quinta-feira, 4 de abril de 2024



                                     pecados veniais





A vida progride.

Meu tempo regride. 

Opostos que se fundem em gozos hipotéticos.

O lento e doloroso caleidoscópio perdura 

nas fantasias de longos caules.

Lembranças machucadas de coisas esquecidas

turvam a beleza sem paciência.

O desterro do mundo é o cálice que transborda

pecados veniais.

Enquanto as verdades provisórias costuram

alegrias hipotéticas.

Refugio-me nas palavras impregnadas de sofrimento

orgulhoso.

A espera de uma felicidade ainda desconhecida.








segunda-feira, 1 de abril de 2024



                  tudo o que temos de mais caro





Não aconselho ninguém a voltar onde foi feliz um dia.

Nem onde nem com quem. 

Porque nunca é a mesma coisa.

Tudo o que encontrará são ruínas, despojos, fragmentos

do que foi um dia, e não há nada que se possa fazer

a respeito.

Tudo passa, tudo acaba, tudo se esvai na mixórdia

da aventura terrestre. 

Mesmo as lembranças com o tempo traem a memória, 

em sensações longínquas e piedosas,

desvirtuando o próprio lembrar e esquecer.

O halo das fantasias mascara todas as coisas finitas,

glorificando ecos e miragens em detrimento do natural

desencanto com os seres e as coisas.

Daí o quase pesar de rever ou retornar às origens.

Por isso não faço gosto de passar por antigas moradas,

nem sinto vontade de reencontrar antigas namoradas,

e até reluto em rever velhos amigos.

Não por esquecimento ou falta de apreço, longe disso.

Prefiro, simplesmente, ficar com a imagem de como tudo era.

Antes que o tempo nos roubasse tudo o que temos

de mais caro.





 









 





domingo, 31 de março de 2024



                      juvenilidades anacrônicas





Minha grande luta é ter consciência de mim mesmo.

Para não esquecer a amplidão que se retrai. 

A vida de blefes e mentiras.

A consciência range e come as próprias entranhas.

É quase impossível ter os pés no chão, enquanto 

a impulsividade sabota a razão.

Vertigens do passado revolvem a solidão premeditada.

Digo adeus mas logo mudo de ideia.

Sou o que sou.

A longa vida de obscuridade obsidia lacunas despreocupados.

É tarde para fugir de mim mesmo.

Fui covarde, mas tive sorte.

Sai ileso do sofrimento que desencaminha e arruína.

Mais padeço de juvenilidades anacrônicas 

do que de consciência pesada.







sábado, 30 de março de 2024



                  o Deus que ninguém nunca viu





Espantoso que ninguém nunca o tenha visto.

Estando em todos os lugares, como se costuma dizer.

Nas mais diversas formas. Disfarces, diria.

De onde tiraram a ideia de que Deus teria um rosto, 

um corpo,

como sugerem tantas telas famosas ? 

Ora, os seres e as coisas são apenas detalhes insignificantes

no universo grandioso,

cuja perfeição só os estúpidos atribuem ao acaso.

A começar pela própria vida na Terra, só possível

graças a uma série de coordenadas que vão muito 

além de simples milagres, desses que a gente 

vê todos os dias.

Senão, vejamos.

Segundo dados validados pela própria ciência agnóstica,

por diferença de 1% mais perto ou mais longe do Sol,

a Terra seria praticamente inabitável, devido 

as temperaturas extremas.

Se sua rotação fosse mais acelerada, seria fustigada por 

tempestades e ventos furiosos.

Se fosse mais lenta, a exposição mais prolongada ao Sol

elevaria a temperatura a 60 ou mais graus de dia, 

e as noites seriam gélidas, com mais de 40 graus negativos.

E o que dizer da lua, cujos ciclos regulam 

os oceanos, os ventos, o clima ?

Sem falar no papel fundamental do gigante Júpiter,

cuja força gravitacional funciona como um escudo

para nosso planeta, contra tudo que é ameaça celeste.

Um grau mais próximo do Sol, e Vênus seria a contemplada.

Um mais longe, Marte.

Tudo magnificamente orquestrado pelo Deus 

que ninguém nunca viu.






 






                         a sina humana




O indecifrado,

que tudo sabe e nada vê,

além da pletora das coisas inaudíveis,

existindo no que nunca foi vivido nem concebido,

       no ainda por nascer,

acontece sempre de novo,

       emergindo,

como trigo maduro prestes a ser colhido,

para erguer novos muros.

Eis a sina humana.





                     a margem da vida




Existir, inexistindo.

Viver, evitando a vida.

A velhice avança, lentamente,

como um navio na curva do horizonte.

Óh, mocidade alada, tão cálida, tão breve.

Consoladoras lembranças gravam o caminho 

de volta para casa.

Escurece aos poucos, fechando o presente

em que a fera dorme.

A margem da vida, a paz interior

brinca de ser triste.






 

sexta-feira, 29 de março de 2024



             quando o psíquico está mal





Em Nova Iorque ou Pindamonhangaba,

alguém sonha com Londres.

Perversões inofensivas galgam o rol dos atributos.

Se a compreensão é a graça principal do estilo, 

a escrita é a arte da deturpação.

Juízos impessoais pecam por impropriedade intelectual.

Quem julga, se condena.

Por justiça e paz, as maiores atrocidades se cometem.

A esperança é o suvenir da fé.

O que são os anos diante da eternidade ?

Nada mais elegante que a ostentação conscienciosa.

Distrações andam em conformidade com a antena occipital.

Não é a aquisição de uma coisa que nos faz dono dele.

Do coração, por exemplo.

A falta de argumentos engendra repertórios confusos.

Liberal é aquele que não faz distinções quando se trata

do próprio deleite.

Gente superior não se priva da razão, apenas faz concessões.

O contentamento humilde afronta o regozijo.

A humildade é a mais graciosa desdita.

Melhor do que ser eterno é ser imortal.

É da natureza humana nadar contra a correnteza.

Olhou-se com tanto desprezo que acabou por conhecer-se.

Afinal, pode-se viver do que não pode viver sem viço ?

É melhor ser do que existir.

Pois é, isto não é poesia.

Quando o psíquico está mal,

melhor ser literal.




















 

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