quarta-feira, 2 de novembro de 2016



              NOSSO PARDAL DE ESTIMAÇÃO
                            

Como toda criança, houve época em que meu filho pequeno queria porque queria um bichinho de estimação, mas para fugir um pouco ao lugar comum, que não fosse cachorro ou gato, que ele mesmo descartou por entender dos inconvenientes de criá-los em ambiente confinado como um apartamento. Dentro deste mesmo prisma, vários outros foram cogitados sem que nenhum empolgasse, e com o tempo a vontade foi passando e o assunto deixado de lado. Até que o acaso encarregou-se de colocar uma criaturinha (um ser-humaninho, como diria o humorista Marco Luque) para, por assim dizer, completar essa lacuna em nossa família : um filhote de pardal literalmente resgatado da sarjeta.
O fato deu-se há cerca de um ano, num sábado à tarde em que, como de costume, meu filho Breno brincava no quintal da casa dos avós, quando, com aquele olhar aguçado de toda criança esperta, avistou algo estranho se debatendo rente ao meio fio da calçada. Imediatamente, pulou da bicicleta e foi correndo chamar o avô, pois estava desconfiado que um filhote de passarinho havia caído do ninho. E não deu outra : era mesmo um raquítico e feioso filhotinho de passarinho, naquelas condições, impossível de identificar de que espécie seria. Como naquele mesmo instante ouviu-se um bem-ti-vi cantando por perto, pronto, deduziram todos, só podia ser a mãe aflita com a perda do filhote. 
E foi assim que a notícia ganhou o mundo : o Breno havia salvo um filhote de bem-ti-vi. Pensando bem, quase um milagre, considerando a queda de algum ninho ou do próprio bico da mãe, e ter ficado ali na calçada, sabe-se lá quanto tempo. A questão era saber se sobreviveria, de tão frágil que parecia, e ainda mais sem a mãe por perto para alimentá-lo. Pois só ela para providenciar o tipo certo de alimentação do recém-nascido. 
Como não parava de tremelicar e abrir o bico desmesuradamente grande a qualquer movimento, foi-lhe improvisada uma caixa de sapatos como ninho, devidamente forrado por um pano felpudo, ao 
qual logo se adaptou. Faltava providenciar algo para saciar a fome que parecia grande, o que foi resolvido com uma papinha rala de água com farinha de fubá, injetado com uma seringa diretamente na goela do bichinho esganado. Mesmo aceitando bem a comidinha, ficamos na dúvida se ele conseguiria sobreviver, fora de seu habitat natural e longe da mãe, pois além da esqualidez pairavam dúvidas se não sofrera algum ferimento interno, devido a queda.
Mas para nossa surpresa e alegria - e digo nossa porque logo a história do resgate do filhotinho se espalhou pela família toda  e amiguinhos do meu filho -, ele não só aceitou bem a alimentação, como em duas ou três semanas já se mostrava mais fortinho e com penugens surgindo do corpinho. Foi quando vimos que o Benjamin, como foi batizado por minha mulher, não era um bem-ti-vi, como supúnhamos, e sim um pardal, e com um detalhe: tratava-se de uma fêmea, segundo o dono do aviário consultado para saber como cuidar do passarinho-mascote. 
A novidade não mudou em nada o cuidado e o apego pelo filhote, que por força do hábito continuamos a chamar de Benjamin, com direito ao apelido de tchú-tchú, ou simplesmente tchú, por tratar-se de uma fêmea. E que contra todos os prognósticos de que ganharia o mundo tão logo se sentisse seguro, ainda mais criado solto, pois não tivemos coragem de deixá-lo preso numa gaiola, nada de bater asas. Seu cantinho ficou sendo o umbral de um janelão que separa a cozinha da área de serviço, onde estrategicamente se empoleirou, com visão livre e ao lado do fogão, por uma razão toda especial : era dali que saiam os deliciosos aromas e petiscos que se tornaram seus favoritos, por sinal, os mesmos do meu filho : pão de queijo, macarrão e batata frita. E no desjejum, me fazendo companhia logo cedo, uma lasquinha de mamão e pão integral. Pode isso, Arnaldo ?

Não é à toa que até hoje nunca tenha esboçada a intenção de bater asas, escafeder-se por esse mundão à fora. Tudo que fez foi dar uma voltinha pela rua, digamos assim, quando num certo domingo, ao trazê-lo para tomar sol na sala, de repente alçou voou pela janela, e num primeiro instante sumindo de nossas vistas. "O tchú voou pela janela, e sumiu", gritei para minha mulher, que sem pensar duas vezes, desceu para a rua, de pijama e tudo, e pôs-se a chamá-lo, aflita. E eis que ele reapareceu, saindo debaixo de um carro que estava estacionado, saltitando, acreditem se quiserem, em direção a minha mulher. "Olha ele ali, mãe !", gritou meu filho da janela, chamando a atenção de quem passava pela rua, admirados com a cena insólita do reencontro de um pardal com sua dona, ou mãe adotiva, pois é este o status do pardalzinho aqui em casa : o de um filhinho caçula. Como, aliás, os bichinhos de estimação em geral são tidos.
Pode não ser o passarinho mais gracioso do mundo, o nosso pardal, mas convém não subestimar o seu papel na natureza. Como fez o fundador da república da China, Mao Tsé tung, em 1958, que por pura implicância - e ignorância - decretou que a espécie deveria ser eliminada no país. O que nos anos seguintes levou milhares de pessoas a morrer de fome, devido a proliferação de insetos e pragas que acabaram com as lavouras.  
Ou seja, o nosso pardalzinho tem lá seu valor...






    



  

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