quinta-feira, 15 de setembro de 2022



                o porco





A um só tempo

você me deu tudo e tirou.

Me fez feliz e infeliz

em cada encontro e separação.

Entre o júbilo e o desalento

cevando o incauto coração,

como quem engorda o porco 

para o abate.





                         um filho da puta como outro qualquer 






Tudo o que somos, tudo o que fomos, cabem numa maldita 

caixinha de madeira, ou numa urna em forma de vaso. 

Que é onde colocam as cinzas da gente depois da cremação.

Já pensou ? Já vislumbrou essa possibilidade ?

Meio sinistro, é verdade, mas melhor, penso eu, 

que apodrecer aos poucos, comido pelos vermes, até virar 

um amontoado de ossos, 

e por fim no pó do qual, dizem as Escrituras, todos viemos.


O fato é que a gente vale muito pouco. 

Isto na melhor das hipóteses, porque a verdade 

é que não valemos nada.

Nada que justifique a soberba, a empáfia, a bazófia que tanto

se vê por aí, ainda mais depois do advento

do mundinho das redes sociais.

Tudo bem que, como diz o sábio Bukowski, sempre

haverá dinheiro, bêbados e putas para contrabalançar, 

Para nos fazer sentir menos escrotos.

De repente, até uma boa pessoa.

Boa o suficiente - em nossa cabeça - para julgar os outros.

Se achar melhor que os outros.

No fundo, uns pobres coitados, que se iludem a si mesmos.

Acreditando na farsa que montam.

Até levarem o tranco inesperado. 

O golpe de misericórdia.

Mas quem sou eu para julgar, apontar o dedo.

Por mais sacaneado, ultrajado, traído, não posso esquecer

que fiz a mesma coisa. Sacaneei, ultrajei, traí.

Em suma, um filho da puta como outro qualquer.

Que por razões desconhecidas, a vida poupou, condescendeu,

foi generosa.

O que não impedirá que um dia não passe de um punhado

de pó

numa caixinha

ou vaso

que ninguém sabe ao certo

o lugar mais adequado

para jogar.










 






















 



                       graciosa desdita


                                    Fedro, de Platão



Atento ao firme propósito e seus nítidos contornos,

em urdiduras que revolvem o vago céu,

como máscaras em procissão,

e acordar da seara dos loucos,

despovoando o corpo cansado de epifanias.

Quando o fogo declina e alguém é persuadido que o

perdão é desnecessário,

o coração se aquieta com a ajuda do lento aprendizado.

Outros foram nós, diante da consciência de que tudo

é veneno, e na treva sem caos a memória se desfaz,

como o insondável rio de Heráclito, em cujas águas o futuro

se eleva, a procurar-se entre os numes. 

Eleva, pois, tua prece, para que o mundo de breves sortes

e penas sem  fim, se perca no olvido.

Para renascer na graciosa desdita de Fedro.


 

 

quarta-feira, 14 de setembro de 2022


                  quando eu ainda era eu




 



 

Quando eu ainda era eu

e vagava entre os ontens e as perdidas coisas,

precocemente farto de tudo,

pranteando auroras e poentes insidiosos,

me vendo como um suicida em potencial,

por não ter as respostas certas,

por não ter feito as apostas certas,

precisei levar uma bela sacudidela do destino

para saber quem eu era. Ou melhor, quem eu não era.

Alguém que entendeu tudo errado desde o começo.

Que teve tudo e não teve nada.

Até descobrir-se capaz de conviver 

com as maiores infâmias.

Enfim habilitado a sobreviver no mundo real.






 

terça-feira, 13 de setembro de 2022



                     a injustiça não descansa





A injustiça está por toda a parte

e não descansa.

Das pequenas às grandes coisas, ruína e maledicências  

nos espreitam.

Sob o crivo dos sociopatas, boas intenções não bastam.

Ajuda, favores, só satisfazem enquanto duram.

E nunca são suficientes.

Quando mais você dá, se doa, mais exigem, mais cobram.

Os sanguessugas são insaciáveis.

Ajuda vira obrigação.

Sem direito a contrapartida.

O melhor de nós mal dá para o gasto.

E ai de você se prometer e não cumprir. Ou até mesmo

se cumprir. Ou nada prometer.

Não há do que não lhe chamarão.

Você pode ser o melhor cara do mundo

mas mesmo assim corre o risco de ser crucificado.

Porque é esta a natureza humana.

O mal é paciente e sempre leva vantagem.

É dele a palavra final. 

A injustiça não descansa.








 

 















                     

              O CORAÇÃO NÃO TEM CULPA




quem terá espalhado a tola crença

de que o diligente e abnegado coração 

é o responsável por algo tão errático 

como o amor ?


pergunta meramente retórica, pois é claro 

que tudo não passa de intriga do ardiloso cérebro, 

geneticamente programado para criar vilões 

para cada ocasião.


e quem melhor do que o generoso coração 

para assumir 

a culpa por desatinos que a própria Razão 

não dá conta.   





 



               prazer e culpa


 


 

Era tão bom estar com ela,

tão glorioso fazer amor com ela,

que naqueles momentos, diria, sublimes,

me era inevitável não sentir uma espécie de culpa

diante da miséria da vida lá fora. 



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