terça-feira, 6 de junho de 2023


                           abraço de tamanduá





 

Em face de tantos disfarces,

o inesperado

bafeja e escarva os terrenos baldios da alma.

Encardidos restos impregnam o entendimento

que gentilmente nos ignora.

Os miasmas dos despojos merencórios circundam 

o vazio que chicoteia a memória.

O tempo de pensar-se emerge quando a visão do perdido

se anela 

em mãos sujas de erros e pecados.


Bendito aquele que se detém diante do caminho 

da mútua compreensão,

e com o espírito desarmado, estende a mão.

Serão muitos, serão poucos, quantos serão ?

Nunca, ou eventualmente, saberemos.

Em meio aos dias carbonizados, bruxuleiam os dilemas

que mal e mal compreendemos.

Ao redor dos quais, a vida nos acolhe

com seu abraço de tamanduá.








                       amar nunca é em vão





Enxugue as lágrimas

Apascenta o coração.

Por mais difícil que seja

Ouve a voz da razão.


Lava o espírito

que outros amores virão.

Ou não ! 


Creia, por maior que tenha sido 

a desilusão,

amar nunca é em vão.



domingo, 4 de junho de 2023


                      a náusea de viver



Em algum lugar há alguém que vai cruzar seu caminho,

e marcá-lo para sempre. Para o bem ou para o mal.


Em algum momento a vida vai partir-se ao meio,

parindo mágoa, morte, dor.


Em algum passo em falso, a sorte vai te abandonar como

um cavalo em pânico.


Nos dias que se abrem e repartem,  há que reaprender 

a liturgia dos símbolos. 

A oferenda da liberdade e do livre-arbítrio.

Contornar as armadilhas da carência.

Aprumar-se ante as vertigens do sexo.


A cada nova situação, um novo enfoque a trabalhar-se.

Adequar-se ao rude ofício, não se intimidar com o uivo

do lobo, o bramido do tigre, que nos espreitam

ao longo da labuta inclemente.


Há sempre muito à aprender.

Às vezes, aprendendo a desaprender.

Abandonar as crenças infundidas.

As virtudes corrompidas.

O amor conspurcado.

Refazer-se da mágoa de existir.

Renascer no esgar dos sentimentos exauridos,

num contemplar-se quase obsceno.

Posto que a vida carece de ser um pouco suja.


Na aventura renovada, refazer-se para ter olhos para ver.

Renunciar às pantominas dos dramas.

Afeiçoar-se àquilo que escalavra e corrói.

Dar outro sentido para o que não tem sentido.

Da pedra colher uma flor dura.

Encontrar-se nas coisas possuídas sem segredos.

Para suscitar outros desejos, a despeito

da náusea de viver.












                                  

                              creia



Creia, amor, não vai ser fácil me esquecer.

Em tudo, um pouco de mim vai permanecer.

Do modo como te tratava.

De como me empenhei para dar certo.

De como te amei, de um modo como ninguém

mais vai te amar.

Das coisas que te dei.

E sobretudo, do que ainda iria te dar.


Creia, amor, não vai fácil me esquecer.

Por um bom tempo, você vai se questionar,

se lamentar, ver o orgulho aos poucos derreter,

até admitir o quanto errou.

Do quanto perdeu.

Do quanto vai penar até se habituar 

a minha ausência e tudo o que representei.


Creia, amor, 

ninguém ama impunemente.


   




sexta-feira, 2 de junho de 2023



                      fácil e difícil





Tão fácil mas tão difícil.

Fazer o certo.

Ser honesto.

Ser justo.

Prometer e cumprir.

Dar e receber.

Enxergar o óbvio.

Reconhecer o embuste.

Amar ao próximo.

Amar.








                 meu nome é ninguém





Meu nome é ninguém.

Abandonei as esperanças antes que elas

me abandonassem.

De relapsa ascese fiz meu caminho.

Relutando em aceitar que a vida

é um jogo sem nexo.


Cumpro meu destino com sede de viver.

Sem outra ambição que não seja descobrir

a beleza de ser.

Me penitenciando dos males que fiz

como fiel depositário do onipresente imaginário.

O coração saltimbanco já não olha para trás.

Curado dos maus lençóis, carapaça às favas !


Drama, comédia, farsa, no eterno baile

de máscaras a história se repete.

O circo de horrores sempre acaba em pizza.

A fúria dos dias guarda as falsas alegrias.

O vivido busca sentido no olvido.

O nada constrói o vazio do meu dharma.

Meu nome é ninguém.

Cansei de buscar verdades.

As verdades que me encontrem.








  



 

segunda-feira, 29 de maio de 2023




                   a fuga da fuga




Sempre há tempo, enquanto há tempo.

De aproveitar cada momento ( como se 

não houvesse amanhã ?) há tempo.

Antes que se perca a autonomia, há tempo.

Tempo para vivenciar o ofício e os dotes.

De cantar o prazer das coisas simples.

A luta leal e destemida.

A mágica das semeaduras.

As bençãos que consolam.

As palavras de quase amor.

As singraduras do perdão.

As cores da aurora.

O galo que perdeu a hora.

O castigo que não veio.

Os gestos que redimem.

O ganho inesperado.

O orgulho de quem não se curva à indignidade.

As contradições renovadas, em prol da lucidez. 

O enjoo da vida doentia.

A fuga da fuga.

A mocidade morta, porém nunca extinta.


Sempre há tempo para tudo.

Enquanto há tempo.

O último dia ninguém sabe.

O que não se ganha, apropria-se.














 

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