sábado, 9 de setembro de 2023



                                    enganos






Os enganos se perpetuam no âmbito das palavras.

As mãos que se procuram se convertem em garras.

As afeições se consomem como plantas fraticidas,

devorando-se em sais de discórdia e covardia.

O que tu sentes e tu queres se cala, para que a ilusão

do encanto não acabe.


O engano é a verdade que joga com palavras inexatas,

feito de abandonos e ansiedades vãs.

O que nos é invisível é a podridão que liga 

o paraíso ao inferno.

A evasão do amor.

O motim dos sentimentos.

Adeuses sempre adiados.


O engano é o espaço onde tudo de bom e de ruim acontece.

A juventude embriagada de santa rebeldia.

As pantomimas dos conflitos domésticos.

O rancor dissimulado das relações exauridas.

O tempo submerso em tristezas glaciais.

Os desenganos compondo abismos inocentes.


O engano não se resolve.

O engano nada na lama,  

planta portas clandestinas

sob finos devaneios,

rasga o sudário que veste o medo do inferno,

provê a falta de aptidão para o duradouro.

O engano é a luz escura do sol, o descompasso 

dos acordos velados, o jardim maduro de desesperanças.


O engano trama para além do engano,

faz-se constante até ser permanente.

Como quem esfrega os ladrilhos do claustro.

Eleva-se com inefável paciência sobre o mundo repartido.

Sem qualquer dor de consciência.

O engano vive de enganos.

Se alimenta da própria carne.

Andeja entre mágoas insepultas e promessas descumpridas.

Para que se cumpra o nobre pacto

entre a verdade e a mentira.






 



quinta-feira, 7 de setembro de 2023




                       o sono eterno





Os ruídos da cidade grande já não me incomodam.

Me incomoda mais o silêncio da madrugada.

Sutilmente ruidoso.

As confabulações dos supremos desconsolos.

O drama das sarjetas insones.

As dúvidas crucificadas.

A banalidade da existência suspensa sobre a vida

tormentosa.

As memórias já retiradas do mundo.

O crepitar das veredas molhadas de orvalho.

O hálito da bruma marítima impregnada de maresia.

As sementes moídas do passar dos anos.

Os recomeços caiados de conflitos incuráveis.

O sangue dos rios afogados entre as correntes do mar.

As lágrimas de tudo que se faz ausente.

As raízes dos caules do sofrimento sem culpa.

As vagas de recifes castigados de puro sacrifício.

As ruas poeirentas dos subúrbios.  

O mundo enigmático dos quintais.

Os caminhos esquecidos, as amarguras do espírito,

o pão, o fruto, a paz 

que a noite agasalha

no sono eterno.





segunda-feira, 4 de setembro de 2023



                   voo cego





Pare para ouvir o silêncio.

No silêncio está todas as respostas. 

Pense no silêncio sepulcral do universo e todos os mistérios 

que encerra por bilhões de anos.

E você quer respostas.

Para quê quer respostas ?

Que diferença faz saber além do permitido ?

Além do que podemos suportar.

Como se não bastasse continuar, não desistir, não esmorecer.

Porque a tentação de não continuar persiste em nós.

A desagregação da vontade persiste em nós.

É fácil ceder ao impulso de acabar com tudo.

Mas, no entanto, o instinto de sobrevivência é mais forte.

A despeito de tudo, das humilhações, do medo, 

da podridão do remorso.

Porque a vida continua através do fogo e da água.

Das imperfeições e da náusea.

Do voo cego do amor.





 



CONSELHOS DE UM AUTODIDATA



Se não tiver o que fazer, não encha o saco dos outros.
Se não consegue ser feliz, não atrapalhe nem inveje ninguém, é feio.
Se não consegue resolver seus problemas, não transfira, não dramatize, fique na sua
para não se tornar indesejável.
Se não sabe fazer, aprenda, estude, trabalhe.
Se não sabe por onde começar, se arrisque, dê o primeiro passo, mas comece !
Se foi enganado, iludido, traído, paciência. Acontece, trate de aprender, e bola pra frente !
Se perdeu a fé, a esperança, faz parte. Tudo passa, não desanime, dias melhores virão.
Pois como já dizia aquele mestre budista, não há bem que sempre dure,
nem mal que nunca acabe.



sábado, 2 de setembro de 2023


Encontrei a mulher da minha vida.

E ela nem me olhou. 


             Carece de explicação

             esse teu silêncio sem razão.

             Ou não ?


Gosto das recatadas

mas são as safadas 

que me atraem.


             Quebrar o brinquedo é mais divertido (Orides Fontela)






                     mortos-vivos



Reparte-se a carapaça dos mortos-vivos

sobre o altar dos mitos corrompidos.

Convertidos em palcos de tropicais tragédias,

que geram e degeneram 

como escamas de todos os mares.

Sombras de cruzes se projetam multiplicando

os suplícios.

Roteiros de há muito comungados remontam a velhos

cais e maresias.

A escuridão procura a âncora mais poderosa.

A placidez dos santos amassa a fé e o pão 

dos que não tem o que comer.

Cães ladram e a caravana passa à luz do provisório saber.

Adeuses soltos ao vento sacodem as crinas do sol de seda.

A vida também sabe deixar de ser, após a morte de tudo.








                        o caminho das pedras





Liberta o que te ampara.

Mostra o que te ensimesma.

Agasalha o frio.

Permita que te compartilhem os ciclos lunares.

Cuida daquilo que encerras como quem se agarra

às pedras.

Não te confundas com a mansidão silente das marés.

Experimenta a sonolência dos cursos.

Renuncia as pretensas prerrogativas das velhas crenças.

E nada te deterá.


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