhecimento 

e forças que não temos. 

Mas que somos obrigados a ter.

Não se evita o destino ao desejar outro destino.

Da velhice tranquila ao fim trágico, nada pode ser revogado.

Queremos mas nada se retém além de seu tempo 

pré-estabelecido.

Apenas e tão somente, o lento aprendizado.

Nas dores, sobretudo, nas dores.

Atormentados pelo puramente indizível,

as formas figuradas da felicidade atávica se esgotam

no abandono e no luto.

A morte estupidamente prematura é como uma correnteza

que nos arrasta 

para o sumidoro do mundo.










quinta-feira, 10 de março de 2022




Minha vida só mudou quando entendi 

que ninguém me deve nada.

Atenção, carinho, reciprocidade, gentileza, apoio.

Até mesmo consideração. Ninguém.

Simplesmente porque eu não controlo como me tratam.

Mas se há algo que controlo é minha presença.

E eu não permaneço onde não mereço estar.


(anônimo)


 

quarta-feira, 9 de março de 2022

segunda-feira, 7 de março de 2022





                        o Paraíso te espera, meu amor




Meu amor, meu amorzinho, não tenha medo. Deus falou comigo. Não me pergunte como isso foi possível, mas de repente tudo veio à minha mente tão claramente que só pode ter sido Ele.

Falou para você ficar tranquila, que a travessia pode parecer assustadora mas não há nada a temer. Pagou suas culpas com juros por aqui. Sobre o meu questionamento do por que de você partir tão cedo, com apenas 41 anos e tanta vontade de viver, ele disse que esse departamento está fora de sua alçada. Que todo mundo nasce com seu destino traçado, e só casos excepcionais são passíveis de revisão. 

Fiz força para aceitar a alegação, afinal, ele não é o todo-poderoso, que tudo sabe e tudo pode, conforme nos ensinaram ? Daí se vê a precariedade dessa crença incondicional, que nos serve muito mais de bengala do que outra coisa. Porque na prática, o que tiver que ser, será. Nem em crenças alternativas se pode acreditar cegamente, como a lei do retorno, ou a sedutora "justa lei máxima da natureza", na qual, confesso, depositei os resquícios de minha fé.  

Não me sobrou mais nada para acreditar. Nada além de em mim mesmo, na vocação inata que carrego dentro de mim para trilhar o caminho do bem. Algo que provavelmente temos em comum, porque você sempre foi do bem, como minha companheira, mãe, filha dedicada. E se chega tão precoce e injustamente ao fim de sua jornada terrena, por alguma razão maior há de ser. Cumpriu dignamente seu papel por aqui, o Paraíso te espera, meu amor.

Deus me garantiu.


Em memória de Fernanda Cristiane de Lima.





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